sexta-feira, 3 de abril de 2015

Da cristologia do Logos à cristologia do Espírito



A semana que antecede a Páscoa é considerada a mais importante do ano litúrgico cristão, na medida em que assinala a paixão, a morte e a ressurreição de Jesus.  
Trata-se de uma oportunidade privilegiada para refletir sobre as novas perspetivas da cristologia, a disciplina da teologia que aborda a natureza de Jesus, a sua obra e a sua identidade, com especial enfoque na relação com Deus.
Desde a década de 1960, durante a qual houve transformações profundas nos diversos ramos do cristianismo, tem existido uma abundante reflexão cristológica.
Durante a maior parte do percurso do Cristianismo, tem predominado a Cristologia do Logos, marcada pelas definições dogmáticas dos Concílios e pelas teologias de influência escolástica e neo-escolástica.
Influenciada pela interpretação da afirmação do prólogo do Evangelho de João: “O Logos se fez carne” (Jo. 1,14),  a Cristologia do Logos enfatiza a divindade de Jesus e apresenta-o como o Logos, o Verbo ou o Filho Unigénito e Eterno de Deus que assume a condição humana. Portanto, trata-se de uma cristologia do alto, na medida em que parte da divindade de Jesus e tem como foco central a ideia de Encarnação.
Nas últimas décadas, tem existido uma valorização da Cristologia do Espírito. Esta corrente do pensamento cristológico não é inédita no percurso do Cristianismo, tendo tido altos e baixos, mas nas últimas décadas tem tido um vigor renovado e crescente.
A Cristologia do Espírito valoriza a humanidade de Jesus, que, pela graça e força do Espirito Santo, torna-se Filho de Deus no batismo e na ressurreição. Esta cristologia, que pode ser designada como cristologia de baixo, não se preocupa com a pré-existência e enfatiza a ação do Espirito de Deus na vida de Jesus como ser humano.  
Infelizmente, durante quase toda a história do Cristianismo, a divindade de Jesus foi exaltada em detrimento da sua verdadeira humanidade.
Não devemos precipitar-nos e rejeitar o legado dos concílios. Os cristãos e os crentes das demais religiões podem certamente partilhar a convicção de que Deus estava em Jesus, do mesmo modo que Deus está presente em cada um de nós. Isto é algo que os cristãos primitivos, de inspiração judaica e gnóstica, compreenderam. Um legado que o Cristianismo perdeu quando o judeo-cristianismo e o cristianismo gnóstico foram declarados heréticos.
Talvez não seja por acaso que descobertas tão relevantes como os manuscritos do Mar Morto e a biblioteca de Nag Hammadi tiveram lugar a partir dos meados do século XX.
Estamos em condições de promover uma revolução tranquila no entendimento sobre a pessoa, a identidade e a mensagem de Jesus.
Um entendimento mais pluralista, inclusivo e ecuménico, que enquadre a vida e a mensagem singulares de Jesus no contexto mais amplo das tradições religiosas e espirituais da Humanidade.
Uma nova visão da fé em Jesus que possa unir, ao invés de dividir, cristãos e outros homens e mulheres de boa vontade. Uma visão que permita abrir as portas frutíferas do diálogo e da compreensão entre as grandes correntes religiosas e espirituais do mundo contemporâneo.   
Atualmente, num mundo cada vez mais globalizado, no qual aumentam as relações entre os povos, o diálogo inter-religioso assume uma relevância cada vez mais premente, contribuindo para o progresso ético e espiritual da Humanidade.