quinta-feira, 19 de março de 2015

O pai esquecido de Jesus



No calendário litúrgico cristão, o dia 19 de março é dedicado a José, companheiro e marido de Maria e pai de Jesus. Trata-se de uma oportunidade privilegiada para refletir sobre o papel espiritual de José.
Juntamente com Maria, José manifesta a plena humanidade de Jesus, que não contradiz a fé de que a existência, de Jesus se explica, em última instância, a partir de Deus, à semelhança de cada um de nós.
A este respeito, é importante referir que o próprio Joseph Ratzinger, o papa emérito  Bento XVI, escreveu em 1969: "A filiação divina de Jesus não se baseia (...) no facto de Jesus não ter pai humano; a doutrina da divindade de Jesus não seria posta em causa se Jesus fosse o fruto de um casamento normal."
Com efeito, uma grande parte dos cristãos primitivos partilhavam a convicção de que Jesus era o filho de Maria e José, considerando que isto não colocava minimamente a sua fé em Jesus como Messias anunciado pelos profetas do Antigo Testamento, glorificado e exaltado por Deus.
Nas últimas décadas, diversos investigadores tem revelado esta dimensão esquecida do cristianismo primitivo. Geza Vermes, um dos mais ilustres especialistas mundiais das Escrituras bíblicas (canónicas e apócrifas), escreveu um dia:
“Na versão definitiva das genealogias, tanto Mateus como Lucas insinuam, que apesar de tudo aparentar o contrário, José não era de facto o pai do filho de Maria. As palavras do texto tradicional de Mateus (4:16) tentam fugir ao problema: «Jacob gerou a José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama Cristo.» Todavia, vários testemunhos textuais, alguns manuscritos e a tradição em siríaco do Sinai, afirmam que José era o pai de Jesus: «José, a quem estava prometido a virgem Maria, gerou a Jesus, que é chamado o Cristo.» O «Diálogo entre Timóteo e Áquila»,  de origem grega, que apresenta uma discussão entre um judeu e um cristão, confirma de modo sucinto, que «José gerou a Jesus, que era chamado o Cristo».(...) A propósito, a ideia de José ser o o pai natural de Jesus era professada pela antiga comunidade judaico-cristã dos ebionitas." 
Os próprios evangelhos canónicos também fazem referências a Jesus como o filho de José ou o filho do carpinteiro (Mc.6:3; Mt.13:55; Lc.4:22; Jo. 6:42).
Segundo as Escrituras bíblicas, José é um “homem justo”. A sua justiça emana da sua retidão interior, do acolhimento do dom da fé, e da elevada adoração para com Deus e do profundo afeto que ele tinha pelos seres humanos que partilhavam a sua vida, nomeadamente Maria, a sua amada companheira, e os seus filhos.
Nos Evangelhos do Novo Testamento, não faltam referências aos irmãos de Jesus e até chega a enunciar-se o número dos mesmos. De acordo com os evangelistas Marcos, Mateus e Lucas, os irmãos chamavam-se Tiago, José, Simão e Judas e existiam pelo menos duas irmãs, cujos nomes não são mencionados. Segundo a tradição cristã primitiva, as irmãs chamavam-se Maria e Salomé.
A conduta de José é características dos grandes indivíduos, de que nos fala a Bíblia, escolhidos e chamados por Deus para missões importantes.
Embora se considerassem pequenos, fracos e indignos, aceitavam e realizavam a missão, confiando em Deus como Fundamento da Existência e do Universo.
José não procurou os seus interesses, mas colocou-se inteiramente ao serviço dos que amava. O seu amor pela esposa, Maria, visava servir a vocação a que ambos tinham sido chamados. Deste modo, o casal chegou a uma união amorosa admirável, donde brotava uma enorme felicidade, inclusive nas situações mais adversas. Era a perfeição do amor, na sua dimensão mais elevada.
O amor de José por Jesus e pelos demais filhos era singular. Para José, os filhos não eram uma espécie de propriedade a quem impunha uma autoridade e afeto tirânico, como, não vezes, acontece. Considerava-os como seres que deveriam crescer, em graça e sabedora, com a cooperação essencial dos pais.
Os Evangelhos revelam Jesus como um ser cheio de cheio de amor, compaixão, bondade e sabedoria.  
É mais do que provável que ele foi uma criança que vivenciou amor, compaixão, bondade e sabedoria na sua família.
Os seus progenitores, Maria e José, foram em grande parte os responsáveis pela forma amorosa e ternurenta como Jesus encarava a relação entre a pessoa humana e o grande Mistério do Universo, da Vida e do Amor, a quem ele designava carinhosamente de Abba, que significa simplesmente papá.

sábado, 7 de março de 2015

A transfiguração de Jesus. a iluminação como encontro entre o céu e a terra




Na transfiguração, Jesus manifestou-se na sua comunhão com Deus. Os discípulos que a testemunharam – Pedro, Tiago e João – compreenderam a verdadeira identidade de Jesus.
Os discípulos já tinham percebido que Jesus era o Messias libertador anunciado no Antigo Testamento e que Israel tanto aguardava, mas ainda acreditavam que a missão messiânica de Jesus ia ser concretizada num triunfo sobre o Império Romano, a maior potência mundial da época, que também dominava a Palestina.
Com a transfiguração, mostra que que o seu pojeto messiânico não se vai concretizar em triunfos humanos, mas no amor e no dom da vida, até às ultimas consequências, culminando na cruz.
Na transfiguração, manifesta-se a glória de Jesus e atesta-se que ele é o filho amado de Deus e de que o projeto que apresenta a Israel e à Humanidade em geral é um projeto que vem de Deus. Um projeto que visa a libertação e a felicidade plenas da pessoa humana, que nos impele cada um de nós a valorizar a sua filiação e centelha divinas.
De ponto de vista literário, a narração da transfiguração é uma teofonia, isto é, uma manifestação de Deus. Com efeito, nos relatos dos Evangelhos de Marcos, Mateus e Lucas, os autores colocam no contexto da transfiguração todos os componentes das manifestações divinas associadas à mundividência judaica: o monte, as aparições, as vestes brilhantes, a voz provinda do céu, o temor e a perturbação daqueles que testemunham o encontro com o Divino. Todas estas componentes aparecem nos relatos das teofonias no Antigo Testamento.
De ponto de vista esotérico, a transfiguração pode ser entendido como a terceira das cinco grandes iniciações espirituais de Jesus (as outras quatro são o nascimento, o batismo, a ressurreição e a ascensão). A transfiguração retrata uma das grandes etapas do processo de iluminação de Jesus.  
O relato menciona que a transfiguração ocorre num monte, o que significa uma elevação do estado de consciiência. Nessa ocasião os predecessores de Jesus no caminho da salvação, representados por Moisés e Elias, os dois principais profetas do Antigo Testamento, participam desse momento de glória.
O facto da transfiguração ter ocorrido no alto de um monte (provavelmente o monte Tabor, na Galilleia) tem um elevado significado espiritual.
Representa o ponto no qual a natureza humana se encontra com o Divino, o encontro entre o temporal e o eterno, entre a matéria e o espírito, a terra e o céu.

domingo, 1 de março de 2015

E se Humberto Delgado tivesse sido eleito Presidente da República? Parte 2

Em 1 de julho, o General Humberto Delgado toma posse como Presidente da República Portuguesa. No seu discurso de tomada de posse, o novo Chefe de Estado anuncia as grandes linhas do seu programa de transformação do País, cujos principais pontos são os seguintes:
- Promover a independência de Portugal como Pátria Soberana no seu todo pluricontinental;
- Garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, tanto dos direitos civis e políticos, como dos direitos económicos, sociais e culturais, reconhecidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem;
- Permitir a plena expressão de todas as correntes de opinião política do Pais, de modo a facilitar a livre eleição, por sufrágio universal e direto, de uma Assembleia Nacional com plenos poderes constituintes;
- Pacificar a sociedade portuguesa pela obtenção de medidas concretas, como a reintegração de militares, professores e outros funcionários afastados, amnistia a todos os presos políticos ou indivíduos abrangidos pelas medidas de segurança;  
- Promover a implantação de uma ordem constitucional baseada na dignidade da pessoa humana, no respeito pela vontade popular livremente expressa, na separação dos poderes e no primado do Estado de Direito;
- Assegurar a instauração progressiva de um modelo político federal e descentralizado nas relações com o Ultramar, baseado na autonomia progressiva dos territórios ultramarinos e na igualdade de direitos de todos os seus habitantes, sem distinção de etnia, religião ou condição pessoal e social. 
. Respeitar os compromissos internacionais decorrentes dos tratados celebrados.
Após tomar posse como Presidente da República, Humberto Delgado nomeou um Governo de unidade nacional, presidido por Mário de Azevedo Gomes, uma das personalidades mais prestigiadas da Oposição Democrática, que tinha sido presidente do Movimento de Unidade Democrática e do Diretório Democrático Social 

No novo Governo, predominam as personalidades ligadas aos setores moderados da Oposição Democrática, como António Sérgio, Jaime Cortesão e Mário Soares,

A ala liberalizante do Estado Novo está representada por Botelho Moniz, titular da pasta da Defesa, e por Adriano Moreira, Vice-Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Ultramar.
O novo Governo toma um conjunto de medidas conducentes à democratização do País: a extinção da PIDE e da Legião Portuguesa, a abolição definitiva da censura, a libertação de todos os presos políticos, a autorização da formação de partidos políticos e de sindicatos livres, o regresso dos exilados.
No plano ultramarino, é revogado o Estatuto do Indigenato e outra legislação discriminatória e são adotas medidas conducentes a uma liberalização da vida política e social e á convivência harmoniosa entre os diversos grupos étnicos, religiosos e culturais, como a livre formação de partidos políticos e de associações, a transformação dos conselhos legislativos em assembleias legislativas e a reestruturação das forças de segurança .  
De modo a assegurar o respeito pela Constituição de 1933, Humberto Delgado propõe que a Assembleia Nacional vote uma Lei da Reforma Política. A Lei da Reforma Política reconhece a democracia pluralista como regime política e a realização de eleições para uma Assembleia Nacional dotada de poderes constituintes, por sufrágio universal e direto.  
No dia 1 de março, realizam-se eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, formada por 150 deputados, dos quais metade representam os territórios ultramarinos.
A nova Constituição consagra os direitos fundamentais dos cidadãos, o pluralismo político, a separação dos poderes, o primado da lei e do direito e uma organização da vida económica e social baseada nos princípios da economia social de mercado.
Sob o impulso de Humberto Delgado, a nova Constituição consagra um modelo político federal nas relações entre Portugal e os seus territórios ultramarinos.  
A nova Constituição é objeto de referendo em 1 de outubro, tendo sido aprovada por 75,9% dos votantes, e entra em vigor em 1 de janeiro de 1960.  
A grande inovação da Constituição foi a criação da Comunidade Portuguesa como União federal. Para alem de Portugal, foram reconhecidos como Estados Angola, Moçambique, India Portuguesa, Guiné-Bissau. As outras províncias ultramarinas (Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Macau e Timor) foram consideradas como regiões autónomas unidas a Portugal. 
Cada um dos Estados é uma entidade independente, com poderes e direitos devidamente respeitados, embora unido aos outros Estados no respeito pela Constituição, que é reconhecida como a lei suprema.
Todos os Estados confiaram definitivamente na União os poderes fundamentais de assegurar a defesa, dirigir a política externa, cobrar impostos federais e regulamentar o comércio externo e interestadual.
Os Estados têm um grande número dos poderes fundamentais. Para além de terem a sua própria Constituição, os principais consistem no direito de cobrar impostos estaduais e de legislar sobre assuntos como a propriedade privada, a indústria, o comércio, a saúde, as obras públicas, o ensino e a segurança pública, desde que essas leis não sejam contra a letra e o espírito da Constituição Federal.
Para além das instituições governativas da União e dos Estados, é reconhecida a autonomia das províncias, dos distritos e dos municípios e ainda de outros órgãos do poder local, como as autoridades tradicionais, reconhecidas nos Estados de África e em Timor.
O território de Portugal continental é dividido em cinco províncias: Minho, Douro e Trás os Montes; Beiras; Estremadura e Vale do Tejo; Alentejo; Algarve. Os Açores e a Madeira são reconhecidos como regiões autónomas. Os municípios são considerados como a base da organização política, tanto em Portugal como nos demais Estados da Comunidade.

E se Humberto Delgado tivesse sido eleito Presidente da República? - Parte 1


No dia 13 de fevereiro, assinalou-se o 50.º aniversário do assassinato do “General Sem Medo”.
É legítimo perguntar o que aconteceria se Humberto Delgado tivesse sido eleito Presidente da República nas eleições de 1958, provavelmente um dos atos eleitorais mais decisivos do Portugal do século XX.
Eis o relato imaginário de um Portugal alternativo, que começa com a campanha eleitoral de um Delgado que não só foi eleito, como cumpriu dois mandatos no Palácio de Belém, desempenhando as responsabilidades de Chefe de Estado até 1972.
Maio de 1958. Numa conferência de imprensa realizada no café lisboeta Chave D’Ouro, a 10 de Maio de 1958, em resposta a um jornalista da agência noticiosa France Press que lhe pergunta qual o destino que daria a Salazar no caso de ganhar as eleições, Humberto Delgado responde de forma direta:  "Obviamente demito-o"
A vasta mobilização popular que se seguiu permitiu criar pela primeira vez em três décadas a perspetiva de uma transformação politica do Pais no sentido da sua democratização.  
O carisma do "General sem medo" surgiu como um fenómeno inesperado, bem como a erupção de massas no processo eleitoral. O candidato da oposição anunciou o então facto inédito de não desistir da ida às urnas.
O povo do norte de Portugal concentrou-se numa enorme manifestação no Porto, com mais de 100 mil pessoas, a fim de o receber poucos dias após a sua declaração contra o ditador. Esta jornada a 14 de maio de 1958 revitalizou um velha tradição democrática e liberal que a ditadura do Estado Novo não conseguira extinguir após mais de trinta anos de vigência. Receando que a popularidade de Delgado se espalhasse de Norte a Sul do país, Salazar proibiu a deslocação deste a Braga - um baluarte do catolicismo e berço da revolução do 28 de Maio de 1926, que derrubara a 1.ª República. A cidade foi ocupada por 5 mil membros da Legião Portuguesa - medida preventiva de intimidação e de exibição do poder que todavia não impediu vastas concentrações de pessoas pelas cidades e vilas do Norte do País de aclamarem o candidato da oposição democrática.
Apanhado de surpresa pelo levantamento espontâneo do entusiasmo popular por todo o país, o regime tomou medidas de emergência destinadas a evitar mais demonstrações em Lisboa. Assim, após a chegada de Delgado à estação de Santa Apolónia a 16 de Maio de 1958 as forças da Guarda Nacional Republicana e os agentes da PIDE exerceram repressão sobre a população de Lisboa que acorrera em massa para acolher Delgado. É aqui que começa a versão contrafatual da História.
Descontrolado, o Ministro da Defesa Nacional, o General Fernando da Santos Costa, uma das principais figuras dala mais conservadora e direitista do regime, ordena a detenção de Delgado e determina que  as forças da Guarda Nacional Republicana, da PIDE e da Legião Portuguesa que abram fogo diretamente contra a população que se manifestava pacificamente. O resultado é um verdadeiro massacre. Meia centena de mortos e várias centenas de feridos, muitos deles em estado grave.
Ao ter conhecimento do massacre, o Presidente da República, General Craveiro Lopes, cujas divergências com Salazar eram já conhecidas, ao ponto de ter sido preterido como candidato presidencial da União Nacional a favor do quase desconhecido Contra-Almirante Américo Tomás, exige ao velho ditador a libertação de Delgado, a demissão imediata de Santos Costa, a abertura de um inquérito judicial independente aos trágicos incidentes e garantias de um processo eleitoral justo e transparente.
Simultaneamente, contacta secretamente com o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, General Jorge Botelho Moniz, sobre a lealdade das Forças Armadas no caso de tomar “as medidas excecionais necessárias para a salvaguarda da dignidade da Nação e dos seus cidadãos”.
As noticias do massacre são rapidamente noticiadas pelos meios de comunicação a nível mundial, A censura salazarista não consegue vencer a globalização da comunicação. A condenação internacional é unânime, incluindo nos países aliados membros da Aliança Atlântica.
No meio da turbiçhão, Salazar procura ganhar tempo. Perante a ausência de resposta conclusiva de Salazar, que alega que as forças de segurança atuaram na “legítima defesa da ordem pública contra a subversão”. Craveiro Lopes reside agir.
Na madrugada de dia 21 de maio, forças do Exército ligadas ao Estado-Maior General das Forças Armadas assumem o controlo dos principais pontos estratégicos de Lisboa e do País. A Força Aérea sobrevoa Lisboa e Porto. As instalações das principais instituições repressivas, nomeadamente da PIDE e da Legião Portuguesa, são cercadas.
Ao meio dia, os portugueses e o mundo são confrontados com a aparição pública do General Craveiro Lopes na rádio e na televisão.
O Presidente da República anuncia a destituição de Salazar e do seu Governo, a nomeação de um Governo de salvação nacional presidido pelo General Jorge Botelho Moniz e o cumprimento da Constituição Política da República de 1933, nomeadamente do célebre artigo 8.º, tantas vezes ignorado e desprezado, que garante a todos os cidadãos portugueses os direitos fundamentais. 
Cercado na sua residência do Palácio de Sâo Bento, Salazar contacta com chefias dos três ramos das Forças Armadas, mas estes estão do lado do movimento mlitar ou preferem a via da neutralidade, como é o caso da Armada.  Exasperado, Salazar ordena à PIDE, à Legião Portuguesa e à GNR para que contra-ataquem, mas os seus dirigentes preferem negociar com Craveiro Lopes e os chefes militares que lhe estão próximos uma solução de compromisso. No final da tarde, Salazar, Santos Costa e outros membros do Governo são detidos. Posteriormente, Salazar será enviado para o exílio no Brasil de avião. Ironicamente, Salazar detestava a aviação.
No dia 22 de maio, no Palácio de Belém, Jorge Botelho Moniz toma posse como novo Presidente do Conselho de Ministros.
O novo Governo anuncia a libertação de Humberto Delgado e dos presos por “atividades políticas não violentas e não extremistas”, a supressão da censura à imprensa, a abertura de um inquérito judicial independente ao massacre de Lisboa e a garantia de um processo eleitoral justo e transparente.  
Contudo, apesar das novas medidas, a Legião Portuguesa e a PIDE mantém-se. Os seus dirigentes ordenam aos seus subordinados para que não atuem e permaneçam aquartelados nas instalações, que são protegidas por forças militares. A União Nacional implode, dividindo-se entre os que atacam o golpe militar e os que o consideram um “mal menor", como são os casos de Marcelo Caetano e Albino dos Reis. 
O Contra-Almirante Américo Tomás renuncia à sua candidatura presidencial, sendo indigitado em sua substituição, um civil, Mário de Figueiredo, membro do Conselho de Estado, deputado da Assembleia Nacional e um dos proeminentes dirigentes do Estado Novo. Ironicamente, o novo candidato presidencial é conhecido pelas suas simpatias monárquicas. Em 1951, após o falecimento do Presidente Óscar Carmona, foi um dos principais defensores da restauração da Monarquia, uma tentativa que falhou devido à atuação da ala liberalizante liderada por Marcelo Caetano e à preocupação de Salazar em manter os equilíbrios entre as diversas fações políticas que suportavam o Estado Novo.     
Libertado da prisão, Humberto Delgado é recebido por Craveiro Lopes. Ao sair do Palácio de Belém, o General Sem Medo apela à “pacificação da grande família portuguesa” e “reconciliação genuinamente patriótica entre todos os portugueses de boa vontade”.
Delgado tem presente de que a situação política é especialmente delicada. Se Salazar foi destituído, o Estado Novo permanece.
A sua prioridade é vencer as eleições presidenciais de 8 de junho, para depois empreender a transformação do regime político.
Percorrendo o Pais de lés a lés, Delgado apela à paz e à reconciliação como condições fundamentais para a subsequente democratização. A adesão da população aumenta a cada dia que passa.
Entretanto, o advogado Arlindo Vicente, apoiado pelo Movimento Nacional Democrático, movimento unitário ligado ao ilegalizado Partido Comunista Português, desiste a favor de Delgado, em prol da “unidade nacional e democrática”.
No dia 8 de junho, realizam-se as aguardadas eleições. Humberto Delgado obtém um resultado triunfante. 62,5% dos eleitores votam no General Sem Medo. Ao tomar conhecimento dos resultados, o povo português sai à rua para festejar, tendo sido acompanhado pelas populações dos territórios ultramarinos.