segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Celebrar o Natal

No dia 25 de dezembro, a Humanidade recorda o nascimento de Jesus Cristo.
A imagem do presépio constitui uma das mais significativas expressões da civilização humana. Nele contemplamos, como representação dos mais belos ideais humanos, a família sagrada: a alegria de uma criança que nasce, a zelo de um pai, a ternura de uma mãe que acolhe em silêncio, no seu coração, o mistério que a envolve e a ultrapassa, os pastores e os magos – que representam a Humanidade no seu todo – que fazem festa e participam na alegria da vida.
O Natal é mesmo a encarnação da beleza imortal do mistério da pessoa humana. Com efeito, é a afirmação da esperança de que o amor triunfará sobre todos os egoísmos, a beleza terá um lugar definitivo na construção da harmonia, a ternura aproximará os homens, que descobrirão na comunhão e na paz o seu tesouro escondido.
A beleza da mensagem de paz e amor proclamada por Jesus, radicada numa arreigada tradição cultural, faz com que a celebração do Natal envolva muito mais pessoas do que aquelas que se confessam como cristãs.
Jesus Cristo constitui um modelo de humanidade. Ele encerra a certeza de que a plenitude humana é possível e que ela se exprime na profundidade de um diálogo de conhecimento e de amor entre Deus e o homem. Jesus Cristo confirma historicamente que Deus existe, que nos ama e que não desiste de viver connosco e de nos conduzir para uma vida mais livre, digna e plena.
Na proclamação aos pastores de Belém está claro o anúncio da alegria e da paz, porque Deus ama todos os seres humanos, sem exceção. Este anúncio é sincero e feito com humildade. É um anúncio que tocará o coração daqueles e daquelas que, talvez alguns sem o saberem, procuram o encontro com Deus, um Deus que conhecemos pouco, um Deus em que alguns não acreditam ou não deixaram entrar no concreto das suas vidas.
Nesta festa de harmonia e de paz, nós, cristãos, devemos ser capazes de fazer a ponte com todos os homens e mulheres de boa vontade, independentemente das suas tradições religiosas. Temos muitas diferenças, mas temos algo de precioso em comum, a fé em Deus, ser supremo do Universo e amigo da Humanidade.
A nossa fé comum constitui um elemento decisivo para que as nossas sociedades, por vezes tão desviadas da dimensão espiritual da existência, encontrem o sentido da harmonia, da fraternidade e da paz.
Por isso, o Natal é mais do que uma recordação, um aniversário que se passou em Belém, na Palestina, há mais de dois mil anos. Significa que Jesus, o Messias de Deus, quer viver no meio de nós e em nós. Se o acolhemos na nossa existência, ele faz-nos entrar na sua família que é a do próprio Deus

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Jesus nas principais religiões não cristãs


Introdução
Jesus de Nazaré é uma presença essencial na consciência cultural e espiritual da Humanidade. Independentemente das suas crenças, é difícil encontrar alguém que não escapa ao fascínio exercido, se não por sua pessoa, então pelo menos pelo lugar que ele ocupa na história e a importância que, de bom ou de mau grado, lhe é reconhecida.
Engana-se quem acredita que Jesus só é reverenciado pelos cristãos. Pelo contrário: esse ser humano extraordinário, que viveu há cerca de dois mil anos, é visto com admiração por praticamente todo os povos do planeta.Tanto a vida como a mensagem de Jesus toca profundamente a mente de cada ser humano.
Com efeito, a vida e a mensagem de Jesus corporizam a beleza imortal do mistério da pessoa humana. Com efeito, é a afirmação da esperança de que o amor triunfará sobre todos os egoísmos, a beleza terá um lugar definitivo na construção da harmonia, a ternura aproximará os homens, que descobrirão na comunhão e na paz o seu tesouro escondido.
Jesus no Judaísmo
A maioria dos judeus ainda sustenta a convicção de que Jesus não é o Messias argumentando que ele não cumpriu as profecias messiânicas nem encarna as qualificações pessoais do Messias. Outro fator de crítica é a divinização de Jesus, vista pelos judeus como uma paganização do judaísmo, onde Jesus tornou-se um deus pagão dentro da crença judaica.
Contudo, atualmenbte, já existem judeus que veem a figura de Jesus como sendo um dos profetas que pretendeu legitimamente reformar o judaísmo no século I da nossa era.
Entretanto, há um ramo do Judaísmo, o Judaísmo Messiânico, cada vez mais importante, que segue as tradições religiosas judaicas, e que também acredita na figura de Jesus como sendo o Messias esperado pela tradição profética judaica. A partir de 2009, o governo do Estado de Israel passou a reconhecer os judeus messiânicos como judeus, enquanto antes eram classificados como cristãos.
Jesus no Islamismo
No Islão, Jesus toma um papel fundamental no plano de Deus para os homens, juntamente com Abraão, Moisés e outros profetas. Ao elaborar a doutrina Islãmica, Maomé incluiu aspetos do Judaísmo, Cristianismo e Zoroastrismo, visto que Meca - cidade onde ele vivia - era um ponto comercial, o que também fazia da cidade um pólo cultural. Assim, entrando em contato com diversas ideologias, Maomé elaborou os preceitos do Islão.
Um desses preceitos diz relação aos profetas, os enviados de Deus: Maomé traçou uma linhagem profética que começava com Adão e terminava nele. A maioria dos profetas do Islão são judeus, como Moisés, Elias, João Batista e o próprio Jesus. Jesus no Islão é tido como um dos mais importantes profetas, rivalizando com Maomé. Segundo o Islão, Jesus é muçulmano. De acordo com os muçulmanos, a prova disso está nos evangelhos, quando Jesus pede que seja feita a vontade de Deus, não a dele. Uma vez renunciando a vontade humana para se submeter à vontade de Deus, a pessoa é tida como muçulmana.
Dependendo do ramo islâmico, Jesus é mais que um profeta: ele é tido como o Messias. Para o ramo xiita, Jesus não é o Messias, visto que o Messias ainda viria, como dizem os judeus. Jesus seria apenas mais um dos profetas que Deus enviou. Já para o ramo sunita, Jesus, além de profeta, é o Messias que Deus enviou, e que no fim dos tempos voltará para que ocorra o Juízo Final. Para os sufis, Jesus é reverenciado como um grande mensageiro de Deus. Os sufis chamam Jesus de "Seiydna Issa", o Senhor Jesus, uma expressão não ligada à filiação divina de Jesus, mas à autoridade que vem de seus ensinamentos, transformando-o num porta-voz de Deus.
Entretanto, os muçulmanos como um todo não acreditam na ligação divina entre Deus e Jesus, vendo no dogma da Trindade uma criação ulterior da Igreja, inspirada em tradições pagãs.
Jesus no Budismo
O budismo compara os ensinamentos de Jesus com os de Siddhartha. Sob o ponto de vista budista Jesus é um ser Iluminado, um Buda, assim como ele é tido como o Cristo (ungido por Deus) pelos cristãos. Algumas correntes budistas defendem que ele estudou com monges durante sua juventude, construindo a base para os seus futuros ensinamentos, dada a similaridade da sua mensagem com a do Budismo. Outro fato que os budistas defendem é o caráter meditativo de Jesus que, assim como Buda, se retirava frequentemente para meditar. Este ato tão simples é uma característica das religiões orientais, visto que no Judaísmo geralmente as pessoas iam para a sinagoga orar a Deus. Segundo os budistas, assim como Siddhartha, numa dessas meditações Jesus atingiu a Iluminação, tornando-se um Buda, após vencer o mal no deserto.
Existem representações de um Buda como sendo o "Bom Pastor". Como o Buda histórico não possui nenhuma ligação simbólica neste sentido, é certeza que algumas comunidades budistas cultuavam Jesus como um Buda há muito tempo. Algumas escolas budistas estudam os ensinamentos de Jesus juntamente com os de Buda, visto que a meta de ambos era promover o progresso espiritual da Humanidade.
Jesus no Jainismo
O Jainismo é uma religião que surgiu por volta do Séc. X a.C. na Índia, com Mahavira, o Conquistador. O curioso dessa religião é que a história de Mahavira se confunde com a de Buda, pois ambos foram ascetas que se libertaram das paixões do mundo. Praticamente todos os ensinamentos budistas são encontrados no Jainismo. O principal ensinamento jainista é a "não-violência", onde, segundo seus adeptos, todas as formas vivas devem ser respeitadas, pois todas têm sua origem divina. Engraçado que esta mesma "não-violência" jainista foi utilizada por Mahatma Gandhi durante a Independência da Índia, o que fez com que Gandhi seja tido como um herói jainista.No Jainismo Jesus é tido como um Jina, palavra que em sânscrito significa "vencedor" ou "conquistador". Simbolicamente é o equivalente à palavra Buda e Cristo. Por sua doutrina e modo de vida, Jesus é tido como um "conquistador", visto que o próprio diz que "venceu o mundo" (João 16:33). Sob o ponto de vista hindu, budista e jainista, esta expressão significa que Jesus se libertou das paixões do mundo. Tornou-se um "Conquistador" e um "Iluminado".
Jesus no Hinduísmo
No Hinduísmo Jesus tem uma visão mais ampla dentro da doutrina. Várias correntes hindus aceitam a figura de Jesus como sendo um Avatar, encarnação de Deus na Terra. Similar ao que acreditam os budistas, para os hindus Jesus também foi um iniciado na filosofia Védica. Para muitos hindus Jesus é uma das encarnações de Vishnu, a segunda pessoa da Trindade hinduísta. Especialmente para o movimento Hare Krishna - devido ao seu caráter ecumênico - Jesus é uma manifestação direta de Krishna (Deus), que envia um mensageiro para cada povo, a fim de que nenhuma parte do mundo fique sem a Sua mensagem. Assim, Jesus é um dos enviados de Krishna para cumprir Sua mensagem pelo mundo. Uma das provas alegadas disso é o caráter biográfico muito próximo entre Krishna e Jesus, e principalmente os ensinamentos, que muitas vezes possuem trechos idênticos. Vários aspetos e simbolismos da crença cristã, como o batismo nas águas do Jordão feito por João Batista e Jesus, segundo os hindus, é prova que tanto João quanto Jesus praticavam rituais de purificação védicos, visto que no judaísmo este tipo de ritual não existia, sendo ele característico da religião hindu, onde até hoje vários peregrinos vão se banhar nas águas do Ganges para se purificar.
Jesus na Fé Bahá’í
A Fé Bahá’í é uma religião que surgiu na Pérsia, atual Irão, em 1844. Criada pelo profeta Mírzá HusaynAli, intitulado o Bahá’u’lláh (Glória de Deus, em árabe) a Fé Bahá’í propõe que Deus é um só em todas as religiões, e Ele manda diversos mensageiros para todos os povos da Terra.
Unindo os principais preceitos monoteístas com as mensagens das diversas religiões, a Fé Bahá’í tornou-se uma religião para os tempos modernos.
Assim como o Islão, a Fé Bahá’í possui uma linhagem de profetas, entretanto, não mais se contendo à linhagem abraâmica do Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, adotando outros profetas como Krishna, Buda, Zoroastro e o próprio Bahá’u’lláh.
Entre esses profetas encontra-se Jesus, que na Fé Bahá’í é tido como um dos Manifestantes enviados à Humanidade por Deus. Devido ao caráter ecumênico, vários textos sagrados, inclusive os evangelhos, são lidos nas Casas de Oração, o Templo Bahá’í. A Fé Bahá’í não possui clero nem rituais, sendo os encontros nas Casas de Oração momentos para a leitura e reflexão dos textos sagrados.
Para os Bahá’ís apenas a união dos homens pode acabar com os conflitos no mundo, por isso a Fé Bahá’í propõe a unidade religiosa e política do mundo, para cumprir do desejo de Jesus de "que todos sejam um" (João 17:21).
Jesus no Movimento Nova Era (New Age)
O Movimento Nova Era tem suas bases no esoterismo e no gnosticism,o e propõe uma união entre a espiritualidade ocidental e oriental. Ele começou a partir dos anos 60, com a vinda das tradições orientais para o Ocidente. Teve início nos Estados Unidos de América e na Europa, ganhando mais força durante os anos 70 e 80 e se espalhando pelo mundo. Para os adeptos deste movimento, o mundo está vivendo o fim da Era de Peixes, que é a era de Jesus (o símbolo de Jesus era o peixe). Antes dessa era vieram a Era de Touro (Simbolo de Krishna), Carneiro (Símbolo de Moisés) e Balança (Símbolo de Siddhartha). Após a Era de Peixes iniciar-se-á a Era de Aquário, a chamada Nova Era.
Para o movimento, Jesus é um dos Mestres espirituais do mundo, e está dentro de uma consciência maior, a qual chamam de Brahman ou Deus. Assim, ele não é uma encarnação de Deus, mas uma emanação da consciência maior, que tem como missão levar a Luz aos homens.
Para a Nova Era, Jesus é a continuação de Krishna e de Siddhartha, visto que suas biografias, ensinamentos e a missão messiânica são compartilhados por ambos.
E mais, com o fim da Era de Peixes - e iniciando a Era de Aquário - o mundo precisará de um novo Mestre, que nesse caso será o Cristo (Buda) Maitreya, que governará o mundo nessa nova era de consciência. Assim, ao acabar a Era de Peixes, Jesus deixará de ser o Cristo, e um novo surgirá, o tão esperado Messias pelos judeus, o Iman Mahdi para os muçulmanos, o Saoshyant zoroastra, o Maitreya budista e o Kalki hindu.
Conclusão
Como vimos, Jesus é visto pelas diversas religiões sob diversas formas. Mas um ponto comum entre todas essas visões muitas vezes antagónicas é o fato da sua mensagem tornar o ser humano uma pessoa melhor. Jesus é um mistério para todos, o que faz com que existam diversas interpretações acerca de sua pessoa. Contudo, todos encontram na sua vida e na sua mensagem uma via para a felicidade, indepndentemnte de considerá-lo como um profeta, um mestre espiritual ou um Deus.

sábado, 10 de dezembro de 2011

A Carta Magna da Humanidade

No dia 10 de dezembro, celebra-se o 63.º aniversário da adoção, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
A importância deste texto para a Humanidade tem sido crescente ao longo dos anos, sendo inegável a sua influência na progressiva codificação do direito internacional no domínio da proteção dos direitos do homem e das liberdades fundamentais.
É esta uma das razões que explica a inclusão, nos principais documentos internacionais sobre os direitos humanos e nas constituições dos Estados, de referências expressas à Declaração Universal, enquanto inspiração e fonte legitimadora de tais instrumentos jurídicos.
Esta declaração, que é também um exemplo da conceção atual da universalidade da cidadania, atribui à pessoa humana um estatuto próprio que ultrapassa fronteiras na comunidade internacional.
Assim, a Declaração constitui um estatuto comum de cidadania mundial, independentemente do sexo, língua, etnia, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou social da pessoa.
A cidadania foi uma conquista progressiva, que tem atravessado o percurso histórico da Humanidade.
Em termos latos , a cidadania pode ser definida como a participação numa comunidade ou como qualidade de membro dela. De um modo geral, o conceito de cidadania diz respeito à qualidade do cidadão, isto é, do indivíduo pertencente a um Estado, no gozo dos seus direitos e sujeito a todas as obrigações inerentes a essa condição. Assim, a cidadania é o vínculo jurídico-político que, traduzindo a relação entre um indivíduo e um Estado, o constitui perante esse estado num conjunto de direitos e obrigações.
Esta temática encontra-se patente na Grécia antiga, onde a prática da cidadania teve a sua primeira expressão. Na Grécia, o cidadão era um adulto livre, pertencente a uma cidade-estado, participante ativo nas atividades públicas, detentor de direitos e deveres. De fora, ficavam as mulheres, os estrangeiros e os escravos.
Na Roma antiga, o cidadão romano gozava de privilégios, que lhe eram atribuídos por estatuto legal. Para os romanos, a cidadania significava a aceitação da sua soberania cultural e política e aqueles que aceitavam submeter-se ao regime tornavam-se cidadãos. No entanto, na sociedade romana, os homens que nasciam livres estavam separados de forma radical dos escravos. Havia também uma profunda diferença entre homens livres que eram cidadãos romanos e os homens livres que não eram.
Após o apagamento na Idade Média, a cidadania é revalorizada na transição para a modernidade após a Revolução Americana (1776) e com a Revolução Francesa (1789).
Com base na perspetiva do sociólogo britânico Thomas Marshall, um dos principais estudiosos da cidadania, pode-se apresentar a seguinte progressão histórica dos direitos de cidadania nas épocas moderna e contemporêna: no século XVIII foram-se efetivando os direitos civis, no século XIX os direitos políticos e no século XX os direitos sociais.
São identificados por Marshall os seguintes elementos da cidadania: civil, político e social.
O elemento civil da cidadania é constituído pelos direitos necessários à liberdade individual, tais como, a liberdade da pessoa, a liberdade de expressão, pensamento e religião, o direito à propriedade e o direito à justiça.
O elemento político da cidadania consiste no direito de participar no exercício do poder político. Historicamente, a expansão da cidadania política foi marcada pelo desenvolvimento gradual do sufrágio universal.
O elemento social da cidadania é constituído pelo direito ao nível de vida predominante e ao património social da sociedade. Podem ser identificados como componente de cidadania social o acesso aos benefícios de bem-estar social, como a educação, a saúde, a segurança social e a habitação.
A cidadania moderna fundamentou-se na demarcação de identidades nacionais e na afirmação de uma pertença a uma sociedade nacional (uma comunidade cívica, política e social). Atualmente, observamos uma reformulação da noção de cidadania, com a emergência de novos direitos, alguns deles exigem um enquadramento global, enquanto outros exigem enquadramentos sub-nacionais ou locais.
A globalização, que torna o Estado-Nação pequeno demais para se defrontar com os grandes problemas, e a afirmação das comunidades locais e regionais, que o tornam demasiado grande para resolver adequadamente os problemas de proximidade, estão a reformular a cidadania.
Nas sociedades atuais, a cidadania traduz, cada vez mais, o valor da qualidade de vida, do respeito por si próprio, pelos outros e pela natureza. O conceito de cidadania está doravante associado ao desenvolvimento sustentável.
Num mundo global e plural como o nosso, é da maior relevância desenvokver o potencial da cidadania, implicando que cada pessoa seja capaz de ver no outro um sujeito de direitos, contribuindo deste modo para uma Humanidade mais livre e fraterna.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Jesus como modelo ético universal, segundo Espinosa


Se a forma como Espinosa pensou Deus foi polémica, a sua cristología não foi igualmente consensual.
Espinosa era um conhecedor profundo da Bíblia, podendo ser considerado um dos fundadores da exegese bíblica, na medida em que fez uma análise histórica, filosófica e e filológica das Escrituras.
Espinosa enalteceu a figura de Jesus e designou-o como “a boca de Deus”, considerando-o o único homem a quem Deus falou diretamente. Tal facto elevou-o acima dos profetas, incluindo Moisés, conferindo-lhe um estatuto singular. Contudo, considera Jesus exclusivamente como ser humano, negando-se a aceitar a sua divindade.
Ao abordar a figura de Jesus, Espinosa tem duas finalidades. Por um lado, contribuir para a sua desmitologização, tratando-o como um ser humano e não como Deus. Por outro lado, a sua vida e atuação devem ser entendidas como um modelo ético a seguir por todos os seres humanos.
A sua conceção cristológica aceita a história. De acordó com Espiniosa, Jesus é uma personagem cuja historicidade não levanta dúvidas, considerando-o como judeu, que revolucionou a religião na qual foi educado, transformando as leis particulares da Torah numa ética universal. Ao valorizar a sua atuação mediadora e o seu papel como exemplo para a Humanidade no seu todo, Jesus é considerado como o caminho da salvação.
Espinosa preconiza que a salvação pode ser obtida mediante o cumprimento de determinadas regras morais, que estão apresentadas nas Escrituras. De acordo com a sua perspetiva, o homem comum move-se essencialmente por paixões, que geram dissensões e conflitos, daí resultando a obediência às leis da sociedade humana e às regras morais. Neste contexto, o exemplo de Jesus é fundamental, pois quem seguir o seus ensinamentos salva-se.
Espinosa reconhece na mensagem de Jesus uma ética que proporciona estabilidade e harmonia aos seres humanos.
Para Espinosa, Jesus conseguiu conciliar uma dimensão filosófica, dificilmente compreensível pelos seus contemporâneos, e um pensamento ético expresso em ternos éticos e aceitáveis pelo senso comum, sem nunca denunciar as verdades fundamentais. Segundo Espinosa, ele foi a manifestação suprema, mas humana, da Sabedoria Divina. Foi o homem sábio, que mais do que qualquer outro, que se identificou com o Espírito de Deus. Por isso, deve ser considerado como modelo para a Humanidade no seu todo, não perdendo a sua condição humana.
Apesar de utilizar a expressão “Filho de Deus”, Espinosa atribui-lhe um significado diferente do usual, identificando-o com a Sabedoria Divina que se manifesta em todas as coisas.
Recusa o dogma da Encarnação, considerando-o incompreensível. A Ressurreição é analisada por Espinosa com maior cautela, tendo em conta que as aparições de Jesus após a sua morte foram presenciadas fora do círculo dos seus discípulos. Espinosa não duvida da boa fé dos discípulos nem os acusa de embuste.
Na sua perspetiva, os acontecimentos pós-pascais, nomeadamente a Ressurreição e a Ascensão, foram manifestações da revelação divina, adaptadas a mentes humanas muito presas a explicações corporais.
Assim, defende que a Ressurreição deu-se num plano estritamente espiritual e foi revelada através dos meios ao alcance da compreensão humana dos discípulos.
Na sua reflexão sobre o cristianismo, Espinosa entende que a maioria das suas doutrinas são supérfluas e circunscreve-se ao que entende como essencial: que Deus se mantém em nós e nós nos mantemos em Deus.
Jesus é apresentado como um modelo de justiça e de caridade, chegando a afirmar: “onde as encontramos (a justiça e a caridade), está realmente Cristo; onde faltam, Cristo está ausente”.
Embora não reconhecendo a divindade de Jesus, Espinosa considera Jesus como um modelo ético exemplar e a fidelidade á sua mensagem é considerada como um critério para uma vida eticamente digna, à qual todos os seres humanos devem aspirar.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Deus e o Universo, segundo Espinosa


Baruch de Espinosa nasceu em 24 de novembro de 1632, em Amesterdão, filho de pais judeus, oriundos de Espanha, que se mudaram para Portugal e daí para a Holanda, por causa das perseguições religiosas. Educado na comunidade judaica de Amesterdão, começou por receber os ensinamentos tradicionais do judaísmo. Desde muito jovem, foi um estudante notável, que deu uma grande preferência à filosofia e à teologia. A sua crítica em relação ao judaísmo ortodoxo levou a um grave conflito com a sua comunidade religiosa de origem. Em 1656 foi expulso da sinagoga de Amesterdão, acusado de blasfémia. O ano de 1656 marcou o início de uma prolonga aventura solitária para Espinosa. Teve de abandonar Amesterdão para sempre, já que todos os judeus ficaram proibidos de lhe dirigir a palavra, incluindo os seus familiares mais próximos. Após a sua condenação, viveu em várias cidades holandesas, dedicando-se ao ofício de polidor de lentes. Apesar de Espinosa ter levado uma vida relativamente solitária, a verdade é que se correspondeu com muitos intelectuais da sua época. Quando a sua fama de grande filósofo ecoava por toda a Europa, teve oportunidade de recusar o convite para lecionar Filosofia na Universidade alemã de Heidelberg, com o argumento de não estar interessado em trocar a sua liberdade e independência de espírito pelas limitações impostas à vida de professor universitário. Quando Espinosa morreu, em 21 de fevereiro de 1677, tinha apenas 44 anos de idade. Deixou uma das mais importantes obras filosóficas de todos os tempos. As suas obras principais foram: Ética Exposta ao Modo Geométrico; Tratado Teológico-Político; Tratado da Reforma do Entendimento; Epistolário.
Espinosa apresenta a seguinte definição de Deus: “Entendo por Deus um ser absolutamente infinito, isto é, uma substância que consta de infinitos atributos, dos quais cada um exprime uma essência eterna e infinita”.
Substância, conforme Espinosa, é aquilo que existe em si mesmo e é concebido por si mesmo, ou seja, algo inteiramente independente de qualquer outra coisa, tanto no que se refere à sua existência quanto à sua essência.
Deus é uma substância. Logo, Deus é causa de si, eterno e infinito. Mas não só, falta um dado capital: Deus não é apenas uma substância, Deus é a Substância. “Afora Deus, afirma Espinosa, nenhuma substância pode ser dada nem concebida.”
Portanto, Deus define-se como a Substância única, infinita e causa de si, fora do qual nada pode existir nem subsistir. Deus, Ser em si e por si, é imanente a toda a realidade.
A conceção de Espinosa sobre Deus coloca em causa todas as religiões instituídas. Com efeito, a ideia de um Deus pessoal, criador e legislador supremo do Universo, dotado de atributos morais e transcendente ao Universo, não passa de uma ilusão antropomórfica, segundo Espinosa.
Espinosa nega a Criação e substitui-a pela manifestação da Substância Divina que se exprime em modos, nos quais não existe subordinação a um desígnio, sendo possível explicar o Universo sem recurso a causas finais.
Como nenhuma existência em si pode afirmar-se fora de Deus, tudo o que existe na Natureza surge como modificação da Substância Divina.
Contido, os seres particulares possuem uma existência particular e o modo finito, enquanto a Substância Divina tem uma realidade infinita. A distinção entre a realidade substancial e a realidade modal leva Espinosa a introduzir as noções de "natura naturans" e de "natura naturata".
A Natureza naturante é Deus como princípio de todas as coisas, enquanto a Natureza naturada é o conjunto das coisas determinadas e finitas que dimanam do poder infinito de Deus.Portanto, a substância é a natureza ativa, ou Deus, e o modo é a natureza passiva, a matéria, ou o Universo. É por isso que Espinosa afirma que as leis universais da natureza e os eternos decretos de Deus são uma e a mesma coisa.
Espinosa vai tirar da sua noção de substância uma teoria da liberdade humana que se afasta do livre arbítrio: a vontade de Deus e as leis da natureza, sendo uma e a mesma realidade, diversamente expressa, segue-se que todos os fenómenos são o efeito mecânico de leis invariáveis. A visão de Espinosa leva-o afirmar que a vontade de Deus é a soma de todas as causas e leis e que o intelecto de Deus é a soma de todos os pensamentos. É por isso que afirma que o Espírito de Deus é a mentalidade difusa no espaço e no tempo, a consciência difusa que anima o Universo.
O sistema ético preconizado por Espinosa pretende ajudar os seres humanos a dizer sim à vida e também à morte...Com a ampliação das suas perspetivas, esta filosofia pretende acalmar os nossos atormentados egos e reconciliar com as nossas limitações. Pode levar à resignação ou à passividade; mas é também a base indispensável de toda a sabedoria e força.
O panteísmo de Espinosa encerra a noção da imortalidade de uma forma muito diferente do conceito criado pelas grandes religiões monoteístas: "enquanto partes do todo somos imortais. O espírito humano não pode ser absolutamente destruído com o corpo; parte dele permanece eterna, a parte que concebe as coisas sub specie aeternitatis; quanto mais concebemos desse modo as coisas, mais eterno é o nosso pensamento". Mas distingue eternidade de perpetuidade. A eternidade não pode confundir-se com duração. Tão-pouco, a memória individual pode sobreviver à morte do corpo, porque o espírito só pode lembrar-se quando está no corpo. Também não acredita em recompensas após a morte. Aquele que, em vida, serve a Deus, obtém a recompensa enquanto vive, na serenidade e tranquilidade que andam associadas à felicidade, pois a bem-aventurança não é a recompensa da virtude mas a virtude em si. A imortalidade do pensamento justifica-se porque a verdade é uma criação permanente, constituindo uma aquisição eterna do homem.

domingo, 20 de novembro de 2011

"O Ùltimo Segredo": uma abordagem crítica


O livro “O Último Segredo”, de José Rodrigues dos Santos, é uma obra cujo conteúdo está longe de ser consensual.
Quanto à discussão sobre a sua qualidade literária, deixo a apreciação à crítica especializada e aos leitores.
Mas como este romance tem a pretensão de desvendar a verdadeira identidade de Jesus, é da maior relevância esclarecer alguns aspetos de caráter histórico e teológico.
Jesus é uma presença fundamental na consciência coletiva do Ocidente e da Humanidade em geral. Cristãos e não cristãos, crentes e descrentes, não conseguem permanecer indiferentes ao fascínio exercido, se não pela sua pessoa ou pela sua mensagem, então pelo menos pelo lugar que ele ocupa na percurso histórico da Humanidade.
Com base dos conhecimentos históricos disponíveis e fundamentados (Jesus é a personalidade mais estudada da História), podemos afirmar que ele foi um profeta judeu, particularmente carismático, que impulsionou um forte movimento messiânico, um homem considerado perigoso para a ordem religiosa, social e política estabelecida, condenado pela alta hierarquia sacerdotal de Jerusalém e pelo governador romano Pôncio Pilatos, que ordenou a sua execução através da crucificação. Contido, após a sua morte, o seu movimento messiânico não apenas se manteve, como consolidou-se, com base na proclamação de que Jesus tinha ressuscitado e glorificado por Deus como o Messias anunciado pelos profetas do Antigo Testamento.
A respeito do Jesus histórico, vale a pena lembrar as palavras de Flávio Josefo, o principal historiador judeu do século I da nossa era.
Na sua obra “Antiguidades Judaicas”, Flávio Josefo refere-se a Jesus nos seguintes termos: “Nesse tempo havia um homem sábio chamado Jesus. O seu modo de vida era louvável e ele tornou-se célebre pela sua virtude; e muitos, dos judeus e de gentios, tornaram-se seus discípulos. Pilatos condenou-o à crucificação e à morte; porém, aqueles que se haviam tornado seus discípulos não renegaram o que tinham aprendido. Eles contavam que eles lhes tinha aparecido no terceiro dia depois da sua crucificação e que estava vivo. Em conformidade com isso, ele seria o Messias anunciado pelos profetas ”.
Flávio Josefo não reconhece Jesus como o Messias, apenas dizendo que assim o consideravam os seus discípulos e não apresenta a ressurreição como um facto, mas como um relato dos discípulos de Jesus.
Contudo, esse trecho de Flávio Josefo demonstra a historicidade de Jesus e a sua importância e do seu movimento de discípulos na sociedade judaica do século I da nossa era
Contrariamente ao que insinua José Rodrigues dos Santos, os pilares da essência do Cristianismo não são abalados.
Assim, não perturba nada a fé na santidade de Maria a questão da sua virgindade física. O Credo não é um tratado de biologia. Do mesmo modo, não agride a fé cristã que Jesus tenha tido ou não irmãos e irmãs ou que tenha sido casado ou não.
O que a teologia contemporânea diz sobre a Santíssima Trindade é que a unidade de Pai, Filho e Espírito Santo é uma unidade de revelação: "Deus mesmo manifesta-se através de Jesus Cristo no Espírito", escreveu várias vezes Hans Küng, um dos mais pensadores mais brilhantes e lúcidos do Cristianismo contemporâneo. No Novo Testamento, Jesus é confessado pelos crentes como o Cristo, isto é, Messias e Filho de Deus. Ele é a revelação definitiva do Deus único que foi revelado a Abraão, a Moisés e aos demais profetas do Povo de Israel.
Quanto à ressurreição, ela não deve ser interpretada como a reanimação de um cadáver. Pelo contrário, a ressurreição de Jesus foi uma passagem para uma outra dimensão, uma passagem para a realidade última e absoluta que é Deus e que, enquanto Criador, difere da criação. Por outro lado, a ressurreição não é meramente um fenómeno existencial ou comunitário, de que Jesus subsiste na fé da comunidade, mas sim um fenómeno real e objetivo. Deus agiu em prol de Jesus, de modo que ele se encontra vivo e glorificado como Messias.
No que diz respeito ao conteúdo da Bíblia e á possibilidade de existência de contradições e de alterações, a questão não se coloca apenas com a Bíblia, mas genericamente com toda a literatura antiga: não tendo sido conservados os manuscritos que saíram das mãos dos autores torna-se necessário partir da avaliação das diversas cópias e versões posteriores para reconstruir aquilo que se crê estar mais próximo do texto original. Este problema coloca-se igualmente para as obras primas da filosofia e da literatura da Antiguidade Clássica.
Há uma ciência que se chama Crítica Textual que avalia a fiabilidade dos manuscritos e estabelece os critérios objetivos que nos devem levar a preferir uma variante a outra. A Crítica Textual cria igualmente as chamadas “edições críticas”, isto é, a apresentação do texto reconstruído, mas com a indicação de todas as variantes existentes e a justificação para se ter escolhido uma em lugar de outra. O grau de fiabilidade em relação às escolhas é diversificado e as próprias dúvidas vêm também assinaladas.
Atualmente, existem excelentes edições críticas da Bíblia, elaboradas de forma rigorosíssima do ponto de vista científico, e é sobre essas edições que o trabalho da investigação bíblica se constrói.
Aí está, pois, um livro polémico, que tem a vantagem de exigir uma maior reflexão sobre Jesus, mas que ignora, contributos históricos e teológicos da maior relevância para o conhecimento da sua vida e da sua mensagem.

Tiago, O Justo: o herói esquecido do Cristianismo



Outubro de 2010. Terminou um julgamento muito especial no Tribunal Distrital de Jerusalém. Durou cinco anos, com 116 sessões, 133 testemunhas e mais de 12 mil páginas de depoimentos. No tribunal, estiveram peritos científicos de diversas áreas, nomeadamente especialistas em testes de carbono-14 (que datam objetos históricos), em história bíblica, paleografia, geologia, biologia e microscopia.
O caso exigia todos os cuidados, uma vez que no banco dos réus estava algo muito invulgar: uma caixa de pedra calcária, destinada a guardar os ossos de um corpo, com 50 centímetros de comprimento e 25 quilos.
Os ossários foram muito utilizados em Jerusalém nos séculos I A.C. e I D.C., mas um pormenor tornava este objeto especial. No ossário, existia a seguinte inscrição em aramaico: Ya’akov bar Yosef achui d’Yeshua. Em português: “Tiago, filho de José, irmão de Jesus.”
A ideia de que aquela caixa podia conter os restos mortais de um irmão de Jesus agitou o mundo. Se fosse verdadeira, seria a primeira prova arqueológica da existência de Jesus. Além disso, provaria que Jesus teria uma família numerosa, com vários irmãos. Nos Evangelhos do Novo Testamento, não faltam referências aos irmãos de Jesus e até chega a enunciar-se o número dos mesmos. De acordo com os evangelistas Marcos, Mateus e Lucas, os irmãos chamavam-se Tiago, José, Simão e Judas e existiam pelo menos duas irmãs, cujos nomes não são mencionados. Segundo a tradição cristã primitiva, as irmãs chamavam-se Maria e Salomé.
Contudo, no presente artigo, vamos focar a nossa atenção em Tiago. Fazendo uma análise rigorosa do Novo Testamento, textos apócrifos, textos dos Padres da Igreja (a designação dada aos principais pensadores e mestres do Cristianismo até ao século VII) e dos primeiros historiadores do Cristianismo, pode-se deduzir que Tiago, muitas vezes referido com o cognome de O Justo, desempenhou um papel de liderança nas primeiras décadas após a morte e a ressurreição de Jesus.
Após algumas reservas iniciais em relação à missão do seu irmão, aliás profetizada nos Livro dos Salmos, um dos livros do Antigo Testamento, Tiago acabou por reconhecer Jesus como o Messias prometido por Deus ao povo de Israel e á Humanidade em geral.
Aquando do Pentecostes, os Atos dos Apóstolos referem claramente que tanto Maria, mãe de Jesus, como os seus irmãos faziam parte da comunidade júdeo-cristã primitiva de Jerusalém.
No Concílio de Jerusalém, que decorreu no ano 50 da nossa era, Tiago desempenhou um papel de primeiro plano na abertura da nova fé aos gentios, os não judeus. De acordo com o Concílio, que foi provavelmente presidido por Tiago, os cristãos gentios, oriundos do paganismo, foram dispensados da observação das leis rituais judaicas, mas para os cristãos de origem judaica manteve-se a observação estrita da Lei.
Foi Tiago quem propôs a resolução final: “Sou da opinião de que não se deve importunar os pagãos convertidos a Deus”. E propôs as regras que eles tinham de seguir: absterem-se de oferecerem comida aos ídolos, de comer animais que tivessem sido estrangulados, de comer sangue e evitarem relações sexuais imorais.
Segundo a perspetiva de Tiago, judeo-cristãos e cristãos de origem gentia deveriam conviver numa mesma comunidade eclesial, e os júdeo-cristãos podiam permanecer na sinagoga de onde provinham, na esperança da conversão de Israel no seu todo a Jesus como Messias de Deus.
Tiago, simultaneamente observador estrito da Lei e conciliador, pessoalmente irrepreensível, era o verdadeiro líder da Igreja de Jerusalém, cuja primazia era reconhecida por todas as comunidades cristãs primitivas que então surgiram em todo o Mediterrâneo Oriental e em Roma, a capital imperial.
Segundo Flávio Josefo, o principal historiador judeu do século I da nossa era, Tiago foi condenado entre a morte do governador romano Festo e a tomada de posse do novo governador, Albino.Isto passou-se provavelmente no ano 62, e o sumo sacerdote Anás II acusou-o de “violação da Lei”, condenando-o á morte por apedrejamento.
Flávio Josefo relata ainda que o ato de Anás II foi amplamente considerado como um assassinato judicial e teria ofendido muitos dos "que eram consideradas as pessoas mais justas da cidade, e estritas na observância da Lei", que apelaram à intervenção do governador romano Albano. Como resultado, o rei Herodes Agripa II, no qual o imperador romano tinha delegado a supervisão do Templo de Jerusalém, demitiu Anás II das suas funções.
A condenação à morte de Tiago por Anás II não foi por acaso. Anás II era o quinto filho do sumo sacerdote Anás e cunhado do sumo sacerdote Caifás, que tinham sido, juntamente com o governador romano Pòncio Pilatos, os principais responsáveis pela morte de Jesus.
A família de Anás, que dominava a élite sacerdotal judaica, e a família de Jesus eram como a água e o azeite. A família de Anás temia a popularidade do movimento fundado por Jesus e os efeitos desestabilizadores que a sua mensagem do Reino de Deus baseado no amor e na justiça poderia ter na esfera dos poderes político e religioso.
A morte de Tiago teve consequências fatais para as relações da jovem comunidade cristã com o judaísmo oficial, levando simultaneamente à exclusão dos cristãos da sinagoga judaica e à desvalorização progressiva da tradição judaica no âmbito do Cristianismo.
Nos tempos conturbados em que vivemos, a revalorização da vida e da obra de Tiago, irmão de Jesus, pode ser o elo perdido entre as três grandes religiões monoteístas (Judaismo, Cristianismo e Islamismo), contribuindo para desenvolver um verdadeiro diálogo inter-religioso que promova a paz e o progresso espirituial da Humanidade.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

População, recursos e desenvolvimento sustentável


O aumento da população humana é frequentemente referido como um dos principais problemas atuais da Humanidade.
Com efeito, a população humana está a crescer a um ritmo exponencial e a consequente exploração dos recursos naturais gera sérios problemas, como o aumento do efeito de estufa, a redução da camada de ozono, a redução da qualidade do ar, a limitação dos recursos hídricos, e o declínio da biodiversidade.
As preocupações ambientais não podem estar dissociadas da evolução da população humana do planeta.
A via mais adequada para controlar o crescimento da população e as suas consequências ambientais é a promoção do desenvolvimento sustentável aos mais diversos níveis: local, regional, nacional e global.
O desenvolvimento sustentável pode ser definido como o desenvolvimento adequado para satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades. Significa possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, alcancem um nível satisfatório de desenvolvimento social e económico e de realização humana e cultural, fazendo, ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos do planeta e preservando as espécies e os habitats naturais.
O percurso para o desenvolvimento sustentável assenta em três dimensões:
- A sustentabilidade ambiental consiste na manutenção das funções e componentes do ecossistema, de modo sustentável, podendo igualmente designar-se como a capacidade que o ambiente natural tem de manter as condições de vida para as pessoas e para os outros seres vivos, tendo em conta a biodiversidade e a sua função como fonte de energias renováveis.
- A sustentabilidade económica, enquadrada no âmbito do desenvolvimento sustentável é um conjunto de medidas e politicas que visam a incorporação de preocupações e conceitos ambientais e sociais. Aos conceitos tradicionais de economia, são adicionados como fatores a ter em conta, os parâmetros ambientais e sociais, criando assim uma interligação entre os dimensão económica, ambiental e social. Assim, a evolução da economia não é somente medida na sua vertente financeira, mas igualmente na vertente ambiental e social, o que potencia uma gestão mais correta das matérias-primas e dos recursos humanos. Há ainda a incorporação da gestão mais eficiente dos recursos naturais, de forma a garantir uma exploração sustentável dos mesmos.
- A sustentabilidade sócio-politica centra-se na prossecução de uma sociedade coesa e equitativa. É um veículo de humanização da economia, e, ao mesmo tempo, pretende desenvolver o tecido social nos seus componentes humanos e culturais.
A energia é uma das questões essenciais na abordagem do desenvolvimento sustentável. Os países desenvolvidos e os países emergentes utilizam maioritariamente energia oriunda dos combustíveis fosseis, nomeadamente o carvão, o petróleo e o gás natural. No entanto, este modelo energético não é sustentável. Os recursos energéticos acima mencionados são ilimitados, dado que as previsões atualmente disponíveis fazem presumir um esgotamento dos recursos que é da ordem dos 40 anos para o petróleo, dos 70 anos para o gás natural e dos 200 anos para o carvão, dos três o mais poluente. Além da limitação dos recursos, demvem ser colocadas as consequências ambientais da sua utilização intensa.
O problema das alterações climáticas resulta em grande parte da emissão de dióxido de carbono, resultante da queima de combustíveis fósseis e pode ter como resultado o aumento da temperatura média do planeta entre 1,3 e 5,8 graus Celsius até ao final do presente século.
Este aumento de temperatura terá implicações ao nível das águas do mar, que pode colocar em perigo vários milhões de pessoas, um degelo acentuado e um agravamento dos fenómenos atmosféricos extremos, afetando os ecossistemas do nosso planeta.
Um modelo de desenvolvimento mais sustentável passa pela exploração de novas fronteiras nas áreas energéticas, promovendo o forte potencial das energias renováveis: energia hídrica, energia eólica, energia geotérmica, energia das marés e das ondas.
Um modelo de desenvolvimento mais sustentável passa também pelo território, por promover novas formas de urbanismo e novos modos de mobilidade, mais eficientes em termos de energia e com menor impacto ambiental, bem como por uma atitude inteligente de proteção e valorização dos recursos naturais e do património cultural.
Por fim ,a contribuição para o desenvolvimento sustentável pode ser efetuado da nossa atuação como cidadãos mais esclarecidos e atentos, optando por produtos ecologicamente mais adequados, como por exemplo os produtos alimentares oriundos da alimentação sustentável.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

O Sermão da Montanha: o manifesto de Jesus


"A mensagem de Jesus, tal como como eu a compreendo, está contida no Sermão da Montanha. O espírito do Sermão da Montanha rivaliza no domínio do meu coração, usando de armas aproximadamente iguais, com a Bagavaguitá (livro sagrado por excelência do hinduísmo). Foi este Sermão da Montanha que me fez amar Jesus”.
Quem pronunciou estas palavras não foi nenhum cristão, mas sim Mahatma Gandhi, uma das personalidades mais marcantes da história do século XX, hindu de confissão, mas um profundo admirador de Jesus e da sua mensagem.
Ao longo dos séculos, o Sermão da Montanha não tem cessado de interpelar cristãos e não cristãos.
Com efeito, o Sermão da Montanha é o principal discurso de Jesus que pode ser lido nos Evangelhos de Mateus e de Lucas, que se inspiraram no fonte Q, a coleção primordial das afirmações de Jesus.
No Sermão da Montanha, Jesus profere lições de conduta e moral, ditando os princípios que orientam a verdadeira vida que conduz a Humanidade ao Reino de Deus e que põe em prática a vontade de Deus, que leva à verdadeira libertação da pessoa humana.
Este discurso pode ser considerado por isso como um resumo dos ensinamentos de Jesus a respeito do Reino de Deus, do acesso ao Reino e da transformação que esse Reino produz.
Além de importantes princípios ético-morais, pode-se notar grandes revelações, pois aquilo que muitas vezes é tido por ruim, desagradável ou inconveniente, diante de Deus é o que realmente vai levar à verdadeira felicidade. Esta passagem forma um paradoxo, contrariando as ideias muitas vezes vigentes nas sociedades humanas e mais uma vez mostrando que "Deus não vê como o homem vê, o homem vê a aparência, mas Deus sonda o coração", conforme refere o 1.º Livro de Samuel, um dos livros do Antigo Testamento.
No Sermão da Montanha, os evangelistas apresentam Jesus como o novo Moisés, daí o discurso ser proferido numa montanha, pois Moisés tinha recebido os Dez Mandamentos no monte Sinai.
Mas, Jesus não veio para abolir a Lei ou os Profetas, mas sim completá-los na sua íntegra. De facto, houve quem visse no Sermão da Montanha, de forma abusiva, a “Lei de Cristo”, em substituição da Torah, a Lei judaica revelada por Deus a Moisés e aos demais profetas do Antigo Testamento.
Longe de ser uma pessoa contrária à Torah, Jesus enraizou os seus ensinamentos naqueles que tinham enquadrado a vivência do povo de Israel durante séculos. A sua missão não era revogar ou anular a Torah, mas promover a sua plenitude.
De facto, Jesus valoriza e reinterpreta, a Lei revelada por Deus na sua íntegra, particularmente os Dez Mandamentos, tendo por objetivo levá-los à perfeição. Jesus diz mesmo: “Não julgueis que vim abolir a Lei ou os Profetas. Não vim para os abolir, mas sim para levá-los à perfeição. Pois em verdade vos digo: passará o céu e a terra, antes que desapareça um traço da lei. Aquele que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e ensinar assim aos homens, será declarado o menor no Reino dos Céus. Mas aquele que os guardar e os ensinar será declarado grande no Reino dos Céus”.
As Bem-Aventuranças são o anúncio da verdadeira felicidade, porque proclamam a verdadeira e plena libertação, e não o conformismo ou a alienação. Elas anunciam a vinda do Reino de Deus através da palavra e ação de Jesus, que tornam a justiça divina presente no mundo. A verdadeira justiça para aqueles que são inúteis, pobres ou incómodos para uma estrutura de sociedade baseada na riqueza que explora e no poder que oprime.
As Bem-Aventuranças revelam também o caráter das pessoas que pertencem ao Reino de Deus, exortando as pessoas a seguir este caráter exemplar. Jesus, através das metáforas de Sal e de Luz, revela a enorme responsabilidade do testemunho e da ação dos discípulos, que é sobretudo preservar e proteger a Humanidade contra as influências malignas da corrupção e da maldade (a função do Sal) e ajudar a Humanidade a conhecer, através da sua fé e do seu bom exemplo iluminadores, o caminho da salvação (a função da Luz).
No fim desta reinterpretação da Lei de Deus feita por Jesus, ele apela aos homens para, se eles quiserem ser os verdadeiros filhos de Deus, amar não só o seu próximo, mas também os seus inimigos, fazendo bem aos que os odeiam e orando pelos que os maltratam e perseguem, tal como Deus, que faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos.
Jesus exorta todos os seres humanos, com esta prática de amor incondicional e supremo, serem perfeitos, tal como Deus, que é também perfeito.
A seguir à reinterpretação da Lei de Deus, Jesus critica a ostentação na prática de 3 obras fundamentais do Judaísmo, que são a esmola, o jejum e a oração. Ele não pretende condenar a observância fiel e honesta destas obras boas e o bom exemplo que estas ações produzem, mas somente o desejo vão de ostentar em frente de outras pessoas.
Durante o seu discurso, Jesus ensinou aos homens a mais célebre oração de todos os tempos: o Pai-Nosso.
Jesus afirma também que se perdoarmos uns aos outros as nossas ofensas, o nosso Pai celeste também vos perdoará. Mas se não perdoarmos, o nosso Pai não nos perdoará.
Também sobre a oração, ele exorta por fim aos seus discípulos que deviam sempre ter confiança na oração e particularmente em Deus, porque Ele dará boas coisas aos que lhe pedirem durante a oração.
Jesus, condenando o materialismo, exorta os seus discípulos para não se preocuparem demasiado com os seus bens e as suas necessidades materiais, mas sim, preocupar-se mais e em primeiro lugar em guardar tesouros no céu, para preparar o acesso ao Reino de Deus. Sobre a riqueza, Jesus alerta os seus discípulos para o facto de ser impossível servir ao mesmo tempo a Deus e à riqueza. E, relativamente às necessidades materiais dos homens e às suas preocupações quotidianas, Jesus apela para a confiança na providência divina, afirmando que “vosso Pai celeste sabe que necessitais de tudo isso e que o dia de amanhã terá as suas preocupações próprias. A cada dia basta o seu cuidado”.
Jesus alerta para as dificuldades que os seus discípulos, que pretendem ser os verdadeiros filhos de Deus, irão encontrar no caminho estreito e apertado que conduz à vida eterna e ao Reino de Deus (o chamado caminho da vida).
No Sermão da Montanha, Jesus proclama a Regra de Ouro da ética universal, ao dizer: “Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles. Esta é a Lei e os Profetas”. Ao pronunciar estas palavras, Jesus reconhece e valoriza a ética da reciprocidade, que se encontra presente nas grandes religiões e culturas da Humanidade.
Concluindo o Sermão da Montanha, Jesus apela, por fim, aos seus discípulos para, depois de escutar as suas palavras e ensinamentos, pô-los verdadeiramente em prática, para serem semelhantes a um homem prudente que edificou sua casa sobre a rocha. A rocha assemelha-se à Palavra de Deus, que serve como fundamento e sustenta todas as pessoas que a colocam na prática, protegendo-as e ajudando-as a ultrapassar todos os obstáculos e dificuldades que elas poderão encontrar ao longo da sua existência.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O crescimento do cristianismo primitivo: uma breve abordagem


Em apenas três séculos, o Cristianismo passou de um movimento religioso minoritário surgido na Palestina, um território localizado na periferia do Império Romano, para a categoria da religião oficial desse mesmo Império, sem a imposição da lei e das armas.
Nos últimos anos, tem sido efectuada uma intensa investigação nos domínios da História, das Ciências Sociais e da Teologia, contribuindo para um conhecimento mais fundamentado do processo de crescimento do Cristianismo primitivo.
Tal como noutros domínios da actividade humana, na vida da Igreja, um conhecimento cada vez mais aprofundado e fundamentado do passado pode ser uma via sólida para compreender o presente e preparar o futuro. Deste modo, é da maior relevância destacar as causas deste processo histórico verdadeiramente extraordinário.
O Cristianismo primitivo foi um movimento religioso socialmente transversal, que abrangeu os diversos estratos sociais, com a sua diversidade de interesses, costumes e modos de vivência. A heterogeneidade social do Cristianismo primitivo e o seu êxito em unir interesses sociais potencialmente divergentes foi uma característica singular, comparativamente a outros movimentos religiosos da época.
O segundo factor digno de menção é o carácter profusamente solidário das comunidades cristãs, numa sociedade caracterizadas por fortes injustiças e desigualdades, entre as quais a escravatura. Para além de apresentarem uma mensagem de salvação espiritualmente poderosa, as comunidades cristãs praticavam o amor ao próximo com maior intensidade que outros grupos, cuidando das pessoas mais vulneráveis, como as crianças, os idosos e as viúvas. Numa época histórica marcada por epidemias, que dizimaram a população do Império Romano e das regiões vizinhas, constatou-se um claro contraste entre a maioria da população, que fugia dos doentes, e os cristãos, que se dedicavam a cuidar não só dos seus enfermos, mas de toda a comunidade. Por isso, são abundantes os testemunhos de pessoas cuja primeira atracção ao Cristianismo se deveu à obra de solidariedade dos crentes, ainda que com o risco de suas próprias vidas.
O terceiro factor, que merece destaque, foi o papel dos cristãos de origem judaica. A maioria esmagadora dos judeus residia fora da Palestina, estando dispersa pelas diversas províncias do Império Romano e por territórios situados fora do Império, como a Mesopotâmia (actual Iraque), a Pérsia (actual Irão) e a Península Arábica. Existem evidências de que uma grande parte dos judeus da Diáspora contribuiu para as adesões ao Cristianismo não apenas nos séculos I e II, mas também até por volta do século V, aproveitando para o efeito as redes sociais existentes entre as diversas comunidades judaicas.
Por fim, o quarto factor relevante na expansão do Cristianismo primitivo foi o papel das mulheres. Existem fortes indícios de que as mulheres aderiram fortemente ao Cristianismo e contribuíram claramente para a sua difusão, o que se deve ao facto da mensagem cristã valorizar a dignidade da mulher, o que contrastava com os valores fortemente discriminatórios e patriarcais, então vigentes, tanto na sociedade judaica como na sociedade greco-romana.
A propor uma ética baseada na valorização da dignidade da pessoa humana, o Cristianismo não apenas abalou as estruturas do Império, mas marcou para sempre a História da Humanidade.

domingo, 6 de novembro de 2011

Os novos rumos do mapa mundial


A escolha da Rússia e do Qatar para a organização dos Campeonatos Mundiais de Futebol de 2018 e 2022, respetivamente, constitui uma decisão estratégica que extravasa a dimensão desportiva.
Constitui um verdadeiro sinal dos tempos. O mapa mundial centrado no Atlântico é cada vez mais uma ideia do passado.
As novas potências emergentes estão a promover uma progressiva deslocação do poder político e económico para o Oriente.
Nos últimos cinco séculos, houve duas grandes mudanças na distribuição de poder que reformularam a vida internacional, nas dimensões política, económica e cultural.
A primeira foi a ascensão da Europa, um processo que começou no século XV e acelerou-se imensamente no final do século XVIII. Ela produziu a modernidade, tal como a conhecemos: a ciência e a tecnologia, a democracia liberal, o capitalismo, as revoluções agrícola e industrial. Produziu também o prolongado domínio político das nações europeias a nível planetário.
A segunda mudança, que aconteceu nos últimos anos do século XIX e nos primeiros anos do século XX, foi a ascensão dos Estados Unidos da América. Na sequência de um processo marcado por uma forte industrialização e pela consolidação da democracia pluralista como regime político, os Estados Unidos tornaram-se uma nação mais poderosa e mais forte do que qualquer combinação provável de outras nações. Durante a maior parte do último século, os Estados Unidos da América dominaram a economia, a política, a ciência e a cultura mundiais. Nas últimas duas décadas, após o colapso da União Soviética, esse domínio foi sem rival, um fenômeno inédito na história moderna, fazendo lembrar o poderio do Império Romano nos primeiros séculos da nossa era
Atualmente, estamos a viver o surgimento de uma nova realidade geopolítica e geoeconómica, marcada pela ascensão de paises não ocidentais, nomeadamente dos quatro BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China).
Ao longo das últimas décadas, os países não ocidentais de todo o mundo têm tido taxas de crescimento econômico que eram outrora impensáveis.
No princípio do século XIX, o atual Ocidente representava 28% da economia mundial. Em 1913, um ano antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial, chegou aos 57%. Em 2005, o mundo não ocidental, pela primeira vez nos últimos duzentos anos, voltou a representar mais de 50% da economia do nosso planeta.
Esse crescimento tem sido mais visível na Ásia, mas não está mais restrito a ela. Por isso, chamar essa mudança de “ascensão da Ásia” não a descreve corretamente.
Olhemos em volta. O edifício mais alto do mundo está agora em Taipei e será superado, em breve, por um em construção em Dubai. O homem mais rico do mundo é mexicano. O maior avião do mundo está sendo fabricado na Rússia e na Ucrânia, a maior refinaria está em construção na Índia, e as maiores fábricas estão todas na China. O Brasil é uma potência económica e política a nível global. Simbolos outrora essencialmente americanos foram apropriados por estrangeiros. A maior roda-gigante está em Singapura. O maior casino não está em Las Vegas, mas em Macau, que se tornou na capital mundial do jogo. A maior indústria cinematográfica, em termos de filmes produzidos e ingressos vendidos, é Bollywood, na Índia.
Pela primeira vez em cinco séculos, estamos a testemunhar uma deslocação da centralidade do poder político e económico do Atlântico para o Oriente. Mas isto não significa o declínio inevitável do Atlântico. O papel do Atlântico dependerá crucialmente da capacidade de inovação da Europa e da sua capacidade para promover uma aliança estreita com os Estados Unidos da América, num mundo cada vez mais globalizado.

O bebé sete mil milhões e o futuro do nosso planeta


No dia 31 de outubro, segundo a Organização das Nações Unidas, nasceu o bebé sete mil milhões.
A Organização das Nações Unidas escolheu simbolicamente uma criança filipina, Danica May Camacho, nascida com 2,5 quilogramas pouco depois da meia-noite em Manila, como o bebé sete mil milhões. ~
A menina, cujo nome significa “estrela da manhã”, contará com uma bolsa que visa assegurar o seu acesso à educação e os pais vão receber ajuda financeira para poderem abrir um estabelecimento comercial.
Se 2011 for o ano certo para este novo marco, a população mundial então terá aumentado mil milhões de habitantes em apenas 12 anos. Os primeiros mil milhões assinalaram-se em 1804 e os demais saltos deram-se em 1927 (123 anos depois), 1960 (33 anos) e 1974 (14 anos), 1987 (13 anos) e 1999 (12 anos).
Após a explosão demográfica do século XX, o ritmo de crescimento está a abrandar. Mesmo assim, a população mundial deverá chegar aos oito mil milhões, dentro de 13 anos, em 2024, a 9,3 mil milhões em 2050 e aos 10 mil milhões em 2100, segundo as projeções da ONU.
O crescimento populacional ocorrerá quase exclusivamente no mundo em desenvolvimento. Com efeito, os países ocidentais, nomeadamente dos países europeus, estão a envelhecer e têm um crescimento populacional reduzido, enquanto os que ainda estão por desenvolver permanecem jovens e a crescer, nomeadamente os países onde as mulheres ainda têm muitos filhos – 39 países em África, nove na Ásia, seis na Oceânia e quatro na América Latina.
A China poderá deixar de ser o país mais populoso do mundo, em meados do atual século. Em 2050, a Índia irá ultrapassar a China, tornando-se o país mais populoso do mundo, com 1.748 milhões de habitantes. Quanto à China, enfrentará a médio prazo o problema do envelhecimento. Atualmente, ainda tem a maior fatia de população ativa do mundo (74,5%), o que tem sido um fator decisivo para o seu extraordinário crescimento económico das últimas décadas. Mas esse período está a acabar, por causa da política de filho único seguida desde a década de 1970.
A China, atualmente em primeiro lugar, com 1.338 milhões de cidadãos, descerá para o segundo, com 1.437 milhões. E os Estados Unidos da América conservarão a terceira posição, passando de 310 para 423 milhões de habitantes.
Quanto ao grande rival da Índia, o Paquistão, sobe do sexto para o quarto lugar, tornando-se o país muçulmano mais populoso, com 335 milhões, e trocando de posição com a Indonésia, que se deverá ficar pelos 309 milhões.
Já o Brasil, com uns previstos 215 milhões, cede o quinto lugar no pódio à Nigéria, que deverá chegar aos 326 milhões, e é relegado para a oitava posição, atrás do Bangladesh, para o qual se admitem 222 milhões.
A Rússia deixa de constar da lista dos dez países mais populosos do mundo, pois a sua população deverá decrescer dos atuais 142 milhões para 140,8 em meados de 2025 e 126,7 em 2050. E o mesmo acontece com o Japão, que de 127 milhões desce para uns meros 95 milhões.Os lugares de russos e japoneses, respetivamente o nono e o décimo, passam para países africanos, respetivamente a Etiópia e a República Democrática do Congo.
O enorme crescimento da população mundial desde o século XVIII, quando começou a Revolução Industrial, é uma das causas mais significativas para a mudança radical da relação entre a Humanidade e o sistema ecológico do nosso planeta.
O impacto do crescimento populacional seria significativamente menor, se o consumo médio de recursos naturais fosse menor, se as tecnologias utlizadas para a exploração dos recursos atrás mencionados fossem substituídas por tecnologias melhores e ecologicamente mais eficientes e se promovesse um modelo de desenvolvimento económico que tivesse mais em conta a coesão social e a sustentabilidade ambiental.

sábado, 5 de novembro de 2011

Apresentação do blog "Praça das Ideias"

Se ao longo dos tempos não se tivesse dado a génese e a evolução de novas ideias, o mundo e a Humanidade, tal como os conhecemos hoje, não existiriam.
As grandes transformações que marcaram o percurso da Humanidade, nos domínios social, político, económico, cultural, científico e religioso, deram-se porque houve uma pessoa ou grupo de pessoas teve uma ideia nova ou ressuscitou uma já existente.
As ideias moldam as nossas ações, os nossos comportamentos, as nossas vidas. Sem a livre expressão de ideias, o mundo em que vivemos seria completamente diferente. Seria um lugar mais sombrio e obscuro. Um lugar sem esperança no fuiuro.