Quando se fala de Deus, geralmente a sua imagem está ligada à dimensão masculina. Mas esta imagem não tem fundamento sólido na História de revelação divina.
Com efeito, no primeiro livro da Bíblia, o, Génesis, é mencionado claramente que Deus criou a Humanidade e a criou homem e mulher; e criou ambos como sua imagem e semelhança (Gn 1, 27).
Portanto, somente enquanto masculino e feminino, a Humanidade representa Deus no planeta Terra. Deus está muito para além do género.
Nas últimas décadas, muitos cristãos deram conta de que a linguagem religiosa estava demasiado presa dentro da dimensão masculina.
Baseados na verdade fundamental da fé de que cada pessoa humana é imagem e semelhança de Deus, muitos crentes questionaram se não devemos superar a linguagem sexista (usando só os termos de um sexo, no caso, do masculino) e chegar a utilizar um discurso que aproveita tanto os valores de um sexo quanto de outro para expressar a riqueza infinita do Mistério Divino.
Efectivamente, um crescente número de crentes evitam de falar só de homem para expressar a humanidade e aprendem a dizer sempre homem e mulher, ou simplesmente o ser humano, ou a pessoa humana.
De forma semelhante, evitam de falar de Deus apenas como Pai; introduzindo também a palavra Mãe. Em 1978, o Papa João Paulo I, cujo pontificado durou somente 33 dias, fez um dia a seguinte proclamação numa audiência pública:"Deus é Pai, mas é principalmente Mãe". Esta proclamação provocou um profundo incómodo nos setores mais conservadores da Igreja Católica.
No Antigo Testamento, os profetas usavam expressões que simbolizavam Deus como a Mãe que eleva as pessoas até o colo, beija-as e enxuga-lhes as lágrimas. Ao dizer que Deus é misericordioso, para a mentalidade judaica significa dizer: Deus é como uma mãe que possui entranhas e se compadece de seus filhos e filhas como toda mãe se comove de seus filhos e de suas filhas.
Em Jesus, encontramos a integração perfeita do feminino e do masculino. Em primeiro lugar do masculino, pois Jesus não foi mulher, mas homem. Mas como todo o ser humano, ele incluía dentro de sua realidade também a dimensão feminina que ele expressou de uma forma admirável e verdadeiramente revolucionária para o seu tempo. Todo o dinamismo de Jesus, a sua coragem em enfrentar as oposições e a forma como encarou a própria morte, revelam a dimensão masculina dele, presente também na mulher, mas de forma distinta. A faceta feminina de Jesus expressa-se em aspectos essenciais como a ternura da existência humana, o cuidado, a misericórdia, a sensibilidade ao mistério da vida, particularmente para com os mais vulneráveis e excluídos e a interioridade na oração,
Os relatos dos Evangelhos apresentam-nos que Jesus como alguém que havia integrado a "anima" (dimensão feminina) dentro do seu "animus"(dimensão masculina). Primeiramente elabora uma relação profundamente humana e terna para com as mulheres que passam pelo seu caminho, várias das quais são suas discípulas (Lc. 10,38-42). Ele considera as mulheres como iguais em dignidade aos homens, uma ideia então verdadeiramente revolucionária.
Sempre toma a defesa da mulher desamparada como a adúltera, a mulher sirio-fenícia que suplica ajuda, a samaritana, a mulher corcunda e a que sofria de hemorragia.
Com atitudes bem femininas se verga sobre os pobres que encontra pelos caminhos; enche-se de compaixão face ao povo abandonado (Mc. 6,34), não esconde as lágrimas quando sabe do amigo Lázaro que morrera (Jo. 11,35). De forma muito feminina diz que quis juntar os filhos de Jerusalém como uma galinha reúne os pintainhos sob suas asas e eles não quiseram (Lc. 13,34).
Uma visão nova de Deus e de Jesus como seu enviado por excelência não pode deixar de ter repercussões na organização e na vivência das Igrejas, as quais devem ser cada vez mais comunidades inclusivas, nas quais mulheres e homens formem um discipulado de iguais, e contribuam no desenvolvimento de sociedades mais inclusivas, justas e solidárias.
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