No dia 8 de Setembro, o calendário litúrgico cristão assinala o nascimento
de Maria, mãe de Jesus. Trata-se de uma oportunidade privilegiada para uma
reflexão sobre o papel de Maria no Cristianismo contemporâneo..
A História ajuda-nos a compreender as diferenças entre as diversas
confissões cristãs. Os caminhos da Igreja bifurcaram-se ao longo dos
séculos e com ela a percepção sobre o papel de Maria . Nas Igrejas do Oriente, a devoção mariana
começa no século III, enquanto no Ocidente torna-se algo mais relevante no
século IV, mas foi a partir do século X que esta devoção teve uma expressão
mais significativa na religiosidade popular e na liturgia. Mais tarde, com a
Reforma Protestante, há uma ruptura com a veneração de Maria professada pela
Igreja Católica Romana.
O Concílio Vaticano II, após um longo debate, optou por integrar um
capítulo sobre o papel de Maria na Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre
a Igreja, criando condições para um diálogo ecuménico entre cristãos de diferentes
confissões.
O documento conciliar fez vir à luz um rosto humano de Maria, revelando a
Maria das Escrituras, a mulher de Nazaré que aceitou e testemunhou o chamamento
de Deus. O papel de Maria foi posto no seu devido lugar, centrado no
mistério de Cristo e da Igreja, intimamente unida a Cristo e a Igreja, ao mesmo
tempo que muito próxima de Cristo, mas por outro lado unida a Igreja e como
parte dela.
O Concílio Vaticano II abriu um novo tempo no diálogo ecuménico, no qual a
figura de Maria foi submetida a uma intensa releitura, com a recuperação do
património de tradições teológicas e litúrgicas comuns.
Esse novo percurso tem sido enriquecido por estudos, diálogos, encontros
locais e internacionais, com o envolvimento de cristãos de diversas confissões.
De modo a abrir caminho para uma imagem de Maria adequado à realidade do
século XXI, parecem importantes as seguintes linhas orientadoras:
- Segundo o Novo Testamento, Maria constitui um ser plenamente humano e
nada tem de um ser celeste. Maria é a mãe de Jesus. E não só. As Escrituras
falam dos irmãos e das irmãs de Jesus. John P. Meier, possivelmente o
maior especialista em exegese histórica dos evangelhos, escreve : "Se
o historiador ou exegeta - deixando de lado a fé e a posterior doutrina da
Igreja - for solicitado a emitir um julgamento sobre o Novo Testamento (...),
encarados apenas como fontes históricas, a opinião (...) é que os irmãos de
Jesus eram legítimos."Sendo mulher e mãe, ela manifesta a plena humanidade
de Jesus, que não contradiz a fé de que a existência de Jesus se explica, em
última instância, a partir de Deus. A este respeito, é importante referir que
o próprio Joseph Ratzinger, o papa emérito Bento XVI escreveu em
1969: "A filiação divina de Jesus não se baseia (...) no facto de Jesus
não ter pai humano; a doutrina da divindade de Jesus não seria posta em causa
se Jesus fosse o fruto de um casamento normal."
- Maria constitui um modelo de fé. As palavras de Maria no Novo Testamento
revelam uma espiritualidade profunda e conservam na atualidade todo o sentido.
Maria louva Deus que derrubou os poderosos e exaltou os humildes. O seu papel
foi relevante na forma revolucionária como Jesus encarava as mulheres e o seu
papel espiritual e social. Jesus foi um grande defensor da dignidade feminina,
convidando inclusive mulheres para o seu círculo mais intimo de discipulos.
Recorde-se o papel fundamental de Maria Madalena e de outras mulheres nas
comunidades primitivas.
Maria, ou melhor, Myriam, uma mulher judia, que foi esposa e mãe, que
sofreu por Jesus e com ele. Mas que nunca perdeu a esperança. Que conhecemos
por causa de Jesus. Porque cada criança é um espelho da sua mãe. Partilhando em tudo a
nossa condição humana, mas que contribuiu para transformar a História.