Em muitas conversas,
escutam-se inquietações sobre o Cristianismo. Na visão de muitas pessoas, seria difícil confiar numa instituição
religiosa, isto é, na Igreja, que estaria associada a tudo aquilo que
aprenderam ou experimentaram ser opressivo ou corrupto; assim como seria
impossível acreditar em fórmulas de fé que contradizia o que conheciam sobre a
mensagem de Jesus. Para eles, o que compreendiam ser a fé cristã tornara-se
irrelevante.
Aquele tipo de inquietação
não me é estranha- Com efeito, eles não estão sozinhos quando passam por
aquelas correntezas de sentimentos de dúvidas e incertezas. Esses sentimentos
são naturais e necessários ao nosso crescimento intelectual e espiritual.
Para que eu seja o mais objetivo possível, deixem-me declarar que confio plenamente
na relevância da fé cristã para o mundo contemporâneo. O
Cristianismo oferece uma narrativa do sagrado capaz
de construir uma corrente de relações entre a pessoa humana e Deus , tendo moldado positivamente a
vida de milhares de milhões de pessoas há dois mil anos.
Em termos mais seculares, por exemplo, é fácil esquecermos que as nossas
instituições ocidentais de direitos humanos, cidadania, liberdade, democracia, entre outras, emergem
de um contexto cristão. A modernidade fez com que, ingenuamente,
desassociássemos essas instituições da herança greco-romana-abraâmica na qual
foram moldadas. Ouso supor que aqueles traços ocidentais só vieram à tona da
forma e no tempo no qual passaram a existir por haverem emergido em sociedades
cristãs. O que teria ocorrido se o Cristianismo não tivesse cruzado com o
pensamento greco-romano no Mediterrâneo?
Penso que o problema que
alguns de nós encontramos para achar sentido no Cristianismo é o de termos sido
formados para associar a fé a crenças dogmáticas e a definições objetivas
duma suposta realidade teológica.
Acostumamo-nos a
declarações dogmáticas, mas não a
descobrir novos níveis de sentido para essas declarações. Deus torna-se um
problema, então, não porque Deus seja um problema, mas simplesmente porque
fomos treinados a compreender o Divino como se fora um monarca absoluto ou uma
equação matemática. A “verdade”, nesse sentido que aprendemos a dar ao
Cristianismo, é algo que pode ser equacionado, metrificado, verificado,
quantificado – é, enfim, um absoluto. Então, se na minha experiência me leva a
compreensões que contradigam essa “verdade”, Deus e, consequentemente, o
Cristianismo deixam de fazer sentido e tornam-se irrelevantes.
Existem dois aspetos
relevantes a ter em conta no Cristianismo.
Em primeiro
lugar, Antes de mais, Jesus nunca quis uma Igreja enquanto institutição. A
palavra grega ekklésia significa comunidade. Jesus foi o
inspirador de uma comunidade espiritual de homens e de mulheres que se reuniam para viver a experiência de Deus e do seu Reino. Nessa comunidade, os homens e as
mulheres tinham de início papéis absolutamente equivalentes.
Em segundo lugar, a coisa relevante
sobre a tradição cristã é que ela, na verdade, são várias tradições. Não há
algo que possamos chamar de Cristianismo único.
Com isso quero dizer que há
várias maneiras diferentes de compreender a mensagem cristã.
Posso reler a narrativa cristã
a partir de diferentes posições no espectro teológico, enxergando Deus duma
perspectiva nova, descobrindo um novo nível de sentido para uma declaração
atribuída a Jesus ou a um dos seus discípulos , por exemplo. Assim, não são os
detalhes minuciosos que passam a ter relevância, mas a Realidade Divina para a qual a
mensagem das Escruturas aponta.
O Cristianismo é relevante
para mim por ser um testemunho do caminho do amor e da compaixão. Esse caminho é o que
tenho chamado de sola caritas – o amor, a caridade, a compaixão é o
único caminho que nos leva a Deus. Dizemos que Jesus é esse caminho porque ele
nos aponta – na verdade, exige que sigamos – o caminho do amor e da compaixão; assim, seguir a Jesus é seguir o
caminho que ele percorreu: é viver pela presença do Deus aqui e agora, é ser
essa presença para outras pessoas. Para mim, não outra mensagem mais relevante
que essa, já que o seu chamamento não é para que eu largue minhas dúvidas ou
inseguranças, mas sim, para que eu faça, para que eu ame, para que eu
“caminhe”.
Não posso definir Deus. Não
consigo encontrar uma maneira suficientemente ampla para falar sobre essa
Realidade dentro da qual temos a nossa existência. Também não consigo estar
sempre acima da dúvida e dos questionamentos, quando presencio o sofrimento e a
dor dos outros seres humanos e os meus próprios sofrimentos. Mas escolho pensar que se há verdade,
essa tem de se materializar no nosso dia a dia, por isso tenho de trazer Deus para dentro da realidade do mundo. Deus como a Fonte do Universo, da Vida e do Amor
revelada por diversos mensageiros ao longo da História e por Jesus de uma forma especial. O mandamento de amor e de compaixão – e a
vida daqueles cristãos celebrados como santos é um exemplo disso – torna-se o
padrão por meio do qual avalio o valor da mensagem cristã; uma mensagem que
escolho interpretar como um caminho, um modo de vida.