A eleição do novo papa Francisco ocorre numa época particularmente relevante da História da Humanidade.
À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e globalizado, a Humanidade enfrenta, ao mesmo tempo, grandes oportunidades e grandes riscos.
Vivemos numa era de produção e de consumo sem precedentes. O progresso tecnológico desenvolveu as redes de comunicação de tal modo que podemos falar de uma “aldeia global”. A democracia e o primado do direito são valores formalmente reconhecidos pela generalidade dos países do mundo, embora em muitos deles haja uma grande distância entre as proclamações jurídicas e a prática dos poderes públicos
Contudo, o sistema económico dominante, baseado numa confiança excessiva no mercado, tem causado sérios problemas sociais, políticos e ambientais. Os benefícios do desenvolvimento não estão a ser distribuídos equitativamente e as desigualdades sociais estão a aumentar, inclusive nas sociedades mais democráticas e prósperas do nosso planeta. Os conflitos e a violência têm aumentado e são causa de grande sofrimento. O crescimento sem precedentes da população humana tem sobrecarregado os sistemas ecológicos e sociais. O meio ambiente tem sido seriamente afetado, sendo os resultados mais visíveis as alterações climáticas e a extinção maciça de espécies.
Neste contexto, a Humanidade espera da Igrejas cristãs e da Igreja Católica em particular que elas sejam faróis de esperança, o que implica uma renovação da Igreja Católica.
Para haver uma renovação genuína da Igreja Católica, é importante superar desde já um equívoco. Hoje, quando se fala de Igreja, é numa instituição gigantesca e nos seus hierarcas e sacerdotes que se pensa: papa, bispos, padres e diáconos. Temos de regressar às origens, quando Igreja significava a comunhão das Igrejas, entendidas como comunidades de cristãos congregados em nome de Jesus.
È interessante constatar que as últimas declarações do papa Bento XVI e as primeiras declarações do papa Francisco partilham a necessidade de valorizar a dimensão espiritual da Igreja Católica em detrimento da sua dimensão institucional.
No dia 14 de fevereiro, ainda papa, Joseph Ratzinger declarou o seguinte. "Nós somos a Igreja; a Igreja não é uma estrutura; nós, os próprios cristãos juntos, todos nós somos o Corpo vivo da Igreja. Naturalmente, isto é válido no sentido de que o 'nós', o verdadeiro 'nós' dos crentes, juntamente com o 'Eu' de Cristo, é a Igreja".
Por sua vez, no dia 16 de março, o papa Francisco anunciou no seu primeiro encontro com os representantes dos meios de comunicação social: “(A Igreja) apesar de ser indubitavelmente uma instituição também humana e histórica, com tudo o que isso implica, não é de natureza política, mas essencialmente espiritual: é o Povo de Deus, o Povo santo de Deus, que caminha rumo ao encontro com Jesus Cristo. (…) Cristo é o centro. Não o sucessor de Pedro, mas Cristo. Cristo é o centro. Cristo é o ponto fundamental de referimento, o coração da Igreja. Sem Ele, Pedro e a Igreja não existiriam, nem teriam razão de ser”. Também defendeu “uma Igreja pobre e para os pobres”.
Atualmente, estamos perante uma oportunidade histórica de reformar a Igreja Católica. Não é preciso começar do zero. O Concílio Vaticano II foi um começo revolucionário, mas continua, em grande parte, por cumprir e sofreu desvios cujas consequências se sentem de forma amarga.
Importa alterar o modo da designação dos bispos, os lideres das Igrejas locais, na sua imensa diversidade geográfica e cultural. Eles devem ser eleitos por sínodos diocesanos constituídos por representantes dos clérigos e dos leigos, os quais devem ser eleitos democraticamente.
O bispo de Roma, isto é, o Papa, deveria ser eleito por um colégio constituído pelos representantes das conferências episcopais, das congregações religiosas e dos movimentos laicais, seguindo o princípio de o que diz respeito a todos, deve ser tratado por todos.
A Igreja deve assumir um compromisso cada vez mais sólido com a promoção da justiça social e da dignidade da pessoa humana. Se Deus se revelou em Jesus como Deus dos pobres, dos excluídos e das vítimas deste mundo, uma Igreja que não tornar visível essa revelação será sempre infiel a Jesus. A Igreja deveria retomar e propor aos poderes políticos e económicos deste mundo o ensinamento de Jesus de que é impossível servir a Deus e ao dinheiro. Esta será uma reforma constante e difícil, mas a Igreja deve ter muito claro e não esquecer nunca que está em jogo a sua fidelidade ao Deus revelado pelos profetas e de um modo muito especial por Jesus.
Deve ser reconhecida a igualdade de direitos e responsabilidades de homens e mulheres na Igreja, bem como a valorização da sexualidade enquanto dimensão fundamental da condição humana.
Deve ser incentivado o diálogo ecuménico com as demais Igrejas cristãs, o que passa pelo reconhecimento mútuo dos ministérios e dos sacramentos.
Deve ser promovido o diálogo com as religiões não cristãs e os não crentes, para que todos os homens e mulheres de boa vontade possam trabalhar em conjunto em prol de um mundo mais livre, solidário e sustentável.
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