domingo, 30 de dezembro de 2012

Rússia: o País das duas revoluções


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O ano que está a terminar marca o 95.º aniversário de um dos processo de transformação social e histórica mais significativos do século XX e da História da Humanidade em geral: a Revolução Russa.
Escrevi “Revolução Russa”, mas será mais correto falar de Revoluções Russas. Com efeito, houve duas revoluções russas: a revolução de fevereiro e a revolução de outubro.
No início de 1917, a Rússia, um dos principais países beligerantes na Primeira Guerra Mundial, era um verdadeiro vulcão em vias de explosão.
No domínio social, caraterizava-se por uma sociedade em que a nobreza e a Igreja Ortodoxa constituíam dois grupos sociais claramente privilegiados, que detinham a grande maioria das propriedades, num país de dimensões continentais em que cerca de 80% da população era constituída por camponeses que viviam em condições miseráveis e de verdadeira servidão, apesar de esta ter sido formalmente abolida pelo czar Alexandre II em 1861. O operariado industrial, que representava 2% da população vivenciava igualmente duras condições de vida. A burguesia russa não era muito numerosa e forte, o que contribuía para uma sociedade cada vez mais polarizada e desigual. 
No domínio económico, predominava uma agricultura arcaica, tecnicamente atrasada e de baixo rendimento. A industrialização, intensificada no último quartel do século XIX, concentrava-se num reduzido número de cidades e empresas de grande dimensões, muitas delas dominadas por capitais estrangeiros. 
Politicamente, vigorava o regime de monarquia absoluta e autocrática. O czar Nicolau II, que reinava desde 1881, assenta o seu poder numa corte corrupta e ostensiva, nas forças armadas e policiais e numa Igreja Ortodoxa alheia a todas as tentativas de renovação teológica, eclesial e espiritual. 
Etnicamente, a Rússia czarista era uma prisão de povos. As numerosas nacionalidades não russas da Império achavam-se completamente privadas de direitos, submetidas continuamente a todo o género de ultrajes e humilhações. O regime czarista tinha ensinado a população russa a ver as nacionalidades não russas como etnias inferiores, às quais se dava o qualificativo oficial de gente "de outras raças", e inha inculcado o desprezo e o ódio em relação a elas. O regime alimentava conscientemente as discórdias nacionais, instigava uns povos contra os outros, organizava perseguições de judeus e massacres entre tártaros e arménios no Cáucaso.
Na sequência da derrota da Rússia na guerra com o Japão (1903-1905), as diversas forças políticas de oposição ao absolutismo czarista tentaram uma revolução, em 1905. Apesar da revolução ter sido violentamente reprimida, o czar Nicolau II, relutantemente,  lançou o famoso Manifesto de outubro, que permitiu a criação de uma Duma (Parlamento) nacional e a existência de partidos políticos. Estas medidas surtiram escasso efeito, visto que os partidos eram sistematicamente vigiados e a Duma era controlada pela aristocracia e pelo czar, cujos poderes continuaram bastante amplos, fazendo dele o último monarca absoluto da Europa. Em 1914, a Rússia entrou em guerra como aliada da Entente contra as Potências Centrais (Alemanha, Império Austro-Hungáro e Império Otomano). A guerra agravou as dificuldades da população do vasto Império Russo em geral, agravando as suas precárias condições de vida. No plano militar, a Rússia foi derrotada pela Alemanha e pelos seus aliados com certa facilidade.
Em 23 de fevereiro de 1917, pelo calendário juliano, que se refere ao dia 8 de março no calendário gregoriano, uma série de reuniões e manifestações aconteceram em Petrogrado, por ocasião do Dia Internacional da Mulher. Nos dias que se seguiram, a agitação continuou a aumentar, recebendo a adesão das tropas encarregadas de manter a ordem pública, que se recusavam a atacar os manifestantes.
No dia 27 de fevereiro, uma multidão de soldados e trabalhadores com trapos vermelhos em suas roupas invadiu o Palácio Tauride, onde a Duma se reunia. Durante a tarde, formaram-se dois comités provisórios em salões diferentes do palácio. Um, formado por deputados moderados da Duma, que se tornaria o Governo Provisório. O outro era o Soviete de Petrogrado, formado por trabalhadores, soldados e militantes socialistas de várias correntes. Temendo uma repetição dos incidentes sangrentos de 1905, o grão-duque Mikhail ordenou que as tropas leais baseadas no Palácio de inverno não se opusessem à insurreição e se retirassem. Em 2 de março, cercado por amotinados, Nicolau II assinou sua abdicação.
Em face desta situação, a Duma proclamou a República, pondo fim à Monarquia imperial. Formou-se o Governo Provisório presidido pelo príncipe Georgy Lvov, um liberal, tendo o socialista Aleksandr Kerenski como um dos seus ministros mais proeminentes.  
Era um governo interessado em manter a participação russa na Primeira Guerra Mundial e que pretendia fazer instaurar Rússia um regime político democrático e federal.
O Governo Provisório não conseguiu debelar a crise interna e ainda insiste na continuação da guerra contra a Alemanha, em 4 de maio, um novo governo Provisório é formado, agora por mencheviques e socialistas-revolucionários, sendo presidido por Aleexandr Kerenski. 
A crise social e as derrotas na guerra contra a Alemanha provocam diversas sublevações, como as Jornadas de julho, que tiveram a participação dos marinheiros de Kronstadt. As insubordinações são controladas, porém é grande a pressão da população, é justamente depois desses incidentes, que Kerensky surge como principal dirigente do Governo Provisório e os socialistas reformistas chegam a obter maioria. 
Nessa conjuntura, o derrube do Governo Provisório já estava certamente desenhado, Lenine, líder do Partido Bolchevique, com a ajuda secreta da Alemanha, entrou clandestinamente na Rússia, criando as condições para a organização de uma insurreição armada que tem seu ponto culminante no dia 25 de outubro de 1917, que marcou a Revolução Vermelha.
Nessa ação, merece destaque a constituição de um Comitê Militar Revolucionário sob a liderança de Trotsky formado por quarenta e oito bolcheviques, quatro anarquistas e quatorze socialistas revolucionários de esquerda, sendo responsável pela ação que toma o Palácio de inverno em Petrogrado, sede de Kerensky e do seu governo. Kerensky fugiu da Rússia. Os bolcheviques, largamente maioritários no Congresso Panrusso dos Sovietes, tomam o poder em 7 de novembro de 1917. É criado um Conselho dos Comissários do Povo, presidido por Lênine. Trotsky assume o Ministério dos Negócios Estrangeiros e Estaline o das Nacionalidades. . 
Com o  fim da Revolução Branca, que vislumbrava uma Rússia democrática, verificou-se o surgimento do primeiro regime comunista do mundo, que assumiu rapidamente um caráter totalitário, escravizando e exterminando milhões de pessoas sistematicamente durante várias décadas, até ao derradeiro colapso, em 1991. E esta mesma ditadura por fim, dividiu o mundo, originando a Guerra Fria.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Contemplar Deus para além do masculino e do feminino

Eye of God


Quando se fala de Deus, geralmente a sua imagem está ligada à dimensão masculina. Mas esta imagem não tem fundamento sólido na História de revelação divina.
Com efeito, no primeiro livro da Bíblia, o, Génesis, é mencionado claramente que Deus criou a Humanidade e a criou homem e mulher; e criou ambos como sua imagem e semelhança (Gn 1, 27).
Portanto, somente enquanto masculino e feminino, a Humanidade representa Deus no planeta Terra. Deus está muito para além do género.
Nas últimas décadas, muitos cristãos deram conta de que a linguagem religiosa estava demasiado presa dentro da dimensão masculina.
Baseados na verdade fundamental da fé de que cada pessoa humana é imagem e semelhança de Deus, muitos crentes questionaram se não devemos superar a linguagem sexista (usando só os termos de um sexo, no caso, do masculino) e chegar a utilizar um discurso que aproveita tanto os valores de um sexo quanto de outro para expressar a riqueza infinita do Mistério Divino.
Efectivamente, um crescente número de crentes evitam de falar só de homem para expressar a humanidade e aprendem a dizer sempre homem e mulher, ou simplesmente o ser humano, ou a pessoa humana.
De forma semelhante, evitam de falar de Deus apenas como Pai; introduzindo também a palavra Mãe. Em 1978, o Papa João Paulo I, cujo pontificado durou somente 33 dias, fez um dia a seguinte proclamação numa audiência pública:"Deus é Pai, mas é principalmente Mãe". Esta proclamação provocou um profundo incómodo nos setores mais conservadores da Igreja Católica.
No Antigo Testamento, os profetas usavam expressões que simbolizavam Deus como a Mãe que eleva as pessoas até o colo, beija-as e enxuga-lhes as lágrimas. Ao dizer que Deus é misericordioso, para a mentalidade judaica significa dizer: Deus é como uma mãe que possui entranhas e se compadece de seus filhos e filhas como toda mãe se comove de seus filhos e de suas filhas.
Em Jesus, encontramos a integração perfeita do feminino e do masculino. Em primeiro lugar do masculino, pois Jesus não foi mulher, mas homem. Mas como todo o ser humano, ele incluía dentro de sua realidade também a dimensão feminina que ele expressou de uma forma admirável e verdadeiramente revolucionária para o seu tempo. Todo o dinamismo de Jesus, a sua coragem em enfrentar as oposições e a forma como encarou a própria morte, revelam a dimensão masculina dele, presente também na mulher, mas de forma distinta. A faceta feminina de Jesus expressa-se em aspectos essenciais como a ternura da existência humana, o cuidado, a misericórdia, a sensibilidade ao mistério da vida, particularmente para com os mais vulneráveis e excluídos e a interioridade na oração,
Os relatos dos Evangelhos apresentam-nos que Jesus como alguém que havia integrado a "anima" (dimensão feminina) dentro do seu "animus"(dimensão masculina). Primeiramente elabora uma relação profundamente humana e terna para com as mulheres que passam pelo seu caminho, várias das quais são suas discípulas (Lc. 10,38-42). Ele considera as mulheres como iguais em dignidade aos homens, uma ideia então verdadeiramente revolucionária.
Sempre toma a defesa da mulher desamparada como a adúltera, a mulher sirio-fenícia que suplica ajuda, a samaritana, a mulher corcunda e a que sofria de hemorragia.
Com atitudes bem femininas se verga sobre os pobres que encontra pelos caminhos; enche-se de compaixão face ao povo abandonado (Mc. 6,34), não esconde as lágrimas quando sabe do amigo Lázaro que morrera (Jo. 11,35). De forma muito feminina diz que quis juntar os filhos de Jerusalém como uma galinha reúne os pintainhos sob suas asas e eles não quiseram (Lc. 13,34).
Uma visão nova de Deus e de Jesus como seu enviado por excelência não pode deixar de ter repercussões na organização e na vivência das Igrejas, as quais devem ser cada vez mais comunidades inclusivas, nas quais mulheres e homens formem um discipulado de iguais, e contribuam no desenvolvimento de sociedades mais inclusivas, justas e solidárias.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Não há paz sem diálogo


As sociedades contemporâneas têm como uma das suas principais características a diversidade étnica, cultural e religiosa, que as migrações a nível global têm acentuado.
Esta dinâmica provoca uma interação intensa e constante entre perspetivas diferentes, por vezes complementares, mas, outras vezes, conflituantes.
Nos últimos anos, particularmente após os trágicos acontecimentos de 11 de setembro de 2001, tem-se agravado o risco do “choque de civilizações”, radicado na incapacidade de gerir esta diversidade, nomeadamente na recusa do diálogo e do respeito mútuo entre religiões.
A rutura do diálogo provoca feridas profundas na Humanidade. Todas as religiões falam de amor, compaixão e fraternidade, e cada religião, se vivida na sua plenitude genuína, deve levar a ações de paz.
Mas, nos cenários da contemporaneidade, encontramos indivíduos ou grupos que promovem conflitos em nome de um Deus dobrado ao seu desejo de poder e de domínio. Quando uma religião se torna uma ideologia, quando usa palavras e métodos ideológicos, então ela está perdida, torna-se destrutiva.
Independentemente da nossas convicções religiosas, temos responsabilidade de estabelecer uma boa comunicação com todos e oferecer o testemunho de uma vida coerente com a fé.
A nossa missão consiste em ser homens e mulheres de comunhão e de diálogo. Uma ótima forma de diálogo é a solidariedade espiritual: trazer à presença de Deus os irmãos e irmãs de outras convicções religiosas, com suas preocupações, angústias, aspirações e esperanças. A certeza que nos encoraja é a constatação de que é muito mais “aquilo que nos une do que o que nos divide”, e que temos muitas palavras em comum com cada ser humano, filho ou filha de Deus que é Pai de todas as suas criaturas.
Neste contexto, a Aldeia das Religiões é um projeto que merece o maior dos elogios. Dinamizado entre os dias 25 a 28 de outubro, este projeto foi uma excelente oportunidade para envolver os jovens (de todas as idades) a nível nacional e europeu em torno do diálogo entre as religiões, contribuindo a promoção dos valores da paz, da fraternidade e do enriquecimento mútuo.


segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Viver o Evangelho com Amor

As sociedades ocidentais e a sociedade portuguesa em particular vivem uma conjuntura particularmente difícil, que afeta a generalidade dos seus membros e particularmente aqueles, que são cada vez, que se encontram numa situação sócio-económica mais vulnerável.
A presente crise deve ser uma oportunidade privilegiada de discernimento critico sobre as suas causas e as soluções necessárias para a sua superação.
Para além das suas dimensões económica e social, a atual crise não deixa de ser cultural e de valores.
Por isso mesmo, para além da indispensável atuação dos poderes públicos e das organizações da sociedade civil, a superação da atual crise requer uma mudança de consciência a nível individual e coletivo.
Todos os homens e mulheres que vivem neste planeta possuem uma dignidade essencial e direitos fundamentais, mas têm igualmente uma responsabilidade inegável pelo que fazem ou deixam de fazer. Todas as nossas decisões e atos, assim como as nossas omissões, têm consequências.
Os cristãos têm uma responsabilidade especial em manter viva essa responsabilidade, aprofundá-la e transmiti-la às gerações atuais e futuras.
As alegrias e as tristezas, as esperanças e as angústias dos seres humanos de hoje, sobretudo de todos aqueles que sofrem com as diversas formas de exclusão e de violência, devem ser também
as alegrias e as tristezas, as esperanças e as angústias dos discípulos de Jesus Cristo, e não existe nenhuma realidade verdadeiramente humana que não deva encontrar eco no seu ser.
Os cristãos devem procurar cumprir fielmente os seus deveres terrenos, guiados pelo espírito do Evangelho. Erram os que, sabendo que não temos aqui na Terra uma realidade permanente, pensam que podem por isso descuidar os seus deveres terrenos, sem terem em conta que a própria fé os obriga a cumprir com maior intensidade, segundo a vocação própria de cada um. Mas não menos erram os que, pelo contrário, consideram poder entregar-se às ocupações terrenas, como se estas fossem inteiramente alheias à vida religiosa, a qual pensam consistir somente no cumprimento dos atos de culto e de certos deveres morais. Esta separação entre a fé que se professa e o comportamento quotidiano deve ser considerado como um dos mais graves erros do nosso tempo.
Os cristãos têm a responsabilidade de cultivar uma espiritualidade orientada para o mundo contemporâneo, que contribua para a sua regeneração como homens e mulheres novos, inseridos na sociedade, santos e santificadores, seguindo o exemplo de Jesus Cristo.
A espiritualidade acima mencionada edifica o mundo segundo o Espírito de Deus; torna capaz de olhar para além da História, sem dela se afastar; de cultivar um amor apaixonado por Deus, sem tirar o olhar dos irmãos e de os amar como Ele os ama. É uma espiritualidade que confere unidade, sentido e esperança à existência, tantas vezes contraditória e fragmentada. Animados por tal espiritualidade, os cristãos podem contribuir, à maneira do fermento, para a santificação do mundo, através do cumprimento do próprio dever, guiados pelo espírito evangélico, e a manifestarem Jesus Cristo e a sua mensagem aos outros com o testemunho da sua própria vida.
Na vivência existencial do cristão, não pode haver duas vidas separadas: por um lado, a vida chamada “espiritual”, com os seus valores e exigências; e, por outro, a chamada vida “secular”, ou seja, a vida da família, do trabalho, das relações sociais, da cultura e da participação cívica e política.
Os cristãos, em estreita colaboração com todos os homens e mulheres de boa vontade, têm a responsabilidade de contribuir para uma sociedade na qual a dignidade da pessoa humana seja verdadeiramente promovida e valorizada.
Para tornar a sociedade mais digna da pessoa humana, é necessário revalorizar o amor fraterno na vida social - nos planos político, económico, cultural e ecológico - fazendo dele a norma suprema da nossa ação.
Se a justiça é, em si mesma, apta para uma partilha mais justa e equitativa dos direitos e dos deveres entre os seres humanos, somente o amor é capaz de libertar o ser humano na sua plenitude. Não se pode regular as relações humanas unicamente com a medida da justiça. Esta, em toda a diversidade das relações humanas, deve submeter-se, à primazia do amor, que é paciente e benigno, conforme proclama São Paulo no seu célebre hino ao amor, inserido na sua primeira carta à comunidade cristã da cidade grega de Corinto.
O amor deve ser o sinal distintivo dos cristãos. Jesus ensina-nos que a lei fundamental da perfeição humana e, portanto, da transformação do mundo, é o mandamento novo do amor, conforme está explicitado no Evangelho. O comportamento da pessoa só é plenamente humano quando nasce do amor, manifesta o amor, e é ordenado ao amor.
Esta verdade é igualmente válida no âmbito social. O amor deve estar presente em todas as grandes dimensões da vida social, como a economia, o trabalho, a política e a ecologia, entre outras.
Mais do que nunca, é necessário que os cristãos sejam testemunhas profundamente convictas do amor de Deus pela Humanidade, contribuindo para a construção de um mundo mais livre e mais fraterno.
 


quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O Concílio Vaticano II: 50 anos depois



No presente ano, celebra-se o 50.º aniversário da abertura do Concílio Vaticano II, um dos acontecimentos mais significativos do Cristianismo nos últimos dois séculos.
O Concílio Vaticano II, como ficou conhecido o XXI Concílio Ecumênico da Igreja Católica, foi convocado no dia 25 de dezembro de 1961, através da bula "Humanae salutis", pelo papa João XXIII, que o inaugurou no dia 11 de outubro de 1962. O Concílio só terminou no dia 8 de dezembro de 1965, no papado de Paulo VI.
O grande desejo de João XXIII era de que o Concílio Vaticano II fosse um segundo Pentecostes para a Igreja, O Vaticano II foi uma autêntica irrupção do Espírito de Deus sobre a Igreja, um acontecimento salvífico. Com efeito, existe “antes” e um “depois” do Vaticano II.
O contexto histórico do pós-segunda Guerra Mundial, nomeadamente as profundas transformações sócio-económicas das sociedades ocidentais, a presença crescente do Terceiro Mundo, dinamizada em grande parte pelo fim dos impérios coloniais europeus, o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e as mudanças nos domínios da cultura e dos costumes, bem como o contexto teológico-pastoral – emergência das teologias da história e transcendental, desenvolvimento dos movimentos litúrgico e bíblico, retorno às fontes patrísticas, aparecimento da Ação Católica – não deixaram de pesar na decisão histórica do papa João XXIII.
Sendo um profundo conhecedor da situação da Igreja Católica, João XXIII era um ser humano genuinamente preocupado com o relacionamento da Igreja com a Humanidade.
Neste âmbito, o Concílio debruçou-se sobre a melhor maneira da Igreja Católica renovar as suas estruturas internas e de servir o mundo, bem como para a promoção de uma nova forma de relacionamento com as demais confissões cristãos e as outras religiões, contribuindo deste modo para uma consciencialização mais profunda da unidade do género humano.
A relevância do Concílio deve ser valorizada na receção que lhe foi dada pelas comunidades cristãs, católicas e não católicas, e por outros setores da sociedade em todo o mundo As implicações dessa receção foram o desenvolvimento das conferências episcopais e dos sínodos, a valorização das Igrejas locais, a promoção do papel dos leigos, o surgimento das teologias contextuais — libertação latino-americana, negra africana, negra sul-africana, negra norte-americana, asiática, indígena — e o florescimento de novas correntes teológicas que buscam responder aos desafios atuais da humanidade, como a teologia feminista e a teologia ecológica.
Passado meio século, ainda não se concretizou plenamente a esperança de  uma Igreja em comunhão com a Humanidade, promotora da unidade, servidora do Reino de Deus.
A Humanidade dos nossos dias não pergunta à Igreja pela estrutura mais exata e bela da liturgia, nem por um regime mais ou menos ideal da cúria romana, nem tão pouco pelas divergências teológicas que distinguem os cristãos das diversas confissões. Interpela se a Igreja pode testemunhar a proximidade orientadora do mistério inefável que chamamos Deus.
Por conseguinte, a Igreja Católica e as demais Igrejas cristãs precisam de concentrar-se no essencial, ou seja, voltar a Jesus e ao Evangelho, promovendo uma evangelização que leve a uma experiência espiritual de Deus. É tempo de espiritualidade e de mística. E também de profecia em relação ao mundo dos pobres e dos excluídos, que são a grande maioria da Humanidade, e em relação ao planeta Terra, cujo equilíbrio ecológico está gravemente ameaçado. Mística e profecia são fundamentais nos nossos dias. Os cristãos tem a responsabilidade de gerar esperança e sentido a um mundo dilacerado pela guerra, pela pobreza e pela exploração desordenada de recursos essenciais para a vida das gerações atuais e futuras. É preciso ir ao essencial. E não nos devemos deixar enganar, não cair na velha tentação de tocar violino enquanto o Titanic afunda-se…
Nesse tempo de crise e de incerteza, os cristãos devem afirmar que, no meio do caos, está presente a Ruah, o Espírito de Deus que pairava sobre o caos inicial para gerar a vida, o mesmo Espírito que inspirou Jesus e o ressuscitou de entre os mortos.
Da crise da atualidade, pode surgir um tempo de graça, uma Igreja renovada, mais universal e evangélica, que promova a comunhão com os crentes das demais religiões e todos os seres humanos de boa vontade, tendo como finalidade fazer da Terra um planeta no qual todas as pessoas não sejam atormentadas pela guerra, pela fome e pelo medo, e possam viver de uma forma livre e digna.


sábado, 21 de julho de 2012

Rio+20: repensar o nosso futuro comum


A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, mais conhecida como Rio+20, decorreu entre os dias 13 e 22 de junho de 2012 na cidade brasileira do Rio de Janeiro, cuja finalidade era consolidar o compromisso político global em prol do desenvolvimento sustentável .
Tratou-se de mais uma das cimeiras das Nações Unidas sobre os as questões globais cada vez prementes do ambiente e do desenvolvimento. A primeira teve lugar em Estocolmo, em 1972. Depois no Rio de Janeiro, em 1992. Em Joanesburgo, em 2002. E agora, como indicou o título, de regresso ao Rio de Janeiro.
Da primeira Cimeira do Rio em 1992, última, resultaram a chamada "Agenda 21" e as "Convenções das Alterações Climáticas, da Biodiversidade e de Combate à Desertificação". Todas estas iniciativas foram um prelúdio para diversos desenvolvimentos significativos, que daí surgiram, nomeadamente o Protocolo de Quioto. Em 2002, decorreu em Joanesburgo a Cimeira da Terra embora com resultados mais modestos.
Concluída a Cimeira Rio+20, ficou um sentimento geral de deceção com os resultados obtidos, nomeadamente com o documento aprovado pelos Estados participantes, intitulado “O Futuro que Queremos”.
As organizações não governamentais não deixaram de manifestar a sua posição crítica relativamente ao resultado atingido, que se limita a uma declaração não vinculativa, sem que tenham sido assumidos compromissos ambiciosos ou definidas ações práticas. Só por si este documento não irá desenvolver as transformações económicas, sociais, políticas e ambientais necessárias para a promoção do desenvolvimento sustentável, cabendo a cada um de nós, cidadãos do planeta Terra, uma atuação sustentável com rumo ao futuro que queremos.
O insucesso da Cimeira Rio+20 pode ter diversas leituras. Neste texto, proponho uma leitura que procura relacionar a crise global do ambiente com a crise dos grandes conceitos estratégicos da civilização moderna, nomeadamente o conceito de progresso.
Infelizmente, esquecemos com demasiada frequência que muitas das grandes ruínas existentes nos desertos e nas florestas do nosso planeta são monumentos às armadilhas de um desenvolvimento ecológica e humanamente insustentável, as lápides funerárias de civilizações que caíram vítimas do seu próprio sucesso. No destino destas sociedades, outrora prósperas, sofisticadas e brilhantes, encontramos ensinamentos valiosos para a nossa contemporaneidade.
O desenvolvimento acelerado da população mundial, da economia e da tecnologia durante os séculos XIX e XX e a primeira década do século XXI colocaram sobre o nosso planeta um fardo que pode ser perigoso para o futuro da Humanidade. 
Atualmente, estamos em via de promover alterações climáticas profundas e irreversíveis. A biodiversidade é cada vez mais limitada, o que enfraquece a capacidade de suporte para a nossa própria existência duradoura e sustentável, como civilização humana. O aumento da riqueza não foi acompanhado pela correção das injustiças sociais. Antes pelo contrário. Nunca como no nosso tempo existiu um tão grande desigualdade entre pobres e ricos, mesmo dentro das sociedades mais desenvolvidas, o que fragiliza a solidez da democracia, uma das grandes conquistas civilizacionais da Humanidade.
Atualmente, o nosso conhecimento da história planetária, extraordinariamente ampliado nas últimas décadas, dá-nos uma imagem frágil do nosso posicionamento no Cosmos. As investigações realizadas demostram a existência de ciclos climáticos dominados pelo predomínio de diversas idades glaciares, alternados por períodos mais amenos de duração muito mais breve.
Existem alguns autores chegam mesmo a sugerir que a Humanidade, tal como a conhecemos hoje, aproveitou  uma breve janela de oportunidade associada ao último período interglaciar. Tratar-se-ia de um “longo verão”, que permitiu em poucos milénios promover o nascimento da agricultura e as sucessivas revoluções tecnológicas e culturais, que conduziram às presentes estruturas das sociedades contemporâneas.
Perante esta situação, temos a responsabilidade ética de fazer do nosso pequeno planeta Terra um mundo cujas criaturas não sejam atormentadas pela guerra, torturadas pela pobreza e e pelo medo, divididas pela absurda separação de etnias, de cores e de ideologias.
Devemos ter a coragem e a lucidez de promovermos esta missão, a fim de que nos filhos e os filhos de nossos filhos possam orgulhar-se da sua condição de seres humanos.
Para reflexão, junto um documento de uma organização cristã mundial, a Cáritas Internacional, sobre o desenvolvimento sustentável do nosso planeta.


O FUTURO NA PERSPETIVA DA CARITAS:
TODOS COM FOME DE JUSTIÇA, EQUIDADE, SUSTENTABILIDADE ECOLÓGICA E CORRESPONSABILIDADE!


O mundo atravessa há alguns anos uma crise sem precedentes com resultados dramáticos: maior desigualdade, exclusão, violência, a exacerbação dos conflitos, migração forçada, o empobrecimento um número crescente de pessoas e o escândalo de 1000 milhões de pessoas passarem fome.
A Cáritas Internacional, confederação mundial de 164 organizações católicas de solidariedade, reafirma a seu conceito de desenvolvimento humano integral solidário, entendido como um conceito abrangente que tem em conta a interdependência da família humana e o seu bem-estar nas suas diferentes dimensões: económica, social, política, cultural, ecológica e espiritual.
Exigimos uma mudança de paradigma, uma nova civilização que coloque a dignidade e bem-estar de homens e mulheres no centro de toda ação. Os compromissos assumidos na Cimeira do Rio + 20 devem contribuir para validar esta perspetiva.
“Sem verdade, sem confiança e amor pelo que é verdadeiro, não há consciência e responsabilidade social, e a atividade social acaba à mercê de interesses privados e lógicas de poder, com efeitos desagregadores na sociedade, sobretudo numa sociedade em vias de globalização que atravessa momentos difíceis como os atuais.” (CiV 5).
No caminho para esta mudança, no qual esperamos que a Cimeira Rio+20 seja um marco, existem cinco elementos/dimensões que são fundamentais:
1) UM FUTURO SEM FOME
Apelamos aos líderes para que tornem a luta contra a fome uma prioridade e garantam o direito à alimentação. A alimentação é a base para desenvolver as nossas capacidades e talentos. Se, como está expresso no documento zero, 1/6 da população mundial é subnutrida (75% deles são pequenos agricultores), então estes não podem contribuir plenamente para o bem-estar das suas comunidades e das suas famílias. Desperdiçar recursos importantes essenciais para a saúde do nosso planeta.
2) UM FUTURO COM VISÃO
Apelamos aos líderes para que mantenham a visão dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) e os seus compromissos na sua implementação. Os ODM representam um roteiro para o desenvolvimento sustentável e para um mundo mais justo. É essencial que, dentro de um novo quadro, estes objetivos incluam não só os compromissos assumidos pelos países desenvolvidos como também a promoção de um modelo de desenvolvimento a favor do bem-estar de toda a humanidade, do primado da justiça, da equidade, da sustentabilidade ecológica e responsabilidade.
3) UM FUTURO NO QUAL CUIDAMOS DA NOSSA CASA: A CRIAÇÃO
Apelamos à capacidade transformadora de todos os seres humanos para que utilizem com o máximo cuidado a Criação e que incentivem ativamente projetos, ideias e ações de conservação do meio-ambiente. Os ambientes da nossa vida, sejam rurais ou urbanos, devem permitir uma vida digna e saudável e devem ser ecologicamente sustentáveis. A exploração dos recursos naturais instalou-se, domina e expande-se. O ambiente como “recurso” ameaça o ambiente como 'casa'.
4) UM FUTURO COM UMA NOVA ECONOMIA VERDE
A Cáritas apoia a ideia de uma economia verde desde que assente nos princípios éticos da equidade e da solidariedade. Apelamos a que a construção de uma visão da "economia verde" não substituía ou deixe de fora as propostas do conceito de "desenvolvimento humano, integral e sustentável", construídas durante décadas.
Existe uma verdadeira preocupação, por parte das organizações, que o novo conceito de "economia verde" seja centrado num modelo de mercado e que venha fortalecer os princípios neoliberais de crescimento e que tenha como consequência a gestão privada do mercado da sustentabilidade, o aumento dos preços, uma privatização inimaginável de bens comuns (água, oceanos, florestas) e planos de ajustamento estrutural ambientais.
5) UM FUTURO COM UM NOVO CONTRATO SOCIAL
Propomos um modelo económico que tenha presente a democracia participativa e que promova a dignidade humana, o desenvolvimento humano sustentável e a distribuição de riqueza. Apelamos a todas as pessoas de boa vontade para que contribuam para uma cultura de respeito e diálogo e que fomente o acesso aos direitos e à justiça. È necessário definir um novo contrato social que tenha em conta a nossa interdependência e que nos impele a agir como cidadãos com responsabilidade pelo bem comum. Somos todos consumidores dos produtos da criação e, como indivíduos responsáveis, temos a possibilidade de escolher formas de vida que promovem o desenvolvimento, que respeitam o ambiente e que contribuem para reduzir os efeitos negativos nas populações mais pobres.

domingo, 1 de julho de 2012

A doutrina da Trindade explicada ao Homem do século XXI





Existem três maneiras de analisar racionalmente a doutrina da Trindade. as correntes ortodoxa, latina e moderna.
A teologia ortodoxa oriental parte da unidade da natureza do Pai. O Pai é fonte e origem de toda a divindade. Ele profere a Palavra, que é o Filho. Ao proferir a Palavra lhe sai simultaneamente o Sopro, que é o Espírito Santo. Os três recebem do Pai toda a natureza divina, por isso são consubstanciais.
A teologia latina, partilhada pela Igreja Católica Romana, pela Comunhão Anglicana e pelas principais Igrejas Protestantes partem da natureza divina, que é espiritual. O Espírito absoluto sem princípio e origem de tudo é o Pai. O Pai se conhece por sua Inteligência e gera o Filho. Pai e Filho se amam e juntos expiram o Espírito Santo. A mesma natureza se encontra nos três, por isso há um só Deus.
A teologia moderna parte das três Pessoas Juntas. Realça o facto de que as três estão sempre inter-relacionadas e em eterna comunhão (pericórese) .Esta relação é tão absoluta que os divinos Três se unificam sem se fundirem, sendo então um único Deus vivo.
Quando falamos do Pai, do Filho e do Espírito Santo, como três divinas Pessoas, a maioria dos cristãos entende a palavra pessoa no sentido corrente: um indivíduo que possui inteligência, vontade, sentimentos e pode dizer eu.  Em Deus haveria três inteligências, três vontades, três consciências. Se dissermos somente isto, sem acrescentarmos que os Três
estão sempre relacionados, cairemos fatalmente no erro do triteísmo. Com isso queremos dizer que, na verdade, teríamos três deuses distintos.
Como resultado desta dificuldade da compreensão da doutrina da Trindade pelo pensamento moderno, houve dois teólogos, um protestante, Karl Barth, e outro católico, Karl Rahner, que tentaram substituir a palavra pessoa na linguagem trinitária. Ela criaria mais dificuldades do que ajudaria os cristãos de hoje para entender o mistério da comunhão divina.  
Quando falamos de Deus simplesmente, fora da referência trinitária, diziam eles, podemos falar de pessoa. Caso contrário, pensaríamos que Deus significaria uma força cósmica impessoal. Deus seria então a Pessoa absoluta ou o Sujeito eterno.
Mas com referência à Santíssima Trindade sugeriam que se evitasse a palavra pessoa. No lugar dela, Karl Barth propõe que falássemos em três modos de ser. Trindade significaria, portanto, que a Pessoa eterna (Deus) realmente existe em três modos de ser, como Pai sem origem, como Filho sempre gerado do Pai e como Espírito Santo eternamente vindo do Pai e do Filho conjuntamente.
Karl Rahner aceitou esta mesma ideia, inserindo uma pequena modificação. Em vez de falar em três modos de ser, falou em três modos de subsistência. Esta modificação tenciona evitar o erro do modalismo. Segundo esta doutrina errónea, desenvolvida nos primeiros séculos do cristianismo, no fundo não se aceita a Santíssima Trindade, mas um só Deus se revelando em três maneiras distintas; seria somente para nós três; em si mesmo, Deus seria e continuaria sempre um. Karl Rahner diz que Deus é um mistério de comunhão. Está sempre saindo de si e se entregando em vida e amor É a autocomunicação
como mistério radical. Então: enquanto a autocomunicação, no próprio acto de se entregar permanece soberana e incompreensível, um princípio sem princípio se chama Pai; enquanto
esta autocomunicação se exprime e se faz compreensível e por isso é Verdade, se chama Filho; enquanto esta autocomunicação acolhe em Amor e cria União se chama o Espírito Santo. Este processo não é compreendido somente por nós, mas revela Deus assim como é em si mesmo; evitamos o modalismo e estamos diante do mistério da comunhão que sempre
se realiza em três modalidades reais e nos insere dentro do mesmo processo fazendo que, como pessoas, sejamos mais e mais capazes de doação e de amor.
Embora no Novo Testamento não existe uma doutrina elaborada da Trindade, tal que foi proclamada nos Concílios Ecuménicos, nomeadamente no Concílio de Niceia (325) e de Constantinopla (381), existem fórmulas triádicas, Para nos ajudar a compreender a relação
do Pai, do Filho e do Espírito, a luz do Novo Testamento, não existe melhor texto do que
o testemunho de defesa de Santo Estevão perante o Sinédio judaico, relatado por Lucas nos Actos dos Apóstolos:
Durante o seu discurso, Estevão tem uma visão: “Mas este, cheio do Espírito Santo e de olhos fixos no Céu, viu a glória de Deus e Jesus de pé, à direita de Deus” (Act. 7, 55).
Estevão não vê Deus em três seres, nem um símbolo triangular, muitas vezes
associado à Trindade na arte cristã ocidental:
A visão de Estevão consiste no seguinte:
- O Espírito Santo está ao lado de Estevão, está nele próprio. O Espírito Santo é a força e o poder visíveis provenientes de Deus, inspirando Estevão.
- O próprio Deus fica escondido, somente a sua glória e o seu poder é que são manifestos.
_ Jesus está à direita de Deus, isto é, partilha o tono divino com o mesmo poder e glória. Como Filho de Deus ressuscitado e acolhido na vida eterna de Deus, é simultaneamente representante de Deus junto da Humanidade e representante da Humanidade junto de Deus.
Portanto, bom base na reflexão de Hans Küng e de outros pensadores cristãos, aos nossos contemporâneos, podemos apresentar ao doutrina da Trindade da seguinte forma:
- Crer em Deus Pai significa crer no Deus único que criou o Universo e ama todas as suas criaturas, nomeadamente a Humanidade;
- Crer em Deus Filho significa crer na revelação do Deus único na figura histórica de Jesus de Nazaré, que é a Palavra, Imagem e Filho de Deus;
- Crer em Deus Espírito Santo significa crer na presença poderosa e santificadora de Deus e na sua acção sobre os seres humanos e o Universo em geral.
Em suma, a Trindade, numa explicação adequada à nossa contemporaneidade, deve ser compreendida como a forma infinitamente amorosa como Deus agiu e se revelou através de Jesus através da dádiva do Espírito Santo, de modo a promover a salvação universal e integral da Humanidade.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

O Ocidente o o resto do mundo


22 de agosto de 1415. Um exército português, comandando pelo rei D. João I, conquistou a cidade norte-africana de Ceuta, um acontecimento que veio marcar o início da expansão ocidental.
Contudo, no início do século XV, o predomínio do Ocidente no contexto mundial era tudo menos provável.
Com efeito, a Europa Ocidental estava devastada pelas terríveis consequências da Peste Negra, que dizimou dois terços da população, e das diversas guerras, tanto entre Estados como no interior dos mesmos.
A América do Norte era um vasto território desorganizado e pouco hospitaleiro, comparando com o esplendor das civilizações dos Astecas, no atual México, e dos Incas, que dominavam toda a área territorial entre os Andes e o Pacífico.
A China era a civilização mais poderosa do mundo. A Cidade Proibida estava a ser construída. O imperador Ming, Yong-Le, enviou o seu arrojado almirante Zheng He com uma vasta armada de navios e de 27.000 homens, explorar as costas da Ásia e da África Oriental.
O Império Otomano alargava os seus territórios nos Balcãs e conquistou a cidade de Constantinopla, em 1453, pondo fim ao Império Romano do Oriente, cujo declínio já se arrastava desde há séculos.
Contudo, os países da parte mais ocidental do grande continente euroasiático começaram a emergir e assumiram-se progressivamente como potências à escala global.
Com efeito, nos últimos cinco séculos, o Ocidente conseguiu impor-se progressivamente, passando a liderar os destinos do mundo, uma situação que permaneceu inalterada até há bem pouco tempo, quando as potências politica e economicamente emergentes (Japão, China, India, Brasil e Rússia) começaram a colocar em causa a superioridade estratégica do Ocidente no contexto planetário.
De acordo com o historiador britânico Niall Ferguson, autor do bilhante livro "Civilzação - O Ocidente e os Outros", os fatores que contribuiram para a ascensão civlizacional do Ocidente foram os seguintes:
- A competição, que consistiu na descentrlização da vida política e económica, que criou as condições para o desenvovimento dos Estados-nações e da economia de mercado;
- A revolução científica, como via inovadora prvileigiada de conhecimento e de transformação da natureza;
- O reconhecimento dos dirteitos patrimoniais, que consstiiu no promado do direito como forma de garantia dos direitos patrimoniais e da resolução pacífica dos conflitos entre os seus detentores, criando condições para formas progressivamente mais sólidas de governo democrático e representativo; .
- O desenvolvimento da medicina como ramo da ciência que contribuiu para uma vida mais longa e saudável, inicialmente nos paises ocidentais, posteriotemrnte nos territórios coloniais; 
- A sociedade de consumo, criando uma sociedade baseada na compra e venda de bens de consumo, sem a qual a Revolução Industrial não seria sustentável;
_ A formação de uma ética de trabalho, baseada no Cristianismo, criando um enquadramento moral para a sociedade dinâmica e potencialmente instável gerada pelas condições atrás referidas.
Na sua obra, o autor preconiza dois argumentos essenciais para reflexão. Por um lado, o argumento de que a China e outros países emergentes estão a  ser mais eficientes na concretização das condições acima mencionadas, embora nem sempre a liberdade e democracia sejam valorizados. Por outro lado, o argumento de que o Ocidente estaria a perder a confiança nas suas capacidades, nas suas potencialidades e sobretudo nos seus valores.

A ascensão de Jesus. uma breve explicação para o homem do século XXI

No dia 20 de maio, celebrou-se a solenidade litúrgica da Ascensão de Jesus. O livro dos “Atos dos Apóstolos” começa pela sua narração. È a derradeira despedida. Jesus deixa de estar presente no plano terreno com os discípulos, subindo ao céu de forma definitiva.
A expressão bíblica “sobe aos céus” deve ser bem compreendida. Jesus não se eleva como um astronauta. Esta expressão é uma maneira de expor que Jesus entra numa outra dimensão da existência e que ele participa do poder e da glória de Deus.
Lucas, na qualidade de autor do O livro dos “Atos dos Apóstolos”, utiliza as imagens habitualmente usadas pelos escritores para falar das intervenções divinas na história humana. O “Céu” designa a morada de Deus. A “Nuvem” é um sinal simultaneamente da proximidade e da transcendência de Deus. As montanhas são os lugares privilegiados de encontro entre Deus e os seres humanos.
Não se deve dissociar a Ressurreição da Ascensão. Eles são aspetos do mesmo mistério: Jesus ressuscitado entra definitivamente na realidade divina. Por isso, a Ascensão deve ser compreendida no contexto dos acontecimentos da Páscoa. Para lhes dar maior realce, Lucas separou-os. De um lado, a vitória sobre a morte. Do outro lado, a participação no poder e na gloria de Deus. Os quarenta dias referidos por Lucas entre a Ressurreição e a Ascensão não devem ser entendidos em termos literais. Na linguagem bíblica, “quarenta dias” ou “quarenta anos” significa um tempo notável. Recorde-se os quarenta dias de jejum de Jesus ou os quarenta anos da viagem do povo de Israel, liderado por Moisés, entre o Egito e a Terra Prometida.   
Isto explica o facto dos evangelhos de Mateus e de João não falarem na Ascensão. Para eles, é claro que Jesus, logo no momento da Ressurreição, é participante do poder e da glória divinos.
Na sua descrição da Ascensão, Lucas escreve que Jesus disse aos seus discípulos: Mas ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do mundo”. Após enuciar as últimas palavras do Mestre, Lucas prossegue a sua descrição: “Dito isto, elevou-se à vista deles e uma nuvem subtraiu-o a seus olhos. E como estavam com os olhos fixos no céu, para onde Jesus se afastava, surgiram de repente dois homens vestidos de branco, que lhes disseram: «Homens da Galileia, porque estais assim a olhar para o céu?»”.
Devemos ver aí simultaneamente uma prova da presença divina e um apelo. Por um lado, a prova de que os discípulos e todos os seres humanos de boa vontade vão receber o Espírito Santo, o Espírito de Deus, para prosseguir a obra de Jesus. Por outro lado, um apelo para que não fiquem de braços cruzados. O que é relevante é dar testemunho de Jesus para que a sua mensagem salvadora e libertadora do Reino de Deus se concretize plenamente no nosso mundo.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

A Ressurreição de Jesus: uma abordagem histórica

A questão da Ressurreição de Jesus desempenha um papel fundamental no centro da fé cristã. Não existe forma de Cristianismo que não afirme que após a morte de Jesus na cruz, Deus o trouxe de volta à vida.
É um facto histórico comprovado que Jesus foi executado publicamente na Judeia no século I da nossa era, sob a autoridade do prefeito romano Pôncio Pilatos, através da crucificação, com o envolvimento dos principais dirigentes do Sinédrio judeu. As narrativas do Novo Testamento e de autores não cristãos como Flávio Josefo, Tácito, Luciano de Samósata e Maimónides atestam a veracidade desses aspetos históricos tão importantes da vida de Jesus Cristo.
Contudo, a questão da ressurreição é mais complexa. Até o século XVIII, a crença na ressurreição de Jesus era um dado inabalável e incontroverso. O Iluminismo do século XVIII e a crítica histórica do século XIX, no entanto, suscitaram uma série de questionamentos. A razão pôs em xeque a plausibilidade de que uma pessoa seja ressuscitada dentre os mortos e faça aparições públicas. Quando se aplicou a historiografia crítica aos textos bíblicos, a historicidade das narrativas da ressurreição foi posta em questão.
Na atualidade, como deve ser interpretada a ressurreição de Jesus? Embora não seja fácil formular um enquadramento histórico da ressurreição de Jesus, podemos enunciar alguns pontos essenciais que ajudem a defini-la.
Um primeiro ponto fundamental é que certamente os primeiros discípulos acreditaram que o próprio Jesus estava vivo, fora ressuscitado e exaltado na glória com Deus. Por outras palavras, o testemunho do Novo Testamento não é meramente um fenómeno existencial ou comunitário, de que Jesus subsiste na fé da comunidade, e sim um fenómeno real e objetivo, na hipótese de que esses termos sejam apropriados, por afirmar que Deus agiu em benefício de Jesus, de modo que ele se encontra vivo.
Segundo, a ressurreição de Jesus não foi um retorno à vida neste mundo e não foi a reanimação de um cadáver. Pelo contrário, a ressurreição de Jesus foi uma passagem para uma outra dimensão, uma assunção à esfera da realidade última e absoluta que é Deus e que, enquanto Criador, difere da criação. O que se passou na ressurreição de Jesus diz respeito a uma outra ordem de realidade que transcende a realidade espácio-temporal do Universo onde estamos inseridos, porque é o domínio de Deus.
Em terceiro lugar, a ressurreição foi a exaltação e glorificação da pessoa individual, Jesus de Nazaré. Aquele que foi ressuscitado não é outro senão o próprio Jesus, de modo que existe continuidade e identidade entre ele, no decorrer da vida, e o seu ser com Deus.
Por fim, não é demais reiterar o caráter absolutamente central da ressurreição de Jesus no surgimento e no desenvolvimento do Cristianismo. O Cristianismo, que começou como um movimento de génese judaica do primeiro século da nossa era, era um movimento pelo reino de Deus, um movimento messiânico e um movimento de ressurreição.
À primeira vista, a crucificação de Jesus era o símbolo de esperança não apenas derrotada, mas esmagada e dizimada. Em geral, admite-se que a crucificação de Jesus causou desorientação e desânimo em seus discípulos. Há evidências de que deixaram Jerusalém, talvez tenham fugido, na sequência do que era visto como a tragédia da crucificação de Jesus. Mas, passado pouco tempo, desenvolveu-se um movimento religioso particularmente dinâmico que transformou radicalmente o percurso histórico da Humanidade. Este surto de energia humana desenvolveu-se porque Jesus havia ressuscitado, com base no princípio de que a Sua ressurreição deve ser concebida como a declaração divina de que a vida de Jesus é a revelação por excelência de Deus na história humana.

terça-feira, 6 de março de 2012

Entre Damieta e Assis: a opção entre a guerra e a paz

Outono de 1219. Um exército de cruzados oriundos da Europa Ocidental cerca a cidade egícia de Damieta, no âmbito da Quinta Cruzada.
A cruzada foi liderada por André II, rei da Hungria; Leopoldo VI, duque da Áustria; Jean de Brienne, rei titular de Jerusalém, e Frederico II, imperador do Sacro Império Romano-Germânico.
Decidiu-se que para se conquistar Jerusalém (controlada pelos muçulmanos desde 1187) era necessário conquistar o sultanato do Egito primeiro, uma vez que este controlava o território da Palestina. Em maio de 1218, as tropas de Frederico II se puseram a caminho do Egito, sob o comando de Jean de Brienne. Desembarcados em São João de Acre, decidiram atacar Damieta, cidade que servia de acesso ao Cairo, a capital. Em agosto começaram o cerco de Damieta.
Num ambiente marcado pela guerra e pela violência, um homem marcou a diferença: Francisco de Assis.
Francisco,  já então conhecido como fundador da Ordem dos Frades Menores, deixou a sua cidade de Assis para ir ao encontro dos irmãos muçulmanos para lhes anunciar o evangelho da Paz. A 5 de novembro assistiu à tomada de Damieta por parte dos cruzados cristãos, depois de os ter tentado convencer a evitar a sangrenta batalha.
Em seguida, manteve uma entrevista com o sultão Malik Al-Kamil que, impressionado, ao fim da visita pediu que Francisco orasse para que Deus lhe mostrasse a forma de cultuá-lo que fosse de seu agrado e permitiu que pregasse entre os seus súbditos. Dali passou para a Palestina, peregrinando pelos Lugares Santos, onde recebeu a notícia de que os irmãos no Marrocos haviam sido martirizados
Num tempo em que muitos pregavam a cruzada e usavam a violência das armas em nome da fé, Francisco teve a inspiração de propor outro caminho, ordenando, na sua Regra, que “os irmãos que vão para entre os Muçulmanos se devem comportar no meio deles do seguinte modo: não litiguem nem disputem mas sujeitem-se a toda a criatura humana por amor de Deus e confessem ser cristãos”.
Mas haveria que lembrar mais um acontecimento, de entre os diversos gestos de paz promovidos pelo "Povorello" de Assis, para melhor percebermos o motivo pelo qual Assis aparece associada ao renovamento do Espírito de Paz.
Contam as fontes franciscanas que, pelo ano de 1225, entre o bispo de Assis e o podestá (governante) da cidade, houve um conflito grave, ao ponto de o primeiro ter excomungado este último. Francisco, triste e indignado sobretudo por ver que ninguém fazia algo para restabelecer a paz entre os dois, decidiu intervir. Envolveu então seus irmãos para que convidassem bispo e podestà e a população da cidade para celebrarem um encontro de reconciliação.
Compôs, para essa circunstância, mais uma estrofe do seu Cântico do Irmão Sol que reza assim: “Louvado sejas tu, meu Senhor, por quem perdoa por teu amor; por quem sofre provações e doença; feliz quem as suporta em paz, porque será por ti, Altíssimo, coroado!”
Deu-se o encontro, em que os frades cantaram esta estrofe e, e a paz foi restabelecida. Recordo estes episódios e as palavras de Francisco para recordar – caso fosse necessário - que é o mesmo Espírito que moveu Francisco a transpor fronteiras para dialogar com o Outro ou que o moveu a intervir em tantas situações de conflito entre pessoas, poderes e instituições, que está na génese do “Espírito de Assis”.
O Papa João Paulo II, inspirando-se na ousadia evangélica dos gestos e palavras do Santo de Assis, quis fazer renascer das cinzas do século XX, um século marcado por guerras e pela intolerância, esse Espírito que nos convoca ao encontro e ao diálogo para a paz. Momentos que se foram repetindo ao longo das últimas duas décadas e meia, em Assis e por todo o mundo, que constituem já um património valioso da humanidade.
O Espírito de Assis não é, pois, o espírito de Francisco ou de qualquer outro homem, é o Espírito do próprio Deus.
O Espírito de Deus está fora do qualquer controlo humano. Ele é como o vento. É o que Jesus afirmava a Nicodemos. “Tu ouves o vento, mas não sabes donde vem nem para onde vai. Assim acontece àquele que nasce do Espírito” (Evangelho de João 3, 8). 
O Espírito não se deixa fechar por quem quer que seja, superando as fronteiras que os seres humanos levantam entre classes socias, países, etnias e culturas. É por isso que aqueles que estão sob ação são os mais livres de entre os homens e mulheres.
Ele não sopra unicamente entre os cristãos, mas também nas mentes e nos corações de todos os homens e de todas as mulheres de boa vontade. Os cristãos deverão reconhecer a sua presença e a sua ação nas mais diversas manifestações em prol da dignificação da pessoa humana.
Não há, pois, que ter medo dos que são movidos por esse Espírito, devemos é perguntar, que espírito nos move a nós. Só percorrendo o caminho da paz, estamos no caminho certo, porque estamos no caminho do Deus da paz e do amor. Por isso, não existe um caminho para o diálogo: o caminho é o diálogo; assim como não há uma via para a paz: a via é a própria Paz.
O diálogo, não é, para o cristão, opcional, mas uma exigência da própria fé, que nos diz que nenhuma situação humana nos é estranha ou indiferente, muito menos quando a dignidade e os direitos fundamentais da pessoa humana são postos em causa.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Refletir sobre o Holocausto


27 de janeiro é o Dia Internacional de Memória do Holocausto. Um dia para não esquecer os milhões de vítimas do regime nazi, nomeadamente o horror vivido por homens, mulheres e crianças deportadas de toda a Europa para os campos de concentração, entre eles Auschwitz-Birkenau, na Polónia, libertado pelas tropas da extinta União Soviética a 27 de janeiro de 1945.

A Organização das Nações Unidas instituiu a data em 2005 para manter viva a memória deste acontecimento, um dos mais trágicos da História da Humanidade.

Não é fácil refletir sobre o Holocausto, pois entra-se num mundo de horror, de ódio, de perseguição, de cegueira ideológica, de estupidez, de conivências e de omissões. Mas a tarefa, ainda que dolorosa, é necessária para que o passado não seja esquecido e a consciência ética não seja ofuscada.
O percurso histórico da Humanidade revela o que o ser humano é e do que ele é capaz. Pensar o Holocausto é voltar-se para a dimensão mais obscura e terrível da condição humana e ver que o ser humano foi capaz de produzir uma tragédia tão grande que nos faltam palavras suficientes para expressar o seu horror.
O mundo não é mais o mesmo antes e depois do Holocausto. A presença do mal é de tal maneira sufocante que muitos se recusam a aceitar um sentido para a vida. Como dizia o Theodore Adorno (1903-1969), filósofo alemão e um opositor convicto do nazismo:
"Depois de Auschwitz, a sensibilidade não pode deixar de ver em toda afirmação da positividade da existência uma charlatanice, uma injustiça para com as vítimas, e tem de revoltar-se contra a extração de um sentido, por abstrato que seja, daquele trágico destino".
Um sobrevivente do Holocausto declarou que a Europa se tornou um lago de sangue congelado. No continente de Beethoven, Goethe e Mozart, as ideais do humanismo, do cristianismo e da democracia foram terrivelmente despedaçados.
Por conseguinte, a palavra “Shoah” é adequada para descrever uma tragédia de tão ampla magnitude. "Shoah" é uma palavra hebraica que significa extermínio e devastação, e é usada para se referir ao Holocausto.
Já o termo "Holocausto" tem origem grega e pertence ao mundo religioso: significa o sacrifício em que uma oferenda é inteiramente consumida pelo fogo. A ideia de holocausto, aplicada ao massacre de homens, mulheres e crianças nos campos de concentração do Terceiro Reich nazi, pretende significar a abrangência da matança, que foi um verdadeiro genocídio. Estes campos de concentração exterminaram 6 milhões de judeus e 5 milhões de não-judeus, que incluíam polacos, russos, homossexuais e opositores de diversas correntes políticas ao nazismo.
O impacto do Holocausto na consciência ética da Humanidade foi tão profundo que levou à adoção da Declaração Universal dos Direitos do Homem pela Assembleia Geral das Organizações das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948.
Analisando a história das relações entre cristãos e judeus, depois do Holocausto, da Segunda Guerra Mundial e do Concílio Vaticano II, muita coisa mudou. As principais confissões cristãs não sonham com o retorno à cristandade de outrora, com os seus privilégios e distinções. Aceitam a sociedade moderna pluralista e a autonomia das realidades temporais. Aceitam a democracia e mudaram a sua forma de encarar os não-cristãos.
Nós não somos prisioneiros do passado e não estamos condenados a repeti-lo. O ser humano, imagem e semelhança de Deus, é livre e capaz de conversão, não só de uma forma pessoal, mas também de uma forma coletiva, ainda que ela se faça num processo de avanços e recuos.

Uma consequência da Segunda Guerra Mundial e os seus impasses, é que os cristãos de diversas confissões conquistaram uma consciência mais nítida de sua missão que inclui a defesa dos pobres e oprimidos.

Como cristãos, partilhamos com profundo respeito e compaixão a experiência de extermínio sofrida por todos os que sofreram nas mais diversas formas de autoritarismo e pelo povo judeu em particular.

Desejamos que a nossa tristeza nos leve a novas relações com o povo judeu, sem antissemitismos, desconfianças e ressentimentos, mas com respeito recíproco compartilhado, como convém àqueles que adoram o único Criador e Senhor e têm um mesmo pai na fé, que é Abraão.

A consciência cristã aprendeu com o povo judeu que o Universo e a Humanidade são criações divinas, que Deus é fiel às suas promessas, e que Ele tem o poder de ressuscitar os mortos.

Por isso, o mundo tem sentido, a vida vale a pena ser vivida e a morte do justo não é em vão, pois todo o ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus, tem direito a uma vida livre e digna.