Desde
a publicação do livro “O Código da Vinci”, do escritor norte-americano Dan
Brown, Maria Madalena tornou-se uma figura incontornável quando se fala da
história do cristianismo.
O
sucesso extraordinário do livro e do filme, bem como dos diversos títulos que
surgiram na sequência da controversas polémica suscitada pelo conteúdo da obra
acima mencionada, relaciona-se com a relaciona-se, entre outros fatores, com as
referências polémicas a questões essenciais da fé cristã, o que faz dele um
instrumento de desafio e uma trama em que pode cair quem não distingue entre
história e teologia nem está suficientemente firmado na fé sobre Jesus e sobre
as narrativas dos Evangelhos recebidos por todas as Igrejas desde há muitos
séculos.
O que
pode saber-se sobre Maria Madalena acerca do Novo Testamento e dos demais
escritos denominados como apócrifos, isto é, que não foram oficialmente aceites
pelas Igrejas.
Antes
de mais, é da maior relevância acabar com o equívoco de que Maria Madalena foi
uma prostituta arrependida e penitente. Conta a lenda que ela fugiu com uma
soldado romano e que, depois de repudiada, foi violada por outros soldados.
Jesus teria expulsado os demónios do seu corpo e ela, abandonando a
prostituição, seguiu o movimento messiânico liderado pelo Mestre. Nesta lenda,
existe uma associação, no mínimo lamentável, entre possessão maligna e
sexualidade.
Esta
história acima referida remonta ao século VI. Em 591, o papa Gregório Magno,
cujo pontificado durou entre 59º e 604, combinando erradamente algumas mulheres
referidas nos Evangelhos – a mulher adúltera (Jo. 8,3-11), a pecadora que unge
os pés de Jesus com as suas lágrimas (Lc. 7,36-38), a mulher de quem Jesus
expulsou sete espíritos maus (Mc. 16, 9) – declarou Maria Madalena como uma
prostituta.
As
Igrejas do Oriente sempre rejeitaram esta tradição e as Igrejas Protestantes
raramente a aceitaram. Mas, alguma iconografia e certos escritos ao longo da
história da Igreja do Ocidente apresentaram-na por vezes como um símbolo do
pecado sexual feminino, na preocupação de explorar o lado negativo da figura da
mulher na Igreja.
De facto, Maria Madalena foi uma figura proeminente, pois o seu nome aparece 12 vezes no Novo Testamento.
De facto, Maria Madalena foi uma figura proeminente, pois o seu nome aparece 12 vezes no Novo Testamento.
Maria
Madalena veio da cidade de Magdala, de onde deriva o seu nome. A cidade estava
localizada próximo do mar da Galileia, local central de comércio e que
pertencia à rota internacional que atravessava a Palestina, onde as pessoas de
todas as religiões e costumes se encontravam no mercado. Era uma cidade próspera,
que comercializava peixe salgado, tecidos tingidos e bens agrícolas. Havia
tolerância na comunidade, pelo encontro das culturas judaica e helénistica,
profundamente conhecidas. A cidade de Magdala é o local para onde Jesus e seus
discípulos se dirigiram em travessia, após ter alimentado mais de cinco mil
pessoas com cinco pães e alguns peixes.
Embora
não seja designada expressamente com o título de apóstola, Maria Madalena as
características que distinguem os apóstolos dos outros discípulos.
Na
verdade, ela acompanhou Jesus desde o início do seu ministério até à morte na
cruz, pondo, até, os seus bens ao serviço da missão do Mestre. O seu amor por
Jesus nunca esmoreceu, inclusive nos momentos mais sombrios da paixão e da
morte. Ao contrário de outros discípulos, não fugiu nem negou o Mestre.
Foi
a primeira pessoa a ver Jesus ressuscitado e, na alegria dessa vivência, levou
a boa notícia aos demais discípulos. Eles duvidaram inicialmente, mas ela
manteve a sua fé inabalável de que Deus ressuscitou e glorificou Jesus como
Messias. Ela é verdadeiramente a apóstola dos apóstolos.
Geralmente,
os evangelhos gnósticos, considerados mais tardios do que os quatro evangelhos
canónicos do Novo Testamento, são textos originários de movimentos gnósticos ou
esotéricos dos séculos II e III que pretendiam ter um conhecimento completo e
absoluto de tudo através da superação dos limites da corporalidade para se
tornarem mais espirituais. Alguns evangelhos gnósticos, de que se destaca o
chamado “Evangelho de Filipe” dão uma grande importância a Maria Madalena, a
quem chamam “a companheira do Senhor”, mas não dizem que Jesus e Maria foram
casados.
Há
quem reclame que sendo Jesus um rabi devia necessariamente ter casado. Contudo
o judaísmo rabínico é posterior ao tempo de Jesus, no qual havia diferentes
formas de exercer o judaísmo. Por outro lado, em grupos religiosos daquele
tempo, como os Essénios, que tinham alguns pontos em comum com Jesus,
praticava-se o celibato, o que permite pensar que Jesus tenha sido celibatário.
Mas,
mesmo que tivesse casado tal não levantaria qualquer questão à essência da fé
cristã, pois, desde os primeiros séculos se professa que em Jesus coexiste a
dimensão divina com o a dimensão humana. É essa a grande afirmação do Credo de
Niceia e de Constantinopla, quando declara Jesus como plenamente divino e
humano. A questão do possível casamento de Jesus com Maria Madalena é do foro
meramente histórico, de que não existe prova. Mas, mesmo que fosse verdadeira,
isso não interferiria na natureza messiânica de Jesus.
Como
escreveu o Abade Pierre (1912-2007), fundador dos Irmãos de Emaús e uma das
figuras mais prestigiadas da França contemporânea, Jesus tanto pode ter tido
uma vida sexual num amor partilhado como não, o que não o impediu de ser
plenamente humano.
As
mulheres foram muito importantes no desenvolvimento do cristianismo primitivo
pelo papel que desempenharam nas
diversas comunidades como apóstolas,
profetizas, diaconisas, discípulas e cooperadoras, dando continuidade à
tradição iniciada no movimento de Jesus com Maria Madalena, Maria, mãe
de Jesus e outras mulheres que acompanharam o Mestre ao longo da sua vida
terrena.
Uma
visão nova do papel das mulheres não pode deixar de ter repercussões na
organização e na vivência das Igrejas, as quais devem ser cada vez mais
comunidades inclusivas, que contribuam para um testemunho mais autêntico do
amor de Deus pela Humanidade.