domingo, 14 de junho de 2015

O Divino no budismo e no cristianismo: pistas para uma espiritualidade de diálogo


Muitos autores consideram o budismo como uma religião ateia, na qual não existe lugar para Deus, entendendo-se por Deus a Realidade que transcende o Universo, a Natureza e a Humanidade. Alguns consideraram inclusive o budismo como uma filosofia de vida e não como uma religião.
Uma das principais razões para isso é o facto de Sindartha Gautama, o fundador do budismo, ter preconizado uma mensagem espiritual mais baseada na ortopraxia, isto é, na busca de vida eticamente correta e orientada, do que na ortodoxia, ou seja, na formulação de uma doutrina dogmática estruturada e formalizada.
Com efeito, Sindartha Gautama, num dos seus discursos, estabeleceu a sua posição:
«Que o mundo é eterno ou não, não expliquei e porque não expliquei? Isso ocorreu porque essa conexão não é essencial para a conduta e não determina por recusar nem a falta da paixão, nem o conhecimento, nem desperta o nirvana.»
Sindartha Gautama, na sua qualidade de Buda histórico, não nega ou afirma que o Universo teve o seu princípio pelo ato de uma divindade criadora, desvalorizando as questões sobre a origem do Universo
Além disso, o budismo enfatiza o sistema de relações causais subjacentes ao Universo, que são de ordem natural, desvalorizando a dependência de fenómenos ou realidades sobrenaturais para explicar o comportamento da matéria.
De acordo com o budismo, o principal objetivo da espiritualidade é a superação do sofrimento (duhkha), provocado pelo ciclo dos renascimentos (samsara), e a concretização do nirvana enquanto caminho da salvação.
Embora os budistas rejeitem a conceção teísta de Deus, característica das religiões do Ocidente e do Próximo Oriente, nomeadamente do cristianismo, do judaísmo e do islão, aceitam a existência de uma realidade espiritual última, considerada como a vacuidade de tudo o que existe, a quem denominam Paramârthasatya (em sânscrito) ou Paramthassaca (em pali), que significa “Grande Ser”, “Poder do Transcendente” ou “Autoridade Espiritual Suprema.
Um erro comum a muitos ocidentais é a confusão entre os conceitos de Deus e de Buda. Para comparar o que o budismo diz do Buda histórico e do Buda eterno com o que o cristianismo diz do Deus que Jesus manifesta, podemos distinguir três realidades distintas, que correspondem às três manifestações de Buda chamadas buddha-kaya.
A primeira chama-se Nirmana-kaya, que corresponde ao Buda histórico, isto é, a Sindartha Gautama, ao corpo assumido e manifestado neste mundo, num determinado contexto espácio-temporal. Corresponde igualmente ao corpo histórico de Jesus de Nazaré, o Cristo histórico.
A segunda manifestação é a chamada Sambboga-kaya, que corresponde ao corpo glorioso, que desfruta de ter alcançado a conexão com o Divino. Deste segundo corpo, afirma-se que não tem forma, segundo os nossos padrões espácio-temporais, mas pode falar-se dele como tornado visível numa figura humana.
Da mesma forma que Jesus tornou-se o Cristo ao receber o Espírito de Deus no momento do seu batismo, nas águas do rio Jordão, Sindhartha tornou-se o Buda, o Iluminado, no momento do seu despertar debaixo da árvore bondhi.    
Por fim, a terceira manifestação é a denominada Dharma-kaya, o corpo essencial ou o corpo-verdade, que está para além do espaço e do tempo. Corresponde ao conceito cristã de Logos, a luz pelo qual tudo existe, que emana diretamente do Divino.
É preciso ter em conta que Buda não é uma divindade encarnada. Buda significa alguém que alcançou a iluminação e posteriormente se dedicou a ajudar outros seres a alcança-la. O conteúdo revelado nesta ilimunação é o Dharma, a realidade autêntica, como unidade de luz e vida, de felicidade e amor.
Neste sentido, os budistas podem aceitar Jesus é manifestação do Dharma, mas não a única. Aqui, dividem-se os cristãos. Os que insistem que só Jesus é o Cristo e os que consideram que Cristo é mais abrangente do que Jesus e que Deus é o Mistério fundamento do Universo e da Vida que se manifestou em Jesus.
Em novembro de 2012, o teólogo cristão Jean-Yves Leloup, defensor do diálogo inter-religioso, disse no Rio da Janeiro, a Cidade Maravilhosa. «Quando um homem se encontra num quarto escuro, tem de abrir todas as janelas: a janela que está virada para o Ocidente e a janela que está virada para o Oriente. Temos necessidades de todas as luzes. Ontem como hoje, temos necessidade da luz do Buda e da luz do Cristo».
Carl Justav Jung disse também que Jesus, o Cristo, e Sindartha, o Buda, representava cada um o Verdadeiro Eu, para o Ocidente e Oriente, respetivamente,  
Numa época na qual a Humanidade se confronta com tantos desafios, a espiritualidade do futuro será a espiritualidade que abra novos horizontes para a nossa mente e alargue a generosidade do nosso coração.
Uma espiritualidade que escutando o Dharma e respirando o Espirito, promova a transmutação do ser humano pela prática do amor incondicional, da compaixão, do altruísmo e do desapego.
Uma espiritualidade que transforme as relações dos seres humanos entre si, com a Natureza e com a Fonte originária de onde emana todo o Universo.