quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Eu tenho um sonho



Há cinquenta anos, Martin Luther King, Jr. proferiu um dos discursos mais significativos da História da Humanidade. 
O discurso de Martin Luther King, Jr., foi pronunciado na escadaria do Monumento ao presidente Abraham Lincoln, em Washington, D.C., tendo sido escutado por mais de 250.000 pessoas, reunidas na capital dos Estados Unidos da América, no âmbito da "Marcha para Washington por Emprego e Liberdade". 
A marcha foi um grande manifestação em prol da defesa da igualdade de direitos entre os todos os cidadãos, independentemente da sua cor da pele,  exigindo igualmente das instituições políticas federais um compromisso mais firme no reconhecimento desses mesmos direitos, sobretudo nos Estados do sul, onde os afro-americanos eram considerados como pessoas de seguida categoria. 
A marcha foi realizada num contexto particularmente tenso.Havia muita ansiedade, medo e esperança também. Ansiedade, porque os manifestantes não sabiam se iam  conseguir chegar a Washington e sair de lá. Medo, porque muitos dos manifestantes tiveram de atravessar fronteiras de Estados que defendiam claramente a segregação e a discriminação. Washington, D.C. estava virtualmente em estado de sítio. O Governo Federal tinha receio de distúrbios. Pela primeira vez desde a abolição da Lei Seca em 1933, foram fechados todos os estabelecimentos de bebidas alcoólicas. As forças policiais tinham turnos de 18 horas. O Exército foi mobilizado.
E, apesar de tudo isto, nasceu um movimento magnífico de pessoas de diversas etnias, condições sociais e confissões religiosas, que se juntaram pacificamente, que se inspiraram umas às outras, que proclamaram juntas a dignidade fundamental da pessoa humana. 
A marcha teve consequências duradouras. Em 1964, o Congresso dos Estados aprovou a Lei dos Direitos Civis, e no ano seguinte, a Lei sobre o Direito de Voto, consagrando a igualdade de direitos civis e políticos. 
Em 1964, Martin Luther King, Jr. foi galardoado com o Prémio Nobel da Paz. 


Discurso “I Have a Dream”

Há cem anos, um grande americano, sob cuja sombra simbólica nos encontramos, assinava a Proclamação da Emancipação. Esse decreto fundamental foi como um raio de luz de esperança para milhões de escravos negros que tinham sido marcados a ferro nas chamas de uma vergonhosa injustiça. Veio como uma aurora feliz para terminar a longa noite do cativeiro. Mas, cem anos mais tarde, devemos enfrentar a realidade trágica de que o Negro ainda não é livre.
Cem anos mais tarde, a vida do Negro é ainda lamentavelmente dilacerada pelas algemas da segregação e pelas correntes da discriminação. Cem anos mais tarde, o Negro continua a viver numa ilha isolada de pobreza, no meio de um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos mais tarde, o Negro ainda definha nas margens da sociedade americana, estando exilado na sua própria terra.
Por isso, encontramo-nos aqui hoje para dramaticamente mostrarmos esta extraordinária condição. Num certo sentido, viemos à capital do nosso país para descontar um cheque. Quando os arquitectos da nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e da Declaração de independência, estavam a assinar uma promissória de que cada cidadão americano se tornaria herdeiro.
Este documento era uma promessa de que todos os homens veriam garantidos os direitos inalienáveis à vida, à liberdade e à procura da felicidade. É óbvio que a América ainda hoje não pagou tal promissória no que concerne aos seus cidadãos de cor. Em vez de honrar este compromisso sagrado, a América deu ao Negro um cheque sem cobertura; um cheque que foi devolvido com a seguinte inscrição: "saldo insuficiente". Porém nós recusamo-nos a aceitar a ideia de que o banco da justiça esteja falido. Recusamo-nos a acreditar que não existam recursos suficientes nos grandes cofres de oportunidades deste país.
Por isso viemos aqui cobrar este cheque - um cheque que nos dará quando o recebermos as riquezas da liberdade e a segurança da justiça. Também viemos a este lugar sagrado para lembrar à América da clara urgência do agora. Não é o momento de se dedicar à luxuria do adiamento, nem para se tomar a pílula tranquilizante do gradualismo. Agora é tempo de tornar reais as promessas da Democracia. Agora é o tempo de sairmos do vale escuro e desolado da segregação para o iluminado caminho da justiça racial. Agora é tempo de abrir as portas da oportunidade para todos os filhos de Deus. Agora é tempo para retirar o nosso país das areias movediças da injustiça racial para a rocha sólida da fraternidade.
Seria fatal para a nação não levar a sério a urgência do momento e subestimar a determinação do Negro. Este sufocante verão do legítimo descontentamento do Negro não passará até que chegue o revigorante Outono da liberdade e igualdade. 1963 não é um fim, mas um começo. Aqueles que crêem que o Negro precisava só de desabafar, e que a partir de agora ficará sossegado, irão acordar sobressaltados se o País regressar à sua vida de sempre. Não haverá tranquilidade nem descanso na América até que o Negro tenha garantido todos os seus direitos de cidadania. 
Os turbilhões da revolta continuarão a sacudir as fundações do nosso País até que desponte o luminoso dia da justiça. Existe algo, porém, que devo dizer ao meu povo que se encontra no caloroso limiar que conduz ao palácio da justiça. No percurso de ganharmos o nosso legítimo lugar não devemos ser culpados de actos errados. Não tentemos satisfazer a sede de liberdade bebendo da taça da amargura e do ódio. 
Temos de conduzir a nossa luta sempre no nível elevado da dignidade e disciplina. Não devemos deixar que o nosso protesto realizado de uma forma criativa degenere na violência física. Teremos de nos erguer uma e outra vez às alturas majestosas para enfrentar a força física com a força da consciência. 
Esta maravilhosa nova militância que engolfou a comunidade negra não nos deve levar a desconfiar de todas as pessoas brancas, pois muitos dos nossos irmãos brancos, como é claro pela sua presença aqui, hoje, estão conscientes de que os seus destinos estão ligados ao nosso destino, e que sua liberdade está intrinsecamente ligada à nossa liberdade. 
Não podemos caminhar sozinhos. À medida que caminhamos, devemos assumir o compromisso de marcharmos em frente. Não podemos retroceder. Há quem pergunte aos defensores dos direitos civis: "Quando é que ficarão satisfeitos?" Não estaremos satisfeitos enquanto o Negro for vítima dos incontáveis horrores  da brutalidade policial. Não poderemos estar satisfeitos enquanto os nossos corpos, cansados das fadigas da viagem, não conseguirem ter acesso a um lugar de descanso nos motéis das estradas e nos hotéis das cidades. Não poderemos estar satisfeitos enquanto a mobilidade fundamental do Negro for passar de um gueto pequeno para um maior. Nunca poderemos estar satisfeitos enquanto um Negro no Mississipi não pode votar e um Negro em Nova Iorque achar que não há nada pelo qual valha a pena votar. Não, não, não estamos satisfeitos, e só ficaremos satisfeitos quando a justiça correr como a água e a rectidão como uma poderosa corrente.
Sei muito bem que alguns de vocês chegaram aqui após muitas dificuldades e tribulações. Alguns de vocês saíram recentemente de pequenas celas de prisão. Alguns de vocês vieram de áreas onde a vossa procura da liberdade vos deixou marcas provocadas pelas tempestades da perseguição e sofrimentos provocados pelos ventos da brutalidade policial. Vocês são veteranos do sofrimento criativo. Continuem a trabalhar com a fé de que um sofrimento injusto é redentor.
Voltem para o Mississipi, voltem para o Alabama, voltem para a Carolina do Sul, voltem para a Geórgia, voltem para a Luisiana, voltem para as bairros de lata e para os guetos das nossas modernas cidades, sabendo que, de alguma forma, esta situação pode e será alterada. Não nos embrenhemos  no vale do desespero.
Digo-lhes, hoje, meus amigos, que apesar das dificuldades e frustrações do momento, ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano.
Tenho um sonho que um dia esta nação levantar-se-á e viverá o verdadeiro significado da sua crença: "Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais".
Tenho um sonho que um dia nas montanhas rubras da Geórgia os filhos de antigos escravos e os filhos de antigos proprietários de escravos poderão sentar-se à mesa da fraternidade.
Tenho um sonho que um dia o estado do Mississipi, um estado deserto, sufocado pelo calor da injustiça e da opressão, será transformado num oásis de liberdade e justiça.
Tenho um sonho que meus quatro pequenos filhos viverão um dia numa nação onde não serão julgados pela cor da sua pele, mas pela qualidade do seu caractér.
Tenho um sonho, hoje.
Tenho um sonho que um dia o estado de Alabama, cujos lábios do governador actualmente  pronunciam palavras de ... e recusa, seja transformado numa condição onde pequenos rapazes  negros, e raparigas negras, possam dar-se as mãos com outros pequenos rapazes brancos, e raparigas brancas, caminhando juntos, lado a lado, como irmãos e irmãs.
Tenho um sonho, hoje.
Tenho um sonho que um dia todo os vales serão elevados, todas as montanhas e encostas serão  niveladas, os lugares ásperos serão polidos, e os lugares tortuosos serão endireitados, e a glória do Senhor será revelada, e todos os seres a verão, conjuntamente.
Esta é nossa esperança. Esta é a fé com a qual regresso ao Sul. Com esta fé seremos capazes de retirar da montanha do desespero uma pedra de esperança. Com esta fé poderemos transformar as dissonantes discórdias de nossa nação numa bonita e harmoniosa sinfonia de fraternidade. Com esta fé poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, ir para a prisão juntos, ficarmos juntos em posição de sentido pela liberdade, sabendo que um dia seremos livres.
Esse será o dia quando todos os filhos de Deus poderão cantar com um novo significado: "O meu país é teu, doce terra de liberdade, de ti eu canto. Terra onde morreram os meus pais, terra do orgulho dos peregrinos, que de cada localidade ressoe a liberdade".
E se a América quiser ser uma grande nação isto tem que se tornar realidade. Que a liberdade ressoe então dos prodigiosos cabeços do Novo Hampshire. Que a liberdade ressoe das poderosas montanhas de Nova Iorque. Que a liberdade ressoe dos elevados Alleghenies da Pensilvania!
Que a liberdade ressoe dos cumes cobertos de neve das montanhas Rochosas do Colorado!
Que a liberdade ressoe dos picos curvos da Califórnia!
Mas não só isso; que a liberdade ressoe da Montanha de Pedra da Geórgia!
Que a liberdade ressoe da Montanha Lookout do Tennessee!
Que a liberdade ressoe de cada Montanha e de cada pequena elevação do Mississipi.
Que de cada localidade, a liberdade ressoe.
Quando permitirmos que a liberdade ressoe, quando a deixarmos ressoar de cada vila e cada aldeia, de cada estado e de cada cidade, seremos capazes de apressar o dia em que todos os filhos de Deus, negros e brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão dar-se as mãos e cantar as palavras da antiga canção negra: "Liberdade finalmente! Liberdade finalmente! Louvado seja Deus, Todo Poderoso, estamos livres, finalmente!"

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Deus e os extraterrestres



“Estaremos sós no Universo?”. Esta é uma das grandes questões existenciais da Humanidade, que tem sido colocada desde tempos imemoriais, mas com particular acuidade desde o início da exploração do espaço, a partir dos meados do século XX.
Com efeito, o nosso lar comum, a Terra, é um pequeno planeta de um sistema solar situado na periferia da Via Láctea, uma das 170 biliões das galáxias existentes no universo observável.
A questão acima mencionada tem implicações de diversa ordem, cientifica, filosófica e religiosa.
A descoberta de vida extraterrestre será provavelmente o maior acontecimento da História da Humanidade, o que não deixaria de ter repercussões na sua vivência espiritual.  Contudo, as principais religiões existentes não fecham as portas à existência de vida extraterrestre.
O budismo tem sutras ou textos que estendem o ensinamento do Buda "a todos osmundos". No sutra da Contemplação da vida infinita, Buda faz jorrar da sua fronte um raio de luz "que iluminou todos os mundos e voltou a colocar-se na cabeça do Buda, formando uma torre de luz. Nesta torre, podia ver-se todas as terras dos budas".
O islão vai mais longe. O Alcorão não só admite a existência de vida extraterrestre, mas também refere que haverá um encontro: "Entre as Suas Provas está a criação dos céus e da terra e dos seres vivos que aí disseminou. Tem aliás o poder de reuni-los quando lhe aprouver" (sura 42). "Alá que criou sete céus e outras tantas terras" (sura 65).
No judaísmo, as narrativas da literatura de Midrash (compilação de ensinamentos sobre a Bíblia judaica) demonstram que, se eventuais descobertas científicas revelassem a presença de outros seres vivos no universo, os princípios da Tora e os valores do judaísmo não seriam abalados.
O caso do cristianismo é semelhante. Em 2008, o diretor do Observatório do Vaticano, o jesuíta José Gabriel Funes, indicou numa entrevista concedida ao L’Osservatore Romano que ela não confronta o cristianismo: “Não podemos colocar limites à liberdade criativa de Deus. Se, como disse São Francisco, consideramos todas as criaturas da Terra como irmãos e irmãs, por que não poderíamos falar do nosso irmão extraterrestre? Continua a fazer parte da Criação.” O falecido monsenhor Corrado Balducci, colaborador e amigo próximo do papa João Paulo II, declarou que “é real a possibilidade de que outras criaturas inteligentes vivam na imensidão do espaço”. Para ele, isto seria um sinal inequívoco da gloria de Deus.   
Esta opinião é partilhada por Robin Collins, professor de filosofia no Messiah College, no estado norte-americano de  Pensilvânia, que afirma o seguinte: “Embora não tenha a certeza absoluta, os seres humanos não podem estar sós. Deus é infinitamente criativo”.
Não se trata de uma posição nova. Em 1277, o bispo de Paris, Étienne Tempier, considerava que a afirmação de que Deus só podia fazer um mundo significava limitar o poder divino. Por outro lado, o cardeal Nicolau de Cusa argumentava, na obra De Docta Ignorantia (1440), que poderíamos encontrar em cada região celestial habitantes que, embora de natureza diferente da nossa, deviam a existência ao poder criador de Deus.
Contudo, existem outros pensadores cristãos, como Hipólito de Roma e Agostinho de Hipona, desconfiados da observação metódica como fonte de conhecimento presos a uma interpretação literal das Escrituras, que negavam a pluralidade de mundos e a existência de outros seres dotados de inteligência e consciência.
Em todo o caso, a busca da vida extraterrestre poderá levar-nos a um entendimento mais profundo de Deus. Um Deus como a Fonte da Vida que é exaltada quando vivemos plenamente. Um Deus como a Fonte do Amor que é exaltada quando amamos imensamente. Um Deus como a Base da Existência que é exaltada quando temos a coragem de existir de modo fraterno com todo o Universo.