quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

E vós, quem dizeis que Eu sou?

"Falar de Jesus Cristo não é antes de mais enunciar dogmas, mas sim contar uma história, uma experiência, a da comunhão com um Amor que nos atingiu. O facto de ser preciso repetir estas evidências significa que são ainda numerosos aqueles que vêm o Senhor como uma verdade abstrata e fazem do texto evangélico mera ilustração ou reservatório de provas. Não é por acaso que os exegetas estão a redescobrir as virtudes da narrativa. Façamos votos de que não sejam eles os únicos a tirar proveito disso.”
Assim escrevia o padre jesuíta Jean-Noël Aletti, um teólogo francês, na sua obra “Voltar a falar de Jesus Cristo”,
Com efeito, no Credo, as afirmações sobre Jesus Cristo parecem "esquecer" o que lhe aconteceu entre o nascimento e a morte, paixão eressurreição.  
Neste contexto, não estaremos a esquecer-nos do mais importante? Vem aqui a ideia cada vez mais generalizada de que é necessário regressar ao Jesus da História e à narrativa que os Evangelhos, principal testemunho da sua vida e da sua mensagem, para que o Cristo da Fé (de acordo com a célebre distinção de Rudolph Bultmann) e aquilo que o Cristianismo proclama sobre ele se torne mais claro, mais compreensível, e existencialmente mais significativo para os homens e as mulheres do nosso tempo.  
Segundo o filósofo alemão Karl Jaspers (1883-1969), um dos principais pensadores do século XX, Jesus foi um dos quatro mestres fundamentais da História da Humanidade, juntamente com Buda, Confúcio e Sócrates. 
Em grande parte graças ao seu contributo, a Humanidade passou de uma consciência predominantemente mítica a uma consciência reflexiva, de uma consciência submersa na coletividade a uma consciência de identidade pessoal  Foi neste contexto que se deu uma profunda transformação espiritual, com o aparecimento das religiões universais e da filosofia e uma mudança na conceção do Divino, baseada em três princípios fundamentais: o monismo, o monoteísmo e a racionalidade critica.  
 Atualmente, pode-se afirmar que existem duas grandes concepções sobre a figura de Jesus: uma cristologia "a partir de cima", baseada na cultura greco-romana, que utiliza conceitos como "encarnação", "união hipostática" e "consubtancual ao Pai", e uma cristologia "a partir de baixo", baseada nas Escrituras bíblicas, que parte do Jesus histórico e tenta desvendar o mistério da sua pessoa. 
Jesus nunca se declarou a si próprio como Deus. Os Evangelhos relatam uma conversa interessante entre Jesus e um jovem (Mateus 19:16-22; Marcos 10:17-22; Lucas 18:18-23). Quando este jovem chamou Jesus de “Bom Mestre”, ele respondeu: "Porque me chamas bom? Ninguém é bom, senão um, que é Deus". 
A sua profunda humanidade manifestou-se na sua fé em Deus ena consciência de que tinha uma missão de relevância fundamental para a Humanidade.
Após a experiência pascal, na qual Deus ressuscitou Jesus de entre os mortos, que os discípulos compreenderam e testemunharam que ela é o Cristo e o Messias de Deus. Recordaram  que as suas palavras, as suas ações e a sua vida terrena exprimia uma relação de comunhão com Deus, que ele chamava de Abba, a palavra aramaica que significa “”Pai querido” ou “Papá”.
Através da vida e da mensagem de Jesus, as primeiras comunidades cristãs viveram a experiência de que Deus é Amor e acreditaram nele como o Filho de Deus, tendo em conta que a expressão “Deus” refere-se sempre ao Pai.  
Na sua pessoa, manifestou-se um Deus que ama incondicionalmente os homens e as mulheres de todos os tempos e de todos os lugares. Um Deus que ama a sua Criação e todos os seres existentes no Universo. Um Deus que tem uma predileção especial para os fracos, os excluídos e as vitimas deste mundo.  
Assim, Jesus mostrou que devemos agir como Deus: amar-nos, lutar pela dignidade da pessoa humana, promover a justiça e a fraternidade e sermos compassivos uns com os outros. 

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Jesus, o profeta reformador: a visão judaica de Géza Vermes


Um dos maiores especialistas contemporâneos sobre a História de Jesus e do Cristianismo primitivo foi, indiscutivelmente, Géza Vermes, que faleceu no dia 8 de maio do presente ano.
Nasceu em Makó, na Hungria, em 1924, filho de pais judeus, que se converteram ao Cristianismo quando Vermes tinha sete anos, que foi igualmente batizado. Durante a Segunda Guerra Mundial, os seus pais foram vítimas do Holocausto nazi.
Entretanto, Géza Vermes entra no seminário. Quando alcança os 18 anos, em 1942, os judeus não eram aceites nas universidades na Hungria, cujo regime autoritário então vigente era aliado da Alemanha nazi.
Após o final da guerra, é ordenado padre da Igreja Católica e prossegue os seus estudos bíblicos, inicialmente em Budapeste e posteriormente na Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica, onde apresentou a tese de doutoramento sobre os manuscritos do Mar Morto, que constitui ainda hoje uma obra de referência nesta matéria.
Em 1957, abandona o sacerdócio e a Igreja Católica, regressando ao Judaísmo. Contudo, a figura de Jesus continuou a desempenhar um lugar fundamental na sua atividade académica e na sua vivência em geral.
Passou a viver na Grã Bretanha, onde se tornou professor da Universidade de Newcastle upon Tyne, tendo posteriormente integrado a Universidade de Oxford. Em 1970, tornou-se membro da Sinagoga Judaica Liberal de Londres, mas insistiu que não se tinha convertido, mas que cresceu a partir do Cristianismo.
Vermes descreve Jesus como um homem santo judeu do século I da nossa era, que não chegou verdadeiramente a abandonar as estruturas mentais e religiosas do judaísmo do seu tempo. A sua finalidade não era romper com Israel, criando uma nova religião. Jesus foi essencialmente um reformador carismático. Não fez do seu messianismo uma bandeira política nem passou para a resistência armada aos poderes instituídos. Era um “homem de Deus”, um pouco heterodoxo, mas inserido no judaísmo popular da sua época.
Segundo Vermes, o cristianismo posterior a Jesus é uma religião respeitável, mas não acrescente nada de essencial ao judaísmo mais autêntico que ele preconizou e vivenciou.
Vermes acredita que era possível recuperar o evangelho autêntico de Jesus, isto é, a mensagem original transmitida aos seus seguidores.
A este respeito, é importante analisar um texto de Géza Vermes, exposto no livro “Quem é Quem no Tempo de Jesus”: 
“Por fim, o Deus de Jesus é um pai amoroso. Ele faz o Sol nascer e a chuva cair para o bem de todos; proporciona aos seus filhos o pão de cada dia. Protege os mais pequenos da tentação e liberta-os do mal. Perdoa-os a todos, até mesmo aos publicanos e às prostitutas, e dá-lhes a boas vindas no seu Reino. Em suma, a aspereza e a severidade são estranhas a esta representação de Deus de Jesus. Isto implicaria que ele se sentia otimista no que respeita ao êxito final da sua missão. Ele esperava dos filhos de Deus que estes encontrassem a sua própria salvação no Reino do seu Pai celestial.
A religião que Jesus ensinava era positiva e esperançosa.(…) Em oposição a esta religião teocêntrica, escatológica e existencial, pregada e praticada por Jesus, está o Cristianismo cristocêntrico, que dá ênfase às proezas sobrenaturais de um Deus encarnado. O Cristianismo não insiste, primariamente, que os homens se esforcem por obedecer aos ensinamentos e seguir o exemplo de Jesus. Caracteriza-se antes pela crença no poder redentor do sofrimento, da morte e da ressurreição de Jesus, qual ser humano deificado. Esta é uma nova religião, construída não sobre o evangelho simples e prático do profeta de Nazaré, mas sobre a visão mística do autor do Quarto Evangelho e de S. Paulo, a qual tem vindo a ser desenvolvida, ao longo dos dias de hoje, pelas várias Igrejas, até à consecução de um Cristianismo sazonado”.

O Jesus iluminado, segundo Deepak Chopra.


O Natal constitui uma oportunidade privilegiada para abordar a relevância de Jesus no percurso histórico e espiritual da Humanidade. No presente texto, será analisada a visão de Jesus segundo Deepak Chopra.
Deepak Chopra nasceu em Nova Deli, em 22 de outubro de 1947, vinte e um dias após a proclamação da independência da Índia em relação ao Império Britânico. Desde muito cedo, quis ser escritor. Por influência do pai, cardiologista, enveredou pela medicina. Já em Harvard, onde estudou, o seu trabalho ultrapassou as fronteiras da medicina convencional, apostando numa reformulação dos conceitos de saúde e das relações entre o corpo, a mante e o espírito. Autor de diversos livros, é internacionalmente reconhecido como um das principais personalidades na área do desenvolvimento pessoal e da espiritualidade. Em 1999, a revista norte-americana Time incluiu-o na sua lista das 100 personalidades mais marcantes do século XX, chamando-lhe “poeta e profeta das medicinas alternativas”.
Ao longo da sua extensa obra, entre outros temas, Deepak Chopra tem prestado uma atenção particularmente especial à figura de Jesus.
Segundo Chopra, podemos encontrar três dimensões de Jesus: primeiro, o Jesus histórico, que viveu há dois mil anos; em seguida, Jesus, o Filho de Deus, tal como é representado pelo Cristianismo; e finalmente, o terceiro Jesus, o mestre e guia espiritual, que alcançou a iluminação divina, cuja mensagem envolve a Humanidade como um todo.
Na sua perspetiva, o menosprezo pelo Jesus iluminado debilitou de forma profunda o Cristianismo e a espiritualidade humana em geral.
Para Chopra, por mais singular que seja a sua existência, fazer de Jesus o único Filho de Deus deixa o restante da Humanidade desamparada. Um grande abismo separa a santidade de Jesus da mediocridade do resto da Humanidade.
Embora milhões de cristãos aceitem essa separação, Chopra considera que ela não precisa de existir.
Por isso, ele coloca a seguinte questão: E se Jesus desejasse que cada um de nós desfrutasse a mesma comunhão com Deus alcançada por ele?
A sua conceção sobre Jesus parte da premissa de que esse era o seu desejo. Segundo Chopra, a comunhão de Jesus com Deus foi um processo que ocorreu dentro de sua mente.Do ponto de vista de Buda ou dos antigos rishis (profetas) indianos, Jesus atingiu a iluminação.
Ele queria ensinar-nos a atingir uma consciência mais elevada, e não apenas ser um exemplo glorioso dela. Jesus disse aos seus discípulos que eles poderiam fazer tudo o que ele fazia e mais. Declarou que eles eram a “luz do mundo”, o mesmo termo que usava para si mesmo.
Apontava para o Reino de Deus como um estado de graça eterno, não como um lugar distante no espaço e no tempo.
Em suma, o Jesus iluminado, que foi menosprezado nos dois últimos milénios acaba por ser o mais importante para os seres humanos do terceiro milénio.
De acordo com Chopra, a sua busca pela salvação ecoa nos corações de todos e de cada um de nós.
Pode-se concordar ou não com as ideias partilhadas por Deepak Chopra, mas não devemos ser indiferentes.
As visões sobre Jesus são necessariamente plurais. No seu livro “Os rostos de Jesus – Uma revelação”, o padre José Tolentino Mendonça escreveu: “não é a monodia que nos permite captar Jesus, mas a polifonia, com as suas variantes, os seus contrastes, os seus silêncios e singularidades”.  
Por conseguinte, as ideias de Deepak Chopra podem ser consideradas como um contributo relevante para compreendemos a riqueza de Jesus, ponto de cruzamento entre o humano e o divino, que marcou e marca a História da Humanidade.