quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

A resignação de Bento XVI e o futuro da Igreja Católica




Raio cai na Basílica de S.Pedro em dia de resignação (EPA/ALESSANDRO DI MEO) 

No dia 11 do presente mês, o papa Bento XVI anunciou a sua resignação, um gesto que surpreendeu o mundo.
Com efeito, o último Papa que renunciou de livre vontade foi em 1294 o eremita Pietro Angeleri, que adoptou o nome papal de Celestino V. Mais perto de nós, Gregório XII também se demitiu, em 1415, não tanto por vontade própria, mas para garantir a unidade da Igreja, então dilacerada pelo Grande Cisma do Ocidente.
Foi um gesto de uma grande grandeza moral, lucidez e humildade, que deveria ser seguido como exemplo noutras estruturas da Igreja e da sociedade em geral. De um modo lúcido e ponderado, sentiu que não tinha as energias psíquicas e espirituais para liderar a Igreja Católica, sobretudo numa época, como a nossa, na qual os desafios do mundo, com incidência na fé, são gigantescos e não cessam de crescer.
É ainda prematuro fazer um balanço do pontificado de Bento XVI, mas pode-se apresentar algumas pistas de reflexão.
Deste pontificado fica a relevância do diálogo entre a fé e a razão, o prosseguimento do diálogo com as outras confissões cristãs e com as diferentes religiões, o empenho na paz entre israelitas e palestinianos e a defesa de uma globalização regulada e socialmente justa, que foi proclamada pela encíclica “Caritas in Veritate”.  
Mas não se pode esquecer a incapacidade de reformar a Cúria Romana, uma questão fulcral para o futuro da Igreja Católica. O próprio Bento XVI queixou-se de que as estruturas da Cúria lhe sonegavam informações. Além disso, os escândalos, desde a pedofilia à corrupção, do Vatileaks às intrigas no Vaticano, não contribuíram em nada para o prestígio da Igreja Católica no mundo contemporâneo.
Mais do que um líder, Joseph Ratzinger é um intelectual, aliás brilhante. É justo reconhecê-lo com um dos três pensadores cristãos mais importantes da atualidade, juntamente com o teólogo Hans Küng e o Dr. Rowan Williams, o antigo arcebispo anglicano de Cantuária.
Anunciada a resignação, já começou a ser abordada a questão da sucessão. Mas mais importante do que a questão da sucessão, temos que compreender o atual momento histórico e a necessidade premente de promover reformas estruturais na Igreja, de modo que ela possa ser um farol de esperança não somente para os cristãos de todo o mundo, mas para todos os seres humanos com quem partilhamos o nosso planeta Terra.
Não é tempo de retoques parciais. Na atualidade, é preciso ir ao essencial. Legitimamente, há quem questione a forma de designação do Papa, actualmente feita pelo colégio dos cardeais, sugerindo que ela deveria ser feita por um colégio constituído pelos presidentes de todas as conferências episcopais do mundo, refletindo de uma forma mais adequada a universalidade e a diversidade da Igreja.
A Igreja Católica, tal como as demais Igrejas cristãs, precisa de focalizar-se na essência do cristianismo, seguir Jesus e o seu Evangelho, promover uma evangelização que leve a uma experiência espiritual mais autêntica de Deus. Mas que também seja profética na proclamação de um modelo de desenvolvimento baseado na dignidade da pessoa humana e na ecologia, colocando-se ao lado do mundo dos pobres e excluídos que são a maior parte da Humanidade, e da mãe Terra, que está seriamente ameaçada.
Neste contexto, é da maior relevância que a Igreja Católica seja:
- Uma Igreja fraterna, com abolição do fosso entre leigos e clérigos e onde os crentes participem na designação dos seus bispos;
- Uma Igreja uma nova atitude face ao papel das mulheres, terminando com a sua exclusão dos ministérios ordenados;
- Uma Igreja que não imponha o celibato obrigatório aos sacerdotes;
- Uma Igreja que valorize a sexualidade como dimensão fundamental da condição humana, abandonando a ingerência na consciência dos fiéis, mas condenando, obviamente, todas as formas de abuso sexual;
- Uma  Igreja empenhada na globalização dos direitos humanos e na proteção do meio ambiente.
Numa época de crise universal, a Igreja deve ser um sinal da presença do Espírito de Deus no mundo, o Espírito que pairava sobre o caos inicial para gerar a vida, o mesmo Espírito que inspirou Jesus e o ressuscitou dentre os mortos.  
Por conseguinte, a Igreja é impelida pelo Espírito de Deus para promover a libertação dos seres humanos de todos os tempos e de todos os lugares, de modo a fazer do nosso planeta Terra um mundo mais livre, solidário e sustentável.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

A Liberdade e a Justiça segundo John Rawls



John Rawls,  foi um filósofo norte-americano,  tendo desempenhado um papel proeminente na filosofia política e moral do século passado e do inicio do presente século. 
Do seu nome completo John Rawls Bordley, nasceu em Baltimore, no estado de Maryland, em 21 de fevereiro de 1921, e faleceu em Lexington, Massachussets, em 24 de novembro. Esteve ao serviço do Exército norte-americano na frente do Pacífico da Segunda Guerra Mundial. Na sequência do bombardeamentos atómicos de Hiroshima e de Nagasaki, recusou prosseguir a vida militar e optou pela vida académica. Foi professor de Filosofia Política na Universidade de Harvard, tendo publicado, entre outras, as seguintes obras: Uma Teoria da Justiça (A Theory of Justice, 1971), Liberalismo Politico (Political Liberalism, 1993) e o O Direito dos Povos (The Law of Peoples, 1999).   
Retomando a teoria do contrato social, Rawls propõe-se a responder de que modo podemos avaliar as instituições sociais: a virtude das instituições sociais consiste no fato de serem justas. Em outros termos, para o filósofo norte-americano, uma sociedade coesa e ordenada partilha de uma conceção pública de justiça que regula a estrutura básica da sociedade. Com base nesta preocupação, Rawls formulou a teoria da justiça como eqüidade.
Para chegar a entendimento comum sobre o que é justo, ele imaginou uma situação hipotética e histórica similar ao estado de natureza (chamada de posição original) na qual os indivíduos escolheriam princípios de justiça. Tais indivíduos, concebidos como racionais e razoáveis, estariam ainda submetidos a um véu de ignorância, ou seja, desconheceriam todas aquelas situações que lhe trariam vantagens ou desvantagens na vida social (classe social e status, educação, conceções de bem, características psicológicas, etc.). Desta forma, na posição original todos compartilham de uma situação eqüitativa: são considerados livres e iguais.
Ao retomar a figura do contrato social como método, Rawls não tem como objetivo fundamentar a obediência ao Estado (como na tradição do contratualismo clássico de Hobbes, Locke e Rousseau). Ligando-se ao pensamentio de Kant (construtivismo kantiano), a ideia do contrato é introduzida como recurso para fundamentar um processo de construção de uma sociedade justa
Ao longo da sua obra, John Rawls analisa as consequências filosófico-políticas da questão relativa à possibilidade da existência de uma sociedade justa e estável, constituída por cidadãos livre e iguais, embora profundamente divididos entre eles por causa das suas ideias compreensíveis e razoáveis, de cariz ético, filosófico e religioso.
Segundo Rawls, esta questão prende-se com o problema da justiça. Rawls desenvolve uma teoria da justiça como equidade. Esta propõe uma conceção da justiça que afirma a prioridade do justo sobre o bem e define alguns princípios de justiça, visando a constituição duma estrutura de base social justa: o respeito das liberdades fundamentais; a igualdade de oportunidades e o princípio da diferença.
Rawls apresenta estes princípios da seguinte maneira.
Em primeiro lugar: cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema mais alargado de liberdades de base iguais para todos, que seja compatível com um mesmo sistema de liberdades para os outros.   
Em segundo lugar: as desigualdades sociais e económicas devem ser organizadas de tal sorte que, ao mesmo tempo, possamos razoavelmente esperar que elas possam ser vantajosas para cada um eque elas sejam ligadas à posições e funções abertas à todos.
Rawls empreende uma reflexão sobre a conceção de pessoa livre. É à partir desta reflexão que quisemos extrair a significado do conceito de liberdade.
A conceção de Rawls define a pessoa como todo o ser humano capaz de ser, durante toda a sua vida, um membro normal e plenamente cooperante da sociedade.
Para compreender esta conceção, parece-nos imperioso dar conta da significação que Rawls dá ao conceito de sociedade.
Para este autor, a sociedade é um sistema equitativo de cooperação entre as pessoas livres e iguais que são tratadas como membros plenamente cooperantes da sociedade durante toda a sua vida.
Esta definição da pessoa e da sociedade em Rawls apresenta-nos a pessoa como essencialmente um ser cooperante. O pano de fundo desta conceção encontra-se identificado com uma filosofia política que se situa na tradição do contrato social. Com efeito, para Rawls, a pessoa concebida como ser cooperante, é constituída por duas faculdades da personalidade moral: a capacidade de ser razoável e a capacidade de ser racional.
A faculdade de ser razoável consiste na capacidade de respeitar os termos equitativos da cooperação. Estes compreendem substancialmente as ideias de reciprocidade e de mutualidade. Mais precisamente, ser razoável significa ser capaz dum sentido da justiça, isto significa que a pessoa humana deve ser capaz de ter uma compreensão dos princípios de justiça, para os aplicar e deixar-se motivar por um desejo eficaz de ação à partir dos mesmos princípios e de acordo com eles enquanto termos equitativos de cooperação em sociedade.
A faculdade de ser racional é a capacidade de formar e de manter uma conceção do bem. Uma conceção do bem é a ideia que a pessoa tem a propósito duma vida humana que merece ser vivida, quer dizer a representação duma vida digna. Isto compreende um sistema definido de fins e de finalidades que podem ser prosseguidos individualmente ou coletivamente. A conceção do bem comporta também a visão do mundo e da relação que a pessoa aí mantém.
Rawls propõe-nos uma conceção da pessoa livre. Assim, ele apresenta-nos três aspetos da pessoa livre. É livre aquele que:
- Possui a faculdade moral de formar uma conceção do bem;
- É fonte de revindicações válidas que se autenticam elas mesmas;
- É capaz de assumir a responsabilidade dos seus fins.
Analisando a conceção rawlsiana da liberdade, pode ser compreendida como a faculdade humana de formar, revisar e prosseguir uma conceção do bem melhorando-a pelas revindicações válidas que se autenticam elas mesmas e realizando-as através de meios que podemos razoavelmente esperar obter da contribuição de todos os membros da sociedade.
Para Rawls, a liberdade tem necessidade dos outros homens diante dos quais ela possa aparecer, se manifestar, quer dizer ela precisa dum espaço público. Este aspeto do espaço público é também assinalado por Rawls quando ele compreende a pessoa humana como ser cooperante, e a sociedade como sistema equitativo de cooperação entre pessoas livres e iguais.
Notamos também que Rawls contesta a identificação da liberdade ao livre arbítrio. Isto quer dizer que a liberdade é mais da ordem da ação e da palavra. O homem livre é aquele que age, que começa alguma coisa nova, que forma, revisa e prossegue uma conceção do bem; aquele que atual de acordo com os princípios equitativos de justiça.
John Rawls situa-se na perspetiva do liberalismo norte-americano e é levado por uma preocupação de propor uma teoria filosófico-política sobre a possibilidade de uma sociedade justa e livre em condições marcadas por conflitos profundos de ideias e doutrinas. É um apelo ao conceito da tolerância diante do pluralismo, afirmando a possibilidade de ser livre, apesar de condição pluralista da sociedade na qual a pessoa está inserida. Aí se apresenta o paradoxo da existência humana: liberdade e condição.