quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

O planeta das cidades


As cidades desempenham um papel importante na vida da Humanidade. Não só albergam a maioria da população mundial, como também desempenham um papel essencial no desenvolvimento das sociedades contemporâneas.
Com efeito, a relevância das cidades na economia mundial atual não tem precedentes. Até à Revolução Industrial, nos séculos XVIII e XIX; a história da Humanidade era predominantemente rural, tendo em conta que  apenas cerca de 10% das pessoas viviam nas cidades.
Atualmente, a percentagem de habitantes de cidades na população mundial ascende a cerca de 53% e deverá aumentar para cerca de dois terços em meados do nosso século.
Em termos económicos, estima-se que as cidades mundiais representem atualmente mais de 80% do rendimento mundial. Nas próximas décadas, prevê-se que a maior parte dos novos empregos, serão criados nas cidades, oferecendo meios de subsistência a centenas de milhões de pessoas, nomeadamente nos denominados países emergentes, como a China, a índia e o Brasil.
As cidades são também centros de inovação para as políticas públicas. Todos os dias, em grande parte devido a uma maior proximidade, os cidadãos exigem dos poderes públicos locais que assumam as suas responsabilidades em matérias tão diversas como o ordenamento do território, as infraestruturas básicas, a mobilidade, a proteção contra desastres e serviços de emergência em situações de catástrofe, a defesa do meio ambiente e a promoção do desenvolvimento social e cultural, tendo em conta que o enquadramento legal da sua organização e do seu financiamento é definido pelos Estados nacionais ou pelos Estados federados, no caso dos países com uma estrutura política de cariz federal.  
Assim, não é surpreendente que enquanto os Estados nacionais são frequentemente paralisados pelas questões político-partidárias, os governos locais fomentam a inovação.
O desenvolvimento sustentável oferece um novo conceito para a economia mundial no século XXI. Mais do que o foco somente na produção, no rendimento e no consumo, o desenvolvimento sustentável encoraja as cidades, os países e o mundo a centrarem a atenção na melhoria contínua da qualidade de vida para as gerações atuais e vindouras, através da criação de comunidades sustentáveis capazes de gerir e utilizar os recursos eficazmente e valorizar o potencial de inovação ecológico e social, assegurando prosperidade, proteção ambiental e coesão social.
As cidades estarão na linha da frente da batalha na promoção do desenvolvimento sustentável. Perante as mudanças ocorridas em torno do modelo de desenvolvimento das sociedades, existe uma visão consensual sobre as cidades contemporâneas, as quais deverão:
- Promover um elevado grau de inclusão e coesão social, respeitando os direitos fundamentais de cidadania e a diversidade cultural;
- Garantir um elevado nível de proteção e melhoria da qualidade do ambiente;
- Dinamizar uma economia próspera, inovadora e respeitadora do ambiente, que proporcione elevados níveis de emprego e de qualidade de vida.
Para assegurar a prossecução das finalidades estratégicas acima enunciadas, as cidades precisam de modernizar a sua governação. Com efeito, é crucial promover uma governação eficiente e próxima das aspirações quotidianas dos cidadãos, promotora de uma cultura participativa e solidária, condições fundamentais para a construção de comunidades construídas por todos e para todos. 
Além disso, as cidades devem promover a cooperação entre si. A governação dos assuntos públicos de âmbito metropolitano ou intermunicipal é, assim, crucial, pois o desenvolvimento urbano sustentável e inteligente requer redes que operam a uma escala supramunicipal.
De acordo com o princípio da subsidiariedade, devem atribuir preferencialmente as responsabilidades pelas políticas públicas ao nível de governo mais próximo dos cidadãos.
Mas, deve-se promover igualmente uma governação pública muti-nível ou multiescalar, baseada na cooperação entre diferentes níveis. O leque de instituições envolvidas na definição e concretização das políticas tem de ser alargado de modo a incluir uma maior diversidade de parceiros, inclusive os cidadãos.
Os Estados nacionais, em articulação com a Organização das Nações Unidas, estão agora a negociar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (SDG, na sigla em inglês), que vão orientar a agenda mundial de desenvolvimento de 2015 a 2030.
Em 25 de setembro de 2013, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas deliberou que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável devem ser formalmente adotados numa cimeira mundial em setembro de 2015
Os efeitos negativos da globalização, as tendências demográficas e a crise económica ameaçam a coesão económica, social e ambiental. Assiste-se a um aumento da segregação e da polarização socioeconómicas. Os recursos naturais e a energia não estão a ser utlizados de forma sustentável.
Por conseguinte, é da responsabilidade de todos os níveis de governação pública, das organizações da sociedade civil e dos cidadãos garantir que o pleno potencial das cidades e do nosso planeta em geral possa ser aproveitado em benefício de todos os seus habitantes. O futuro da Humanidade depende do futuro das nossas cidades.


terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Curar a terra estéril

Jerusalém, 1948. A caminho do trabalho, Hind Husseini depara-se com 55 crianças palestinas órfãs na rua. Ela leva-as para casa, para lhes dar comida e abrigo. Passados seis meses, as 55 crianças passaram a quase 2.000, e assim nasceu o Instituto Dar Al-Tifel.
Com 7 anos, Miral foi enviada para o instituto pelo seu pai, um dos guardiães da Mesquita Al-Aqsa, após a morte da sua mãe. Educada na segurança deste instituto, ela é ingénua face aos problemas que a rodeiam. Agora já com 17 anos, é destacada para dar aulas num campo de refugiados, onde desperta para a realidade de luta do seu povo. Quando Miral se apaixona pelo ativista Hani, percebe que está dividida entre a luta política pelo futuro do seu povo e a crença de Mama Hindi, de que a educação é o único caminho para a paz.
Esta é uma pequena sinopse do filme “Miral”, que aborda um dos conflitos mais graves dos nossos tempos: o conflito israelo-palestino.
Após décadas de negociações, existem três questões fundamentais que sempre impediram um acordo final:
- Israel quer permanecer como um Estado judeu, com uma maioria judaica;
- O direito de retorno dos refugiados, reivindicado pelos palestinos;
- O estatuto de Jerusalém, cidadã santa para cristãos, judeus e muçulmanos, que constituem atualmente cerca de 60% da Humanidade.
Portanto, um plano de paz justa e duradoura a longo prazo implica um compromisso que deve assegurar ao mesmo tempo a sustentabilidade demográfica de um Estado judeu de Israel e o reconhecimento do direito de retorno aos palestinos.
A solução passa por uma nova subdivisão de toda a área de Israel-Palestina em três entidades políticas, dois Estados nacionais e uma entidade binacional:
- O Estado de Israel;
- O Estado da Palestina;
- A Entidade Partilhada de Israel-Palestina (binacional).
Em Israel, atualmente 92% dos judeus vivem em regiões homogéneas, onde há uma maioria judaica de mais de 90%.
A maioria dos palestinos vivem numa sociedade mono-nacional na Faixa de Gaza, bem como nas denominadas áreas A e B da Cisjordânia, classificadas como tal pelo Acordo de Oslo de 1993, celebrado entre o Estado de Israel e a Organização de Libertação da Palestina, que criou a Autoridade Nacional Palestina.
No entanto, existem áreas em Jerusalém, em Israel e na Cisjordânia, onde a proporção entre judeus e palestinos se situa entre os 70/30 e 30/70. Há pessoas que vivem de facto numa sociedade binacional. 
O enquadramento jurídico de uma sociedade binacional é bem diferente de um Estado nacional. A Entidade Partilhada deve basear-se num elevado grau de autonomia municipal para as diversas comunidades qeu a constituem.
Aliás, Jimmy Carter, o Presidente dos Estados Unidos da América que mediou o tratado de paz entre Israel e o Egito, tinha defendido, sem sucesso, para Jerusalém, o seguinte estatuto:
“Jerusalém, a cidade da paz, é considerada santa pelo judaísmo, pelo cristianismo e pelo islamismo e todos os povos devem ter-lhe livre acesso e usufruir da liberdade de culto e do direito de viajar e a atravessar os lugares santos, sem distinção ou discriminação. Os lugares santos de cada fé estão sob administração e controlo dos seus representantes. Um conselho municipal representativo dos seus habitantes supervisionará as funções urbanas essenciais, como sejam os serviços públicos, os transportes públicos e o turismo, e assegurará a cada comunidade a possibilidade de manter as suas próprias instituições culturais e educacionais”.
A divisão em três entidades adapta-se a diferentes conceitos sobre o futuro politico e constitucional da Israel-Palestina:
- A solução de dois Estados com uma administração conjunta da Entidade Partilhada;
- A Confederação de três Estados; Israel, Palestina e a Entidade Partilhada;
- A República Federal da Israel-Palestina.
Em todo o caso, uma paz justa e duradoura passa pelo estabelecimento de uma relação de estreita cooperação entre israelitas e palestinos, em áreas estratégicas como as relações internacionais, a segurança, os recursos hídricos, as políticas macroeconómicas, a promoção dos direitos humanos e a proteção dos lugares santos de todas as religiões existentes na Terra Santa.
A paz entre israelitas e palestinos não poderá ser alcançada e salvaguardada sem esforços criativos e inovadores. 
A cooperação promoverá a partilha de interesses comuns e introduzirá o fermento de uma comunidade mais vasta e profunda entre populações durante muito tempo opostas por divisões sangrentas, contribuindo para uma paz justa na Terra Santa.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Tudo o que é necessário para o triunfo do mal, é que os homens de bem nada façam

Um documentário realizado por Alfred Hitchcock foi descoberto na década de 1980, mas o filme nunca passou na íntegra. Agora, o Museu de Guerra em Londres anunciou que a fita restaurada vai passar na televisão este ano. É um retrato chocante e comovedor, que impressionou o próprio mestre do suspense.
O documentário foi descoberto na década de 80 mas o filme nunca passou na íntegra. Agora, o Museu de Guerra de Londres anunciou que a fita restaurada vai passar na televisão este ano.
É um retrato chocante e comovedor, que impressionou o próprio mestre do suspense. As imagens foram recolhidas pelo Exército britânico, durante a libertação do campo de concentração de Bergen-Belsen, no norte da Alemanha, em abril de 1945.
Os militares britânicos foram recebidos por presos em agonia, crianças doentes e esfomeadas, mulheres que lhes beijavam as mãos. As imagens são chocantes e ao mesmo tempo poderosas, com a morte derramada pelo chão e valas comuns.
Por isso, em 1945, o General Dwight D. Eisenhower, então Comandante Supremo das Forças Aliadas e futuro Presidente dos Estados Unidos da América, quando deparou-se com os campos de concentração e as suas vítimas, ordenou que fosse feito o maior número possível de fotos e filmes, e fez com que os alemães das cidades vizinhas fossem guiados até aqueles campos e até mesmo enterrassem os mortos.
Na altura, ele explicou: “Que se tenha o máximo de documentação – façam filmes – gravem testemunhos – porque há de vir um dia em que algum idiota se vai erguer e dizer que isto nunca aconteceu”.
O Holocausto promovido pela Alemanha nazi e pelos seus aliados foi responsável pela morte de 6 milhões de judeus, 1,5 milhões de ciganos, 20 milhões de russos, 10 milhões de cristãos de outras nacionalidades e várias dezenas de milhares de opositores políticos à tirania nacional-socialista.
Passados 69 anos após o final da Segunda Guerra Mundial, é da maior relevância recordar as palavras sábias do filósofo anglo-irlandês Edmund Burke (1729-1797):“Tudo o que é necessário para o triunfo do mal, é que os homens de bem nada façam”.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

O Cristo Filósofo

O livro “O Cristo Filósofo”, publicado em Portugal pela editora Caleidocóspio, tem a autoria de Frédéric Lenoir, historiador e pesquisador associado à Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales e é diretor da revista “Le Monde des Religions”. É igualmente autor de ensaios e romances históricos. 
A presente obra pretende ser uma apresentação da figura de Jesus Cristo, de sua autêntica mensagem e de sua real influência na História da Humanidade. Por esse motivo, pode ser classificado como uma Cristologia Filosófica. Tem a pretensão de seguir a intuição de Erasmo de Roterdão que, no século XVI, reutiliza uma expressão dos pensadores cristãos de Alexandria do século II E.C.: a “Filosofia de Cristo”. 
Erasmo aspirava a um projeto de pedagogia humanista que tornasse possível o acesso à essência do Cristianismo, sem que fosse necessário o recurso a argumentos dogmáticos.
Nesse sentido, Lenoir faz uma apresentação crítica do Cristianismo como uma deturpação histórica da mensagem original de Jesus.
Mas também reconhece que o Cristianismo não está somente marcado pela perversão e nem se reduz a ela. Apesar das fogueiras da Inquisição, das conversões forçadas, das cruzadas e das cumplicidades com poderes terrenos autocráticos, a história do Cristianismo também é aquela dos bispos, que criam asilos para acolher os pobres e os doentes, dos mártires, que se recusam a abjurar da fé, dos monges, que renunciam a tudo para união mística com o divino, que consagram sua vida aos mais vulneráveis, dos defensores dos direitos humanos e de um sem número de crentes que praticam o bem em nome de sua fé.
No coração do Cristianismo, encontra-se uma mensagem de um tão alto valor ético que marcou o percurso histórico da Humanidade.
Contudo, na perspetiva do autor, a Igreja institucional traiu os ideais de Jesus. Com efeito, não raras vezes, as diversas Igrejas cristãs, embora tenham desempenhado um papel muito importante na transmissão dessa mensagem, evitaram confrontar suas práticas com a mensagem que anunciavam, pois isso ameaçaria o seu desenvolvimento e o seu domínio.
Lenoir regista o que chama de suprema ironia da história, no surgimento moderno da laicidade, dos direitos humanos e da liberdade de consciência, nos séculos XVI, XVII e XVIII, ainda que à revelia das Igrejas, como produto de um recurso implícito ou explícito à mensagem original do Evangelho.
O que ele chama de “Filosofia de Cristo”, os seus ensinamentos éticos mais fundamentais, ressurgem, não mais pela “porta” das Igrejas, mas pela “janela” de cristãos esclarecidos e críticos e dos humanismos do Renascimento e do Iluminismo.
A mensagem de Jesus pode ser lida em vários níveis: sobretudo na sua dimensão religiosa. Mas ele também transmitiu um ensinamento ético de caráter universal: a não-violência, a igual dignidade entre todos os seres humanos, justiça e partilha, o primado do indivíduo sobre o grupo e a importância da liberdade de escolha, a separação do político e do religioso, o amor ao próximo indo até ao perdão e amor aos inimigos.
Tudo isso fundamentado na revelação de um Deus como Fonte do Universo, da Vida e do Amor e numa perspetiva profundamente humanista aberta à transcendência.
Essa mensagem ética é uma verdadeira sabedoria, no sentido de como a entendiam os filósofos gregos. 
Por conseguinte, o Cristianismo dos nossos dias precisa de recuperar a essência da mensagem de sabedoria  universal de Jesus. Mais, carece de uma reforma das suas instituições, da sua teologia e da sua espiritualidade, mediante a reformulação da doutrina de uma maneira coerente e compreensível para a sociedade contemporânea, a revalorização da mística e a defesa de um modelo de desenvolvimento baseado no respeito pela dignidade da pessoa humana e pela Criação.
 

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

O Batismo de Jesus: uma visão contemporânea

No dia 12 de janeiro, celebrou-se o batismo de Jesus. O batismo de Jesus constitui um dos momentos mais significativos da sua vida, marcando o início da sua vida pública, o período durante a qual proclamou a mensagem do Reino de Deus.
Este evento é descrito nos evangelhos de Mateus, Lucas e Marcos, enquanto no evangelho de João, que não é uma narrativa direta, João Batista desempenha a função de testemunha.
João Batista, primo de Jesus, o profeta que marca a transição entre o Antigo e o Novo Testamento, pregava a penitência e o arrependimento, encorajava a distribuição dos bens materiais para os pobres e os excluídos e praticava o batismo pela água como sinal de renovação espiritual.
Contudo, não se considerava como o Messias. Pelo contrário, considerava-se como o precursor daquele que iria batizar “com o Espirito Santo e com o fogo”.
Jesus veio até ao rio Jordão, onde foi batizado num local tradicionalmente conhecido como Qasr al-Yahud. Segundo os evangelhos, este evento termina com o céu que se abre, a descida do Espirito Santo e uma voz divina que proclama: “Este é o meu Filho amado; nele está o meu agrado”.
A voz combina frases essenciais do Antigo Testamento: “Meu filho”(o rei da linhagem de David
adotado como Filho de Deus no Livro dos Salmos), "amado " (como Isaque, o filho de Abraão e um dos grandes patriarcas hebreus, no Livro do Génesis) e nele está o meu agrado” (alusão ao Servo de Deus mencionado pelo profeta Isaías).
Portanto, no batismo, Jesus foi proclamado como Filho de Deus. Passados dois milénios, como devemos exprimir este conceito junto dos homens e das mulheres do nosso tempo?
Com este título, pretende-se expressar a relação pessoal e íntima de Jesus com Deus. Jesus revela Deus através de palavras e de atos, na sua ética de amor e de libertação, que é dirigida a todos os seres humanos, sem exceção.
A relação de Jesus com Deus, como a de qualquer ser humano, trata-se de um verdadeiro processo de aprendizagem, de amadurecimento e de crescimento a todos os níveis. É uma relação que evolui c cresce, até atingir a plenitude, passando por momentos de alegria e de júbilo, de dor e sofrimento. A fé de Jesus está radicalmente baseada na sua humanidade. 
Jesus nunca se apresentou como Deus ou como um super-homem, mas como um ser humano como cada um de nós. 
Daí que Jesus, a sua vida e a sua mensagem podem ser um poderoso modelo espiritual e ético não somente para os cristãos, mas para todos os seres humanos de boa vontade que partilham o nosso planeta. 

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A utopia do coração

O Reino de Deus constitui o eixo central da vivência de Jesus. Com efeito, a sua proclamação constitui o sentido fundamental da sua vida e a utopia referenciadora da sua mensagem, bem como de muitos homens e mulheres ao longo do séculos. 
Contrariamente ao que tem sido preconizado muitas vezes ao longo dos tempos e inclusive nos nossos dias, o Reino não é a promessa da felicidade celestial, mediante a contemplação da essência de Deus para os que cumprem os seus mandamentos e as regras das instituições eclesiais.
O Reino de Deus é a proclamação de uma vida digna, justa e feliz para todos. É um apelo à fraternidade universal. Expressa a manifestação do amor compassivo e infinito de Deus no percurso da Humanidade, visando a constituição de uma ordem social estruturada de modo a assegurar a todas as pessoas a salvaguarda da sua dignidade e do seu direito a uma vida livre e feliz.
Hans Küng assinala que o Reino é a causa de Deus no mundo, que se identifica com a causa do bem-estar total do ser humano. No mesmo sentido, E. Schillebeeckx disse que o Reino é a causa de Deus como causa do Homem ou a causa de seres humanos como causa de Deus (a salvação definitiva da parte de Deus para a Humanidade).
O projeto do Reino de Deus é uma utopia, tendo simultaneamente um caráter histórico e meta histórico, na medida em que não é plenamente realizado na história humana. Como refere J.M. Castillo: ”O projeto do Reino de Deus é realizável na medida em que há grupos de tipo comunitário que se dispõem a vivê-lo, não como una meta já alcançada, mas como um projeto dinâmico, como uma tarefa a realizar paulatina e progressivamente”.
O Reino de Deus é uma afirmação pela vida em as todas as suas dimensões. É uma aposta pela dignidade de todos os seres criados, não apenas dos seres humanos, mas também de todos os seres existentes no nosso planeta e no vasto Universo no qual este está inserido. Para além da sua dimensão social, tem uma dimensão cósmica. Conforme afirma J.J. Tamayo,  “o Reino de Deus afirma a vida indivisível, em todas as suas dimensiones, na sua plenitude, para a natureza e o cosmos. Só assim pode falar-se de vida digna e com sentido” Leonardo.Boff considera que o Reino de Deus é a expressão que designa “a utopia do coração humano, a total libertação de todos os elementos que alienam e estigmatizam este mundo, como sofrimento, dor, fome, injustiça, divisão e morte, não somente para o Homem, mas para toda a Criação.”.
Quando se fala de Criação, é relevante referir que Deus não criou o Universo de uma forma definitiva. A evolução não contraria a ação criadora e criativa de Deus. O Espirito de Deus está dentro do Universo, gerando contínua e evolutivamente os mistérios da vida. Deus é o fundamento da energia criativa do Universo, o princípio e o fim, o alfa e o ómega. Whitehead afirmou que Deus é simultaneamente motor, garantia e meta do Universo.
A pessoa humana é chamada a colaborar ativamente na evolução da Criação, nomeadamente no planeta Terra, não para ser dona e dominadora, mas para ser guardiã da Natureza, tendo a responsabilidade de assegurar a sua proteção e salvaguarda, de modo que os seus recursos possam ser utilizados em prol da dignidade e da felicidade de todos os que habitam o nosso planeta.