domingo, 13 de janeiro de 2013

Maria Madalena ou a dimensão feminina do Cristianismo



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Desde a publicação do livro “O Código da Vinci”, do escritor norte-americano Dan Brown, Maria Madalena tornou-se uma figura incontornável quando se fala da história do cristianismo.
O sucesso extraordinário do livro e do filme, bem como dos diversos títulos que surgiram na sequência da controversas polémica suscitada pelo conteúdo da obra acima mencionada, relaciona-se com a relaciona-se, entre outros fatores, com as referências polémicas a questões essenciais da fé cristã, o que faz dele um instrumento de desafio e uma trama em que pode cair quem não distingue entre história e teologia nem está suficientemente firmado na fé sobre Jesus e sobre as narrativas dos Evangelhos recebidos por todas as Igrejas desde há muitos séculos.
O que pode saber-se sobre Maria Madalena acerca do Novo Testamento e dos demais escritos denominados como apócrifos, isto é, que não foram oficialmente aceites pelas Igrejas.
Antes de mais, é da maior relevância acabar com o equívoco de que Maria Madalena foi uma prostituta arrependida e penitente. Conta a lenda que ela fugiu com uma soldado romano e que, depois de repudiada, foi violada por outros soldados. Jesus teria expulsado os demónios do seu corpo e ela, abandonando a prostituição, seguiu o movimento messiânico liderado pelo Mestre. Nesta lenda, existe uma associação, no mínimo lamentável, entre possessão maligna e sexualidade. 
Esta história acima referida remonta ao século VI. Em 591, o papa Gregório Magno, cujo pontificado durou entre 59º e 604, combinando erradamente algumas mulheres referidas nos Evangelhos – a mulher adúltera (Jo. 8,3-11), a pecadora que unge os pés de Jesus com as suas lágrimas (Lc. 7,36-38), a mulher de quem Jesus expulsou sete espíritos maus (Mc. 16, 9) – declarou Maria Madalena como uma prostituta.
As Igrejas do Oriente sempre rejeitaram esta tradição e as Igrejas Protestantes raramente a aceitaram. Mas, alguma iconografia e certos escritos ao longo da história da Igreja do Ocidente apresentaram-na por vezes como um símbolo do pecado sexual feminino, na preocupação de explorar o lado negativo da figura da mulher na Igreja.    
De facto, Maria Madalena foi uma figura proeminente, pois o seu nome aparece 12 vezes no Novo Testamento.
Maria Madalena veio da cidade de Magdala, de onde deriva o seu nome. A cidade estava localizada próximo do mar da Galileia, local central de comércio e que pertencia à rota internacional que atravessava a Palestina, onde as pessoas de todas as religiões e costumes se encontravam no mercado. Era uma cidade próspera, que comercializava peixe salgado, tecidos tingidos e bens agrícolas. Havia tolerância na comunidade, pelo encontro das culturas judaica e helénistica, profundamente conhecidas. A cidade de Magdala é o local para onde Jesus e seus discípulos se dirigiram em travessia, após ter alimentado mais de cinco mil pessoas com cinco pães e alguns peixes.
Embora não seja designada expressamente com o título de apóstola, Maria Madalena as características que distinguem os apóstolos dos outros discípulos.
Na verdade, ela acompanhou Jesus desde o início do seu ministério até à morte na cruz, pondo, até, os seus bens ao serviço da missão do Mestre. O seu amor por Jesus nunca esmoreceu, inclusive nos momentos mais sombrios da paixão e da morte. Ao contrário de outros discípulos, não fugiu nem negou o Mestre.
Foi a primeira pessoa a ver Jesus ressuscitado e, na alegria dessa vivência, levou a boa notícia aos demais discípulos. Eles duvidaram inicialmente, mas ela manteve a sua fé inabalável de que Deus ressuscitou e glorificou Jesus como Messias. Ela é verdadeiramente a apóstola dos apóstolos.
Geralmente, os evangelhos gnósticos, considerados mais tardios do que os quatro evangelhos canónicos do Novo Testamento, são textos originários de movimentos gnósticos ou esotéricos dos séculos II e III que pretendiam ter um conhecimento completo e absoluto de tudo através da superação dos limites da corporalidade para se tornarem mais espirituais. Alguns evangelhos gnósticos, de que se destaca o chamado “Evangelho de Filipe” dão uma grande importância a Maria Madalena, a quem chamam “a companheira do Senhor”, mas não dizem que Jesus e Maria foram casados.
Há quem reclame que sendo Jesus um rabi devia necessariamente ter casado. Contudo o judaísmo rabínico é posterior ao tempo de Jesus, no qual havia diferentes formas de exercer o judaísmo. Por outro lado, em grupos religiosos daquele tempo, como os Essénios, que tinham alguns pontos em comum com Jesus, praticava-se o celibato, o que permite pensar que Jesus tenha sido celibatário.
Mas, mesmo que tivesse casado tal não levantaria qualquer questão à essência da fé cristã, pois, desde os primeiros séculos se professa que em Jesus coexiste a dimensão divina com o a dimensão humana. É essa a grande afirmação do Credo de Niceia e de Constantinopla, quando declara Jesus como plenamente divino e humano. A questão do possível casamento de Jesus com Maria Madalena é do foro meramente histórico, de que não existe prova. Mas, mesmo que fosse verdadeira, isso não interferiria na natureza messiânica de Jesus.
Como escreveu o Abade Pierre (1912-2007), fundador dos Irmãos de Emaús e uma das figuras mais prestigiadas da França contemporânea, Jesus tanto pode ter tido uma vida sexual num amor partilhado como não, o que não o impediu de ser plenamente humano.
As mulheres foram muito importantes no desenvolvimento do cristianismo primitivo pelo papel que  desempenharam nas diversas  comunidades como apóstolas, profetizas, diaconisas, discípulas e cooperadoras, dando continuidade à tradição iniciada no movimento de Jesus  com Maria Madalena, Maria, mãe de Jesus e outras mulheres que acompanharam o Mestre ao longo da sua vida terrena.
Uma visão nova do papel das mulheres não pode deixar de ter repercussões na organização e na vivência das Igrejas, as quais devem ser cada vez mais comunidades inclusivas, que contribuam para um testemunho mais autêntico do amor de Deus pela Humanidade.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

A visita de Magos a Jesus: uma abordagem multidisciplinar




No primeiro domingo de cada ano, celebra-se a festividade da Epifania, na qual se recorda a visita dos Magos ao menino Jesus.
A palavra Epifania significa aparição manifestação e vem do grego “epiphanéia.” No sentido religioso, a festividade da Epifania é a festa do reconhecimento da universalidade da salvação. Não há um povo, um grupo, uma pessoa a quem se destina com exclusividade a salvação oferecida por Deus em Jesus de Nazaré.
É importante que os cristãos e todas as pessoas de boa vontade meditem neste mistério. É o mistério de amor e da salvação da Humanidade e de toda a Criação. É Deus que vem ao encontro do ser humano para libertá-lo, para chamá-lo à plenitude da vida e da felicidade.
A visita dos Magos a Jesus é descrita no Evangelho de Mateus. É um texto de caráter essencialmente teológico,  o que não significa que não tenha uma base histórica, como veremos. Olhando para o povo da antiga Aliança, o evangelista quer falar do significado e do lugar do Messias na história da salvação. O Messias prometido pelos profetas do Antigo Testamento, enviado por Deus, realmente veio não somente para cumprir as promessas realizadas na antiga Aliança, mas para salvar a humanidade no seu todo. Jesus é o Messias da humanidade, o enviado por excelência de Deus, para transformar a História humana.
Os Magos não são personagens criados por dois milénios de tradição cristã. A sua existência, além de estar bem testemunhada no Evangelho, pode ser constatada por descobertas históricas.
Os Evangelhos marcam o nascimento de Jesus quando Octávio Cesar Augusto era imperador de Roma, quando Quirino era governador da província romana de Síria, e nos últimos anos do rei Herodes, o monarca vassalo dos romanos que governava a Palestina, que faleceu no mês de março do ano 4 a.C. Para os historiadores, Jesus nasceu uns sete anos antes da nossa era. O evangelista Mateus relaciona o evento com a aparição de uma estrela particularmente luminosa no céu do Médio Oriente.
Esta curiosa e extraordinária aparição está descrita numa tabuinha, na qual foram redigidos caracteres cuneiformes (uma das antigas formas de registos escritos). Trata-se de um autêntico documento astronómico e astrológico (então as duas ciências eram irmãs gêmeas) que revela a existência de uma conjunção de Júpiter e Saturno na constelação de Peixes no ano 7 antes da nossa era.
Existem muitas hipóteses sobre a estrela que os magos viram e que os levou a enfrentar uma longa viagem com o objetivo de prestar homenagem a um recém nascido.
Em 1603, Johannes Kepler, astrônomo e matemático da corte do imperador Rodolfo II de Habsburgo, descobriu que tinha existido uma conjunção planetária de Júpiter e Saturno na constelação de Peixes, no ano 7 antes da nossa era, lembrando também que o famoso rabino e escritor Isaac Abravanel (1437-1508) havia falado de um influxo extraordinário atribuído pelos astrólogos hebreus àquele fenômeno.
Faltava uma demonstração clara. Chegou em 1925, quando o erudito alemão Padre Schnabel decifrou anotações neobabilônicas de escritura cuneiforme gravadas numa tábua encontrada entre as ruínas de um antigo templo,, na escola de astrologia de Sippar, antiga cidade localizada na confluência dos rios  Tigre e Eufrates, a uns cem quilômetros ao norte da Babilônia. A tabuinha encontra-se agora no Museu estadual de Berlim.
Entre os vários dados de observação astronómica sobre os dois planetas, Schnabel encontra na tábua um dado surpreendente: a conjunção entre Júpiter e Saturno na constelação de Piscis ocorreu no ano 7 antes da nossa era.. Além disso, segundo os cálculos matemáticos, esta tripla conjunção pôde ser vista com grande claridade na região do Mediterrâneo.
Os magos pertenciam à casta de sacerdotes persas e babilônios que se dedicavam ao estudo da astronomia e da astrologia. Apesar de não serem judeus, provavelmente eram seguidores da religião de Zoroastro e tinham conhecimento das profecias do Antigo Testamento sobre a vinda do Messias, dado que exstiam importantes comunidades judias na Mesopotãmia e na Pérsia.
Na astrologia antiga, Júpiter era considerado como a estrela do Príncipe do mundo e a constelação de Peixes como o sinal do final dos tempos. O planeta Saturno era considerado no Oriente a estrela da Palestina. Quando Júpiter se encontrou com Saturno na constelação de Peixes, significou que o Messias tinha surgido neste ano na Palestina.
Para finalizar, a visita dos Magos a Jesus mostra a universalidade da missão e da mensagem de Jesus, que visa a salvação para todos os seres humanos. Além disso, é uma salvação integral, que diz respeito à pessoa humana na sua plenitude, em todas as suas dimensões: pessoal e social, espiritual e corpórea, histórica e transcendente.