segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Celebrar o Natal

No dia 25 de dezembro, a Humanidade recorda o nascimento de Jesus Cristo.
A imagem do presépio constitui uma das mais significativas expressões da civilização humana. Nele contemplamos, como representação dos mais belos ideais humanos, a família sagrada: a alegria de uma criança que nasce, a zelo de um pai, a ternura de uma mãe que acolhe em silêncio, no seu coração, o mistério que a envolve e a ultrapassa, os pastores e os magos – que representam a Humanidade no seu todo – que fazem festa e participam na alegria da vida.
O Natal é mesmo a encarnação da beleza imortal do mistério da pessoa humana. Com efeito, é a afirmação da esperança de que o amor triunfará sobre todos os egoísmos, a beleza terá um lugar definitivo na construção da harmonia, a ternura aproximará os homens, que descobrirão na comunhão e na paz o seu tesouro escondido.
A beleza da mensagem de paz e amor proclamada por Jesus, radicada numa arreigada tradição cultural, faz com que a celebração do Natal envolva muito mais pessoas do que aquelas que se confessam como cristãs.
Jesus Cristo constitui um modelo de humanidade. Ele encerra a certeza de que a plenitude humana é possível e que ela se exprime na profundidade de um diálogo de conhecimento e de amor entre Deus e o homem. Jesus Cristo confirma historicamente que Deus existe, que nos ama e que não desiste de viver connosco e de nos conduzir para uma vida mais livre, digna e plena.
Na proclamação aos pastores de Belém está claro o anúncio da alegria e da paz, porque Deus ama todos os seres humanos, sem exceção. Este anúncio é sincero e feito com humildade. É um anúncio que tocará o coração daqueles e daquelas que, talvez alguns sem o saberem, procuram o encontro com Deus, um Deus que conhecemos pouco, um Deus em que alguns não acreditam ou não deixaram entrar no concreto das suas vidas.
Nesta festa de harmonia e de paz, nós, cristãos, devemos ser capazes de fazer a ponte com todos os homens e mulheres de boa vontade, independentemente das suas tradições religiosas. Temos muitas diferenças, mas temos algo de precioso em comum, a fé em Deus, ser supremo do Universo e amigo da Humanidade.
A nossa fé comum constitui um elemento decisivo para que as nossas sociedades, por vezes tão desviadas da dimensão espiritual da existência, encontrem o sentido da harmonia, da fraternidade e da paz.
Por isso, o Natal é mais do que uma recordação, um aniversário que se passou em Belém, na Palestina, há mais de dois mil anos. Significa que Jesus, o Messias de Deus, quer viver no meio de nós e em nós. Se o acolhemos na nossa existência, ele faz-nos entrar na sua família que é a do próprio Deus

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Jesus nas principais religiões não cristãs


Introdução
Jesus de Nazaré é uma presença essencial na consciência cultural e espiritual da Humanidade. Independentemente das suas crenças, é difícil encontrar alguém que não escapa ao fascínio exercido, se não por sua pessoa, então pelo menos pelo lugar que ele ocupa na história e a importância que, de bom ou de mau grado, lhe é reconhecida.
Engana-se quem acredita que Jesus só é reverenciado pelos cristãos. Pelo contrário: esse ser humano extraordinário, que viveu há cerca de dois mil anos, é visto com admiração por praticamente todo os povos do planeta.Tanto a vida como a mensagem de Jesus toca profundamente a mente de cada ser humano.
Com efeito, a vida e a mensagem de Jesus corporizam a beleza imortal do mistério da pessoa humana. Com efeito, é a afirmação da esperança de que o amor triunfará sobre todos os egoísmos, a beleza terá um lugar definitivo na construção da harmonia, a ternura aproximará os homens, que descobrirão na comunhão e na paz o seu tesouro escondido.
Jesus no Judaísmo
A maioria dos judeus ainda sustenta a convicção de que Jesus não é o Messias argumentando que ele não cumpriu as profecias messiânicas nem encarna as qualificações pessoais do Messias. Outro fator de crítica é a divinização de Jesus, vista pelos judeus como uma paganização do judaísmo, onde Jesus tornou-se um deus pagão dentro da crença judaica.
Contudo, atualmenbte, já existem judeus que veem a figura de Jesus como sendo um dos profetas que pretendeu legitimamente reformar o judaísmo no século I da nossa era.
Entretanto, há um ramo do Judaísmo, o Judaísmo Messiânico, cada vez mais importante, que segue as tradições religiosas judaicas, e que também acredita na figura de Jesus como sendo o Messias esperado pela tradição profética judaica. A partir de 2009, o governo do Estado de Israel passou a reconhecer os judeus messiânicos como judeus, enquanto antes eram classificados como cristãos.
Jesus no Islamismo
No Islão, Jesus toma um papel fundamental no plano de Deus para os homens, juntamente com Abraão, Moisés e outros profetas. Ao elaborar a doutrina Islãmica, Maomé incluiu aspetos do Judaísmo, Cristianismo e Zoroastrismo, visto que Meca - cidade onde ele vivia - era um ponto comercial, o que também fazia da cidade um pólo cultural. Assim, entrando em contato com diversas ideologias, Maomé elaborou os preceitos do Islão.
Um desses preceitos diz relação aos profetas, os enviados de Deus: Maomé traçou uma linhagem profética que começava com Adão e terminava nele. A maioria dos profetas do Islão são judeus, como Moisés, Elias, João Batista e o próprio Jesus. Jesus no Islão é tido como um dos mais importantes profetas, rivalizando com Maomé. Segundo o Islão, Jesus é muçulmano. De acordo com os muçulmanos, a prova disso está nos evangelhos, quando Jesus pede que seja feita a vontade de Deus, não a dele. Uma vez renunciando a vontade humana para se submeter à vontade de Deus, a pessoa é tida como muçulmana.
Dependendo do ramo islâmico, Jesus é mais que um profeta: ele é tido como o Messias. Para o ramo xiita, Jesus não é o Messias, visto que o Messias ainda viria, como dizem os judeus. Jesus seria apenas mais um dos profetas que Deus enviou. Já para o ramo sunita, Jesus, além de profeta, é o Messias que Deus enviou, e que no fim dos tempos voltará para que ocorra o Juízo Final. Para os sufis, Jesus é reverenciado como um grande mensageiro de Deus. Os sufis chamam Jesus de "Seiydna Issa", o Senhor Jesus, uma expressão não ligada à filiação divina de Jesus, mas à autoridade que vem de seus ensinamentos, transformando-o num porta-voz de Deus.
Entretanto, os muçulmanos como um todo não acreditam na ligação divina entre Deus e Jesus, vendo no dogma da Trindade uma criação ulterior da Igreja, inspirada em tradições pagãs.
Jesus no Budismo
O budismo compara os ensinamentos de Jesus com os de Siddhartha. Sob o ponto de vista budista Jesus é um ser Iluminado, um Buda, assim como ele é tido como o Cristo (ungido por Deus) pelos cristãos. Algumas correntes budistas defendem que ele estudou com monges durante sua juventude, construindo a base para os seus futuros ensinamentos, dada a similaridade da sua mensagem com a do Budismo. Outro fato que os budistas defendem é o caráter meditativo de Jesus que, assim como Buda, se retirava frequentemente para meditar. Este ato tão simples é uma característica das religiões orientais, visto que no Judaísmo geralmente as pessoas iam para a sinagoga orar a Deus. Segundo os budistas, assim como Siddhartha, numa dessas meditações Jesus atingiu a Iluminação, tornando-se um Buda, após vencer o mal no deserto.
Existem representações de um Buda como sendo o "Bom Pastor". Como o Buda histórico não possui nenhuma ligação simbólica neste sentido, é certeza que algumas comunidades budistas cultuavam Jesus como um Buda há muito tempo. Algumas escolas budistas estudam os ensinamentos de Jesus juntamente com os de Buda, visto que a meta de ambos era promover o progresso espiritual da Humanidade.
Jesus no Jainismo
O Jainismo é uma religião que surgiu por volta do Séc. X a.C. na Índia, com Mahavira, o Conquistador. O curioso dessa religião é que a história de Mahavira se confunde com a de Buda, pois ambos foram ascetas que se libertaram das paixões do mundo. Praticamente todos os ensinamentos budistas são encontrados no Jainismo. O principal ensinamento jainista é a "não-violência", onde, segundo seus adeptos, todas as formas vivas devem ser respeitadas, pois todas têm sua origem divina. Engraçado que esta mesma "não-violência" jainista foi utilizada por Mahatma Gandhi durante a Independência da Índia, o que fez com que Gandhi seja tido como um herói jainista.No Jainismo Jesus é tido como um Jina, palavra que em sânscrito significa "vencedor" ou "conquistador". Simbolicamente é o equivalente à palavra Buda e Cristo. Por sua doutrina e modo de vida, Jesus é tido como um "conquistador", visto que o próprio diz que "venceu o mundo" (João 16:33). Sob o ponto de vista hindu, budista e jainista, esta expressão significa que Jesus se libertou das paixões do mundo. Tornou-se um "Conquistador" e um "Iluminado".
Jesus no Hinduísmo
No Hinduísmo Jesus tem uma visão mais ampla dentro da doutrina. Várias correntes hindus aceitam a figura de Jesus como sendo um Avatar, encarnação de Deus na Terra. Similar ao que acreditam os budistas, para os hindus Jesus também foi um iniciado na filosofia Védica. Para muitos hindus Jesus é uma das encarnações de Vishnu, a segunda pessoa da Trindade hinduísta. Especialmente para o movimento Hare Krishna - devido ao seu caráter ecumênico - Jesus é uma manifestação direta de Krishna (Deus), que envia um mensageiro para cada povo, a fim de que nenhuma parte do mundo fique sem a Sua mensagem. Assim, Jesus é um dos enviados de Krishna para cumprir Sua mensagem pelo mundo. Uma das provas alegadas disso é o caráter biográfico muito próximo entre Krishna e Jesus, e principalmente os ensinamentos, que muitas vezes possuem trechos idênticos. Vários aspetos e simbolismos da crença cristã, como o batismo nas águas do Jordão feito por João Batista e Jesus, segundo os hindus, é prova que tanto João quanto Jesus praticavam rituais de purificação védicos, visto que no judaísmo este tipo de ritual não existia, sendo ele característico da religião hindu, onde até hoje vários peregrinos vão se banhar nas águas do Ganges para se purificar.
Jesus na Fé Bahá’í
A Fé Bahá’í é uma religião que surgiu na Pérsia, atual Irão, em 1844. Criada pelo profeta Mírzá HusaynAli, intitulado o Bahá’u’lláh (Glória de Deus, em árabe) a Fé Bahá’í propõe que Deus é um só em todas as religiões, e Ele manda diversos mensageiros para todos os povos da Terra.
Unindo os principais preceitos monoteístas com as mensagens das diversas religiões, a Fé Bahá’í tornou-se uma religião para os tempos modernos.
Assim como o Islão, a Fé Bahá’í possui uma linhagem de profetas, entretanto, não mais se contendo à linhagem abraâmica do Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, adotando outros profetas como Krishna, Buda, Zoroastro e o próprio Bahá’u’lláh.
Entre esses profetas encontra-se Jesus, que na Fé Bahá’í é tido como um dos Manifestantes enviados à Humanidade por Deus. Devido ao caráter ecumênico, vários textos sagrados, inclusive os evangelhos, são lidos nas Casas de Oração, o Templo Bahá’í. A Fé Bahá’í não possui clero nem rituais, sendo os encontros nas Casas de Oração momentos para a leitura e reflexão dos textos sagrados.
Para os Bahá’ís apenas a união dos homens pode acabar com os conflitos no mundo, por isso a Fé Bahá’í propõe a unidade religiosa e política do mundo, para cumprir do desejo de Jesus de "que todos sejam um" (João 17:21).
Jesus no Movimento Nova Era (New Age)
O Movimento Nova Era tem suas bases no esoterismo e no gnosticism,o e propõe uma união entre a espiritualidade ocidental e oriental. Ele começou a partir dos anos 60, com a vinda das tradições orientais para o Ocidente. Teve início nos Estados Unidos de América e na Europa, ganhando mais força durante os anos 70 e 80 e se espalhando pelo mundo. Para os adeptos deste movimento, o mundo está vivendo o fim da Era de Peixes, que é a era de Jesus (o símbolo de Jesus era o peixe). Antes dessa era vieram a Era de Touro (Simbolo de Krishna), Carneiro (Símbolo de Moisés) e Balança (Símbolo de Siddhartha). Após a Era de Peixes iniciar-se-á a Era de Aquário, a chamada Nova Era.
Para o movimento, Jesus é um dos Mestres espirituais do mundo, e está dentro de uma consciência maior, a qual chamam de Brahman ou Deus. Assim, ele não é uma encarnação de Deus, mas uma emanação da consciência maior, que tem como missão levar a Luz aos homens.
Para a Nova Era, Jesus é a continuação de Krishna e de Siddhartha, visto que suas biografias, ensinamentos e a missão messiânica são compartilhados por ambos.
E mais, com o fim da Era de Peixes - e iniciando a Era de Aquário - o mundo precisará de um novo Mestre, que nesse caso será o Cristo (Buda) Maitreya, que governará o mundo nessa nova era de consciência. Assim, ao acabar a Era de Peixes, Jesus deixará de ser o Cristo, e um novo surgirá, o tão esperado Messias pelos judeus, o Iman Mahdi para os muçulmanos, o Saoshyant zoroastra, o Maitreya budista e o Kalki hindu.
Conclusão
Como vimos, Jesus é visto pelas diversas religiões sob diversas formas. Mas um ponto comum entre todas essas visões muitas vezes antagónicas é o fato da sua mensagem tornar o ser humano uma pessoa melhor. Jesus é um mistério para todos, o que faz com que existam diversas interpretações acerca de sua pessoa. Contudo, todos encontram na sua vida e na sua mensagem uma via para a felicidade, indepndentemnte de considerá-lo como um profeta, um mestre espiritual ou um Deus.

sábado, 10 de dezembro de 2011

A Carta Magna da Humanidade

No dia 10 de dezembro, celebra-se o 63.º aniversário da adoção, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
A importância deste texto para a Humanidade tem sido crescente ao longo dos anos, sendo inegável a sua influência na progressiva codificação do direito internacional no domínio da proteção dos direitos do homem e das liberdades fundamentais.
É esta uma das razões que explica a inclusão, nos principais documentos internacionais sobre os direitos humanos e nas constituições dos Estados, de referências expressas à Declaração Universal, enquanto inspiração e fonte legitimadora de tais instrumentos jurídicos.
Esta declaração, que é também um exemplo da conceção atual da universalidade da cidadania, atribui à pessoa humana um estatuto próprio que ultrapassa fronteiras na comunidade internacional.
Assim, a Declaração constitui um estatuto comum de cidadania mundial, independentemente do sexo, língua, etnia, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou social da pessoa.
A cidadania foi uma conquista progressiva, que tem atravessado o percurso histórico da Humanidade.
Em termos latos , a cidadania pode ser definida como a participação numa comunidade ou como qualidade de membro dela. De um modo geral, o conceito de cidadania diz respeito à qualidade do cidadão, isto é, do indivíduo pertencente a um Estado, no gozo dos seus direitos e sujeito a todas as obrigações inerentes a essa condição. Assim, a cidadania é o vínculo jurídico-político que, traduzindo a relação entre um indivíduo e um Estado, o constitui perante esse estado num conjunto de direitos e obrigações.
Esta temática encontra-se patente na Grécia antiga, onde a prática da cidadania teve a sua primeira expressão. Na Grécia, o cidadão era um adulto livre, pertencente a uma cidade-estado, participante ativo nas atividades públicas, detentor de direitos e deveres. De fora, ficavam as mulheres, os estrangeiros e os escravos.
Na Roma antiga, o cidadão romano gozava de privilégios, que lhe eram atribuídos por estatuto legal. Para os romanos, a cidadania significava a aceitação da sua soberania cultural e política e aqueles que aceitavam submeter-se ao regime tornavam-se cidadãos. No entanto, na sociedade romana, os homens que nasciam livres estavam separados de forma radical dos escravos. Havia também uma profunda diferença entre homens livres que eram cidadãos romanos e os homens livres que não eram.
Após o apagamento na Idade Média, a cidadania é revalorizada na transição para a modernidade após a Revolução Americana (1776) e com a Revolução Francesa (1789).
Com base na perspetiva do sociólogo britânico Thomas Marshall, um dos principais estudiosos da cidadania, pode-se apresentar a seguinte progressão histórica dos direitos de cidadania nas épocas moderna e contemporêna: no século XVIII foram-se efetivando os direitos civis, no século XIX os direitos políticos e no século XX os direitos sociais.
São identificados por Marshall os seguintes elementos da cidadania: civil, político e social.
O elemento civil da cidadania é constituído pelos direitos necessários à liberdade individual, tais como, a liberdade da pessoa, a liberdade de expressão, pensamento e religião, o direito à propriedade e o direito à justiça.
O elemento político da cidadania consiste no direito de participar no exercício do poder político. Historicamente, a expansão da cidadania política foi marcada pelo desenvolvimento gradual do sufrágio universal.
O elemento social da cidadania é constituído pelo direito ao nível de vida predominante e ao património social da sociedade. Podem ser identificados como componente de cidadania social o acesso aos benefícios de bem-estar social, como a educação, a saúde, a segurança social e a habitação.
A cidadania moderna fundamentou-se na demarcação de identidades nacionais e na afirmação de uma pertença a uma sociedade nacional (uma comunidade cívica, política e social). Atualmente, observamos uma reformulação da noção de cidadania, com a emergência de novos direitos, alguns deles exigem um enquadramento global, enquanto outros exigem enquadramentos sub-nacionais ou locais.
A globalização, que torna o Estado-Nação pequeno demais para se defrontar com os grandes problemas, e a afirmação das comunidades locais e regionais, que o tornam demasiado grande para resolver adequadamente os problemas de proximidade, estão a reformular a cidadania.
Nas sociedades atuais, a cidadania traduz, cada vez mais, o valor da qualidade de vida, do respeito por si próprio, pelos outros e pela natureza. O conceito de cidadania está doravante associado ao desenvolvimento sustentável.
Num mundo global e plural como o nosso, é da maior relevância desenvokver o potencial da cidadania, implicando que cada pessoa seja capaz de ver no outro um sujeito de direitos, contribuindo deste modo para uma Humanidade mais livre e fraterna.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Jesus como modelo ético universal, segundo Espinosa


Se a forma como Espinosa pensou Deus foi polémica, a sua cristología não foi igualmente consensual.
Espinosa era um conhecedor profundo da Bíblia, podendo ser considerado um dos fundadores da exegese bíblica, na medida em que fez uma análise histórica, filosófica e e filológica das Escrituras.
Espinosa enalteceu a figura de Jesus e designou-o como “a boca de Deus”, considerando-o o único homem a quem Deus falou diretamente. Tal facto elevou-o acima dos profetas, incluindo Moisés, conferindo-lhe um estatuto singular. Contudo, considera Jesus exclusivamente como ser humano, negando-se a aceitar a sua divindade.
Ao abordar a figura de Jesus, Espinosa tem duas finalidades. Por um lado, contribuir para a sua desmitologização, tratando-o como um ser humano e não como Deus. Por outro lado, a sua vida e atuação devem ser entendidas como um modelo ético a seguir por todos os seres humanos.
A sua conceção cristológica aceita a história. De acordó com Espiniosa, Jesus é uma personagem cuja historicidade não levanta dúvidas, considerando-o como judeu, que revolucionou a religião na qual foi educado, transformando as leis particulares da Torah numa ética universal. Ao valorizar a sua atuação mediadora e o seu papel como exemplo para a Humanidade no seu todo, Jesus é considerado como o caminho da salvação.
Espinosa preconiza que a salvação pode ser obtida mediante o cumprimento de determinadas regras morais, que estão apresentadas nas Escrituras. De acordo com a sua perspetiva, o homem comum move-se essencialmente por paixões, que geram dissensões e conflitos, daí resultando a obediência às leis da sociedade humana e às regras morais. Neste contexto, o exemplo de Jesus é fundamental, pois quem seguir o seus ensinamentos salva-se.
Espinosa reconhece na mensagem de Jesus uma ética que proporciona estabilidade e harmonia aos seres humanos.
Para Espinosa, Jesus conseguiu conciliar uma dimensão filosófica, dificilmente compreensível pelos seus contemporâneos, e um pensamento ético expresso em ternos éticos e aceitáveis pelo senso comum, sem nunca denunciar as verdades fundamentais. Segundo Espinosa, ele foi a manifestação suprema, mas humana, da Sabedoria Divina. Foi o homem sábio, que mais do que qualquer outro, que se identificou com o Espírito de Deus. Por isso, deve ser considerado como modelo para a Humanidade no seu todo, não perdendo a sua condição humana.
Apesar de utilizar a expressão “Filho de Deus”, Espinosa atribui-lhe um significado diferente do usual, identificando-o com a Sabedoria Divina que se manifesta em todas as coisas.
Recusa o dogma da Encarnação, considerando-o incompreensível. A Ressurreição é analisada por Espinosa com maior cautela, tendo em conta que as aparições de Jesus após a sua morte foram presenciadas fora do círculo dos seus discípulos. Espinosa não duvida da boa fé dos discípulos nem os acusa de embuste.
Na sua perspetiva, os acontecimentos pós-pascais, nomeadamente a Ressurreição e a Ascensão, foram manifestações da revelação divina, adaptadas a mentes humanas muito presas a explicações corporais.
Assim, defende que a Ressurreição deu-se num plano estritamente espiritual e foi revelada através dos meios ao alcance da compreensão humana dos discípulos.
Na sua reflexão sobre o cristianismo, Espinosa entende que a maioria das suas doutrinas são supérfluas e circunscreve-se ao que entende como essencial: que Deus se mantém em nós e nós nos mantemos em Deus.
Jesus é apresentado como um modelo de justiça e de caridade, chegando a afirmar: “onde as encontramos (a justiça e a caridade), está realmente Cristo; onde faltam, Cristo está ausente”.
Embora não reconhecendo a divindade de Jesus, Espinosa considera Jesus como um modelo ético exemplar e a fidelidade á sua mensagem é considerada como um critério para uma vida eticamente digna, à qual todos os seres humanos devem aspirar.