sexta-feira, 29 de março de 2013

O legado de Jesus: amor e compaixão



“Não há maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus irmãos", Estas palavras de Jesus, narradas no Evangelho de São João, expressam o testemunho mais eloquente do profundo significado da sua paixão e morte . São, por assim dizer, um pequeno resumo do sentido do Mistério Pascal.
No âmbito da Última Ceia, no último discurso antes da Paixão, conhecido como o seu testamento espiritual, que Jesus esclarece aos seus discípulos, mostrando-lhes a sua relação com Deus; e deixando-nos ainda diversos ensinamentos sobre a vida e o amor.
É no pronunciar destas palavras que nos permite compreender um pouco mais do sentido pleno e autêntico do amor, que se revela como a doação de si mesmo aos irmãos. E o próprio Jesus foi coerente com suas palavras, amando os homens até ás últimas consequências , com o maior amor possível, por sua morte na Cruz, que passa a ser a manifestação do amor incondicional de Deus pela Humanidade: Pois Deus amou tanto o mundo, que entregou seu Filho único.
Se Deus ama tanto a Humanidade, é porque deseja que haja uma verdadeira paz entre os seres humanos, que se devem considerar uns aos outros como irmãos.  
Para que haja uma verdadeira paz, tem que haver amor e compaixão. Neste sentido, apresento a Carta pela Compaixão, elaborada com o envolvimento de representantes de várias confissões religiosas e de não crentes.

Carta pela Compaixão
O princípio da compaixão é o cerne de todas as tradições religiosas, éticas e espirituais, nos conclamando sempre a tratar todos os outros da mesma maneira como gostaríamos de ser tratados. A compaixão impele-nos a trabalhar incessantemente com o intuito de aliviarmos o sofrimento do nosso próximo, o que inclui todas as criaturas, de nos destronarmos do centro do nosso mundo e, no lugar, colocar os outros, e de honrarmos a santidade inviolável de todo ser humano, tratando todas as pessoas, sem excepção, com absoluta justiça, equidade e respeito.
É necessário também, tanto na vida pública como na vida privada, abstermo-nos, de forma consistente e empática, de infligir dor. Agir ou falar de maneira violenta devido a maldade, chauvinismo ou interesse próprio a fim de depauperar, explorar ou negar direitos básicos a alguém e incitar o ódio ao denegrir os outros - mesmo os nossos inimigos - é uma negação da nossa humanidade em comum. Reconhecemos que falhamos na tentativa de viver de forma compassiva e que alguns de nós até mesmo aumentaram a soma da miséria humana em nome da religião.
Portanto, conclamamos todos os homens e mulheres a restaurar a compaixão ao centro da moralidade e da religião, a retornar ao antigo princípio de que é ilegítima qualquer interpretação das escrituras que gere ódio, violência ou desprezo, a garantir que os jovens recebam informações exactas e respeitosas a respeito de outras tradições, religiões e culturas, a incentivar uma apreciação positiva da diversidade religiosa e cultural e a cultivar uma empatia bem informada pelo sofrimento de todos os seres humanos - mesmo daqueles considerados inimigos
É urgente que façamos da compaixão uma força clara, luminosa e dinâmica no nosso mundo polarizado. Com raízes numa determinação de princípios de transcender o egoísmo, a compaixão pode quebrar barreiras políticas, dogmáticas, ideológicas e religiosas. Nascida da nossa profunda interdependência, a compaixão é essencial para os relacionamentos humanos e para uma humanidade realizada. É o caminho para a iluminação e é indispensável para a criação de uma economia justa e de uma comunidade global pacífica

terça-feira, 19 de março de 2013

Novo papa, novos desafios

Pope Francis I appears on the central balcony in Vatican City.

A eleição do novo papa Francisco ocorre numa época particularmente relevante da História da Humanidade. 
À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e globalizado, a Humanidade enfrenta, ao mesmo tempo, grandes oportunidades e grandes riscos.
Vivemos numa era de produção e de consumo sem precedentes. O progresso tecnológico desenvolveu as redes de comunicação de tal modo que podemos falar de uma “aldeia global”. A democracia e o primado do direito são valores formalmente reconhecidos pela generalidade dos países do mundo, embora em muitos deles haja uma grande distância entre as proclamações jurídicas e a prática dos poderes públicos  
Contudo, o sistema económico dominante, baseado numa confiança excessiva no mercado, tem causado sérios problemas sociais, políticos e ambientais. Os benefícios do desenvolvimento não estão a ser distribuídos equitativamente e as desigualdades sociais estão a aumentar, inclusive nas sociedades mais democráticas e prósperas do nosso planeta. Os conflitos e a violência têm aumentado e são causa de grande sofrimento. O crescimento sem precedentes da população humana tem sobrecarregado os sistemas ecológicos e sociais. O meio ambiente tem sido seriamente afetado, sendo os resultados mais visíveis as alterações climáticas e a extinção maciça de espécies. 
Neste contexto, a Humanidade espera da Igrejas cristãs e da Igreja Católica em particular que elas sejam faróis de esperança, o que implica uma renovação da Igreja Católica.
Para haver uma renovação genuína da Igreja Católica, é importante superar desde já um equívoco. Hoje, quando se fala de Igreja, é numa instituição gigantesca e nos seus hierarcas e sacerdotes que se pensa: papa, bispos, padres e diáconos. Temos de regressar às origens, quando Igreja significava a comunhão das Igrejas, entendidas como comunidades de cristãos congregados em nome de Jesus.
È interessante constatar que as últimas declarações do papa Bento XVI e as primeiras declarações do papa Francisco partilham a necessidade de valorizar a dimensão espiritual da Igreja Católica em detrimento da sua dimensão institucional.
No dia 14 de fevereiro, ainda papa, Joseph Ratzinger declarou o seguinte. "Nós somos a Igreja; a Igreja não é uma estrutura; nós, os próprios cristãos juntos, todos nós somos o Corpo vivo da Igreja. Naturalmente, isto é válido no sentido de que o 'nós', o verdadeiro 'nós' dos crentes, juntamente com o 'Eu' de Cristo, é a Igreja".
Por sua vez, no dia 16 de março, o papa Francisco anunciou no seu primeiro encontro com os representantes dos meios de comunicação social: “(A Igreja) apesar de ser indubitavelmente uma instituição também humana e histórica, com tudo o que isso implica, não é de natureza política, mas essencialmente espiritual: é o Povo de Deus, o Povo santo de Deus, que caminha rumo ao encontro com Jesus Cristo. (…) Cristo é o centro. Não o sucessor de Pedro, mas Cristo. Cristo é o centro. Cristo é o ponto fundamental de referimento, o coração da Igreja. Sem Ele, Pedro e a Igreja não existiriam, nem teriam razão de ser”. Também defendeu “uma Igreja pobre e para os pobres”. 
Atualmente, estamos perante uma oportunidade histórica de reformar a Igreja Católica. Não é preciso começar do zero. O Concílio Vaticano II foi um começo revolucionário, mas continua, em grande parte, por cumprir e sofreu desvios cujas consequências se sentem de forma amarga.
Importa alterar o modo da designação dos bispos, os lideres das Igrejas locais, na sua imensa diversidade geográfica e cultural. Eles devem ser eleitos por sínodos diocesanos constituídos por representantes dos clérigos e dos leigos, os quais devem ser eleitos democraticamente.
O bispo de Roma, isto é, o Papa, deveria ser eleito por um colégio constituído pelos representantes das conferências episcopais, das congregações religiosas e dos movimentos laicais, seguindo o princípio de o que diz respeito a todos, deve ser tratado por todos.
A Igreja deve assumir um compromisso cada vez mais sólido com a promoção da justiça social e da dignidade da pessoa humana. Se Deus se revelou em Jesus como Deus dos pobres, dos excluídos e das vítimas deste mundo, uma Igreja que não tornar visível essa revelação será sempre infiel a Jesus. A Igreja deveria retomar e propor aos poderes políticos e económicos deste mundo o ensinamento de Jesus de que é impossível servir a Deus e ao dinheiro. Esta será uma reforma constante e difícil, mas a Igreja deve ter muito claro e não esquecer nunca que está em jogo a sua fidelidade ao Deus revelado pelos profetas e de um modo muito especial por Jesus.
Deve ser reconhecida a igualdade de direitos e responsabilidades de homens e mulheres na Igreja, bem como a valorização da sexualidade enquanto dimensão fundamental da condição humana.
Deve ser incentivado o diálogo ecuménico com as demais Igrejas cristãs, o que passa pelo reconhecimento mútuo dos ministérios e dos sacramentos.
Deve ser promovido o diálogo com as religiões não cristãs e os não crentes, para que todos os homens e mulheres de boa vontade possam trabalhar em conjunto em prol de um mundo mais livre, solidário e sustentável.