sábado, 28 de junho de 2014

A era dos extremos.



28 de junho de 1914. O arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do Império Austro-Hungáro, e a sua esposa, a condessa Sofia, são assassinados na cidade de Sarajevo.
Este acontecimento fatídico foi o rastilho que provocou a eclosão da Primeira Guerra Mundial, que provocou dez milhões de mortes e modificou o curso da História.
Segundo o historiador britânico Eric Hobsbawn, o início da primeira Guerra Mundial marca o começo da Era dos Extremos que caracteriza o século XX.

As leituras da Biblia



A Bíblia é obra humana mais difundida e com maior número de traduções. A sua leitura e subsequente interpretação permite desvendar a forma como a pessoa humana se relaciona com o fundamento primordial e último da realidade. Deus. 
Pode-se considerar que existem três tipos de leitura da Bíblia:
- Teológica;
- Laica;
- Esotérica.
A leitura teológica é a que se realizada com base na convicção de que as Escrituras bíblicas são a palavra revelada por Deus, Atualmente, este tipo de leitura não exclui os instrumentos hermenêuticos, exegéticos, semióticos da ciência moderna, embora adaptando-os ao pressuposto de um conteúdo revelacional de origem divina. 
A leitura laica é a modalidade de leitura que considere os textos bíblicos somente pelo seu lado textual-documental. De um modo geral, este tipo de leitura serve-se de todo conjunto de métodos e técnicas de análise e de crítica de textos idêntica à que se pode aplicar a qualquer texto profano, antigo ou moderno, sem levar em consideração o lado espiritual dos textos. .
Por fim, a leitura esotérica. Seria mais correto falar de leituras esotéricas, tendo em conta a existência de uma pluralidade de esoterismos. Pode afirmar-se que a leitura esotérica considera que o texto das Escrituras bíblicas não esgota a totalidade dos seus significados numa leitura literal, mas contém significados ocultos, de cariz simbólico ou iniciático, que carecem de ser descodificados.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

A cruz e a morte de Jesus: uma interpretação para a contemporaneidade



Ao proferir contra Jesus a condenação à morte por crucificação, o prefeito romano Põncio Pilatos, o alto representante do imperador Tibério na Judeia, deu um desfecho trágico, sem que suspeite, ao maior processo judicial de toda a História da Humanidade. 

A responsabilização absurda e trágica do povo judeu
De uma forma errónea e perversa, o povo judeu foi responsabilizado pela morte de Jesus. Não era ele quem gritava. “Seja crucificado”. Era uma multidão de agitadores manipulados pelos inimigos de Jesus.
A grande maioria dos judeus, quer os habitantes de Jerusalém, quer as várias centenas de milhar de peregrinos que visitavam a Cidade Santa por ocasião da Páscoa, vindos do resto da Palestina e dos diversos locais da diáspora judaica, não teve conhecimento da prisão de Jesus, ou quando se informou, já era demasiado tarde, para encetar qualquer manifestação em seu favor, que seria certamente reprimida pelas tropas romanas.
Há que recordar que foi o povo judeu que tinha aclamado entusiasticamente Jesus como “Filho de David” e “Bendito aquele que vem em nome do Senhor”, quando este entrou em Jerusalém, montado num jumentinho, o símbolo da humildade e da mansidão.
O saudoso papa João XXIII lembrou aos cristãos de todo o mundo que era um grave erro contra a verdade histórica e contra a caridade fraterna tratar os judeus como um povo “deicida”, uma acusação que causou perseguições, massacres e, em última instância, este acontecimento inominável que recordamos como a Shoah ou o Holocausto. 

O conflito com os poderes terrenos
A prisão e a morte de Jesus foi o culminar de um conflito que ele teve com os poderes terrenos então vigentes na Palestina. A mensagem de amor e de libertação que Jesus proclamava e praticava estava nos antípodas da postura de opressão e de manipulação exercida por aqueles que detinham o poder.
Com efeito, é incorreto falar de oposição de Jesus ao judaísmo ou de ruptura com a sua identidade judaica.
Quando os Evangelhos canónicos foram escritos, nas últimas décadas do século I E.C., deve-se ter em conta que eles projetam sobre a vida de Jesus os conflitos existentes entre os cristãos, de origem e judaica ou gentia, e o judaísmo rabínico, sobretudo a partir do fatídico ano 70, quando as legiões de Roma destruíram Jerusalém e o seu Templo, na sequência da guerra judaico-romana (66-70 E.C.).
Certamente, Jesus tinha inimigos judeus, aliás poderosos. Aliás, os conflitos intra-judaicos não eram inéditos. Merecem menção os casos de muitos profetas do Antigo Testamento e do Mestre de Justiça da comunidade essénia de Qumram, que enfrentaram os poderes político e religioso e, consequentemente, foram perseguidos.
Sem dúvida, a atitude do movimento de Jesus diferia de outros grupos judaicos da época. Jesus anuncia um Deus de Amor, acolhedor e próximo da Humanidade, o que não ia propriamente de encontro às conceções exclusivistas, legalistas e ritualistas de muitos dos seus contemporâneos. 
Recorrendo a um esforço de síntese, considera-se que no conflito de Jesus com os poderes instituídos, podem ser distinguidos três aspetos.
Em primeiro lugar, a tensão na Galileia entre a cidade e o campo, entre as elites urbanas e a população rural, nomeadamente os camponeses e os artesãos. A renovação da vida social e espiritual que Jesus se identificou com o Reino de Deus teve grande eco na população rural da Galileia então um estado vassalo governado por Herodes Antipas..Jesus é muito crítico da elite urbana, que juntamente com os herodianos e os romanos, promoviam um novo tipo de civilização, de características urbanas e greco-romanas, à custa da pobreza e da marginalização da grande maioria da população. 
Considero que isso explica por que Jesus, que conhecia bem as cidades, devido à sua experiência em Séforis, evitou visitar as principais cidades durante o seu ministério, com exceção de Jerusalém, a Cidade Santa do judaísmo.
Em segundo lugar, merece menção o conflito com a aristocracia sacerdotal, composta por saduceus, que dominava o Tempo de Jerusalém, e alguns sectores de fariseus, cujos desvios religiosos e apego ao poder Jesus denunciou. O historiador judaico-romano Flávio Josefo escreveu os que os saduceus eram “mais cruéis que quaisquer outros judeus”. Já foi dito que entre o povo judeu, em geral, Jesus era muito popular. E tinha também amigos em cargos importantes, incluindo no próprio Sinédrio, a principal instituição política e religiosa do judaísmo.
O que se costuma designar de “purificação do Templo" foi visto como um desafio  inaceitável pelos sumos sacerdotes. Foi a gota de água que fez transbordar o copo e, provavelmente, desencadeou os eventos que levaram à morte de Jesus. Para compreender isso, deve-se ter em conta que o Templo tinha um papel central de cariz religiosa, política e económica Além de ser o centro espiritual do judaísmo mundial, cujas comunidades iam da Península Ibérica à Índia, o Templo era uma enorme fonte de rendimentos para a élite sacerdotal.
Os Evangelhos relatam um julgamento de Jesus perante o plenário do Sinédrio e uma reunião conspiratória na qual foi decidida a prisão e a morte de Jesus. De acordo com muitos especialistas , a reunião do plenário do Sinédrio e a proclamação que Jesus aí terá proferido são construções teológicas das comunidades cristãs. Contudo, existem dados que mostram que houve um julgamento de Jesus perante as autoridades judaicas, nomeadamente perante os sumos sacerdotes Anás e Caifás e os seus adeptos. Além disso, existe fundamento histórico na decisão da aristocracia sacerdotal em eliminar Jesus e na memória de uma reunião conspiratória para realizar este propósito. Porém, provavelmente não houve uma reunião formal do plenário do Sinédrio, que não podia reunir-se de noite, de acordo com a lei judaica.
Por fim, mas não menos importante, será focado o relacionamento com as autoridades romanas.
Há uma tendência exegética importante que considera que os Evangelhos canónicos têm uma tendência para menorizar o papel dos romanos na condenação e morte de Jesus
Contudo, a proclamação do Reino de Deus tinha, necessariamente, uma ressonância de crítica sociopolítica e de denúncia da ordem imperial que não podia ser indiferente aos romanos.
Não há dúvida também que a decisão de crucificar Jesus foi tomada pelo prefeito romano, conforme está indicado pelo uso da cruz, que era uma forma de execução romana.
Jesus foi considerado como revolucionário e perigoso. Jesus tinha mobilizado as massas populares, tinha suscitado expetativas messiânicas e muitos judeus consideravam-no como o Messias legitimo, tanto mais que era ele descendente do rei David.
Em todo o caso, existia uma forte relação de cumplicidade  e de colaboração entre a alta aristocracia judaica e os romanos. É evidente que ambos colaboraram estreitamente contra Jesus e a sua mensagem libertadora do Reino de Deus, porque ambos os poderes se viram confrontados por ela.

Interpretação da morte de Jesus
Como se pode contatar, a morte de Jesus teve um caráter eminentemente histórico. Foi o resultado dos conflitos provocados pela pregação e pela práxis de Jesus, que chocaram com os interesses religiosos, políticos e económicos das autoridades judaicas, bem com os interesses políticos do Império Romano que dominava a Palestina do século I E.C. Não foi o efeito de uma necessidade imposta por uma divindade ofendida pelo pecado da espécie humana, mas o corolário da fidelidade radicalmente coerente de Jesus à mensagem do Reino de Deus como Fonte Universal de Vida e de Amor, cujo conteúdo incomoda(va) os poderes instituídos. 
Também se deve destacar o caráter libertador da morte de Jesus. A cruz de Jesus torna-se um juízo de Deus contra o poder dos poderosos que não agem guiados pela verdade, mas por interesses ilegítimos e egoístas; pela arbitrariedade e pela opressão, esquecendo a promoção do bem comum e da dignidade da pessoa humana.
A cruz de Jesus se concretiza, historicamente, nos crucificados pelo mal existente no mundo, nos seres humanos que são vítimas das mais diversas formas de violência e de exclusão. Abraçar a cruz de Jesus, como o próprio propõe a cada um de nós, é assumir a solidariedade para com todos os seres humanos, nomeadamente os que são vítimas, e laborar em prol de um mundo livre do medo e da miséria.
Finalmente, a cruz de Jesus impele-nos a olhar para o interior mais profundo de nós próprios. Como reagimos perante a exploração, a tortura, a pena de morte, a guerra e tudo o que violenta a dignidade fundamental da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus?
Não esqueçamos que sempre que um ser humano é humilhado, violentado, torturado, condenado à morte ou executado, é Jesus que de novo é condenado, ultrajado, flagelado, coroado de espinhos e morte na cruz.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

E se o Dia D não tivesse acontecido?


Há setenta anos, decorreu a maior desembarque de todos os tempos, que marcou o inicio da libertação da Europa Ocidental da tirania do totalitarismo nacional-socialista.
No dia 6 de junho de 1944, uma terça-feira, cerca de cerca de 200.000 militares, provenientes de 8 países (Estados Unidos da América, Grã Bretanha, França, Austrália, Luxemburgo, Noruega, Nova Zelândia e  Polónia), desembarcaram nas praias arenosas da Normandia, no norte da França, ocupada pela Alemanha nazi desde 1940.
Passado pouco mais de onze meses, em 8 de maio de 1945, os dirigentes da Alemanha nazi assinavam a rendição incondicional perante os Aliados ocidentais e a União Soviética, que teve igualmente um papel fundamental no desfecho da guerra. Entretanto, em 30 de abril, Adolf Hitler, o homem que tinha prometido um Reich de mil anos, tinha suicidado, na fase final do maior conflito armado da História da Humanidade, que provocou mais de 55  milhões de mortos.
Muitas vezes, questiona-se como seria o mundo se o Dia D tivesse sido um fracasso para os Aliados.
Para além da análise contra factual de diversos historiadores, merece menção a narrativa do escritor britânico Robert Harris no seu romance “Fathlerland”-
Na sua obra, Harris refere um Reich alemão vitorioso que domina toda a Europa, incluindo a Grã Bretanha e a parte europeia da União Soviética. O Leste do continente passa a estar sob jurisdição direta do Reich Alemão. Na Europa Ocidental, os diversos países são na prática transformados em estados vassalos.
Os Estados Unidos da América permanecem como a única potência capaz de contrabalançar o imperialismo nazi, sobretudo depois da sua vitória sobre o Japão. Por conseguinte, os países da Commonwealth passam a estar integrados na esfera de influência americana.
Mas, para os europeus, a democracia e o Estado de Direito são suprimidos e o totalitarismo torna-se o pilar da organização social e política. Existem rumores de que os onze milhões de judeus europeus, oficialmente deslocalizados para o Leste, foram na realidade exterminados, mas são poucos os que ousam colocar questões incómodas, com receio da repressão impiedosa e brutal do Reich.
Sem dúvida que o nacional-socialismo e a Segunda Guerra Mundial continuam a ser dos temas mais apetecidos pela historiografia contemporânea, suscitando acaloradas polémicas e dividindo estudiosos. A dimensão das ambições imperialistas alemãs pode ser incluída, obviamente, no seio destas polémicas. A política de controlo e domínio da Europa seria, para prioritária a Alemanha nazi, até porque o controlo da Europa asseguraria uma posição geopolítica fundamental a nível mundial.
Ao pilhar os países europeus, desperdiçar a sua força de trabalho em massacres inúteis e não oferecer nenhuma opção aos povos dominados que não a dominação, o nazismo não conseguiu extrair, do continente, tudo o que poderia em termos de força militar, o que facilitou a sua derrota pelos Aliados. Na sua brutalidade, na sua violência gratuita, estava a semente da sua destruição e da resistência que milhões de homens e mulheres efetuaram, muitos deles com o sacrifício da sua própria vida.
Mas da luta e da resistência, nos tempos mais sombrios, emergiu um sonho. O sonho de uma nova Europa baseada em valores como a paz, a liberdade, a democracia, o Estado de Direito, a tolerância e a solidariedade. O sonho de um mundo em que os seres humanos possam viver livres do medo e da miséria material e espiritual.
Passados setenta anos, temos a responsabilidade de contribuir para a concretização do seu sonho.