No âmbito da Conferência Universal das Missões Protestantes, organizada na cidade escocesa de Edimburgo, em 1910, considerada como um dos principais pontos de partida do ecumenismo moderno, um delegado de uma Igreja do Extremo Oriente proferiu as seguintes palavras:
“Enviaste-nos missionários que nos fizeram conhecer Jesus Cristo, e por isso vos estamos muitos gratos. Mas trouxeste-nos também as vossas distinções: uns prega-nos o metodismo, outros o luteranismo, o congregacionalismo ou o episcopalismo. Pedimos que nos pregueis simplesmente o Evangelho e deixai que seja o próprio Jesus Cristo a suscitar no seio dos nossos povos, pela ação do seu Espírito, a Igreja, conforme às suas exigências, conforme também ao génio da nossa etnia, que será a Igreja de Cristo na China, a Igreja de Cristo na Índia, liberta de todos os «ismos» que atribuis à pregação do Evangelho entre nós”.
Passado mais de um século, as palavras acima mencionadas não podiam ter maior pertinência.
Desde o início, a história do Cristianismo, modelada por seres humanos na busca de fidelidade a Deus, mas sempre também sujeitas a falhas e limitações, apresenta-se marcada por tensões e divisões, muitas delas com caráter duradouro.
O Evangelho de Jesus não é transmitido no mundo contemporâneo por cristãos que professam em comum o essencial da mesma fé, mas por cristãos divididos entre si, separados uns dos outros. Divergências na compreensão da fé, sobretudo conceções diferentes sobre a Igreja e a sua unidade, os sacramentos e os ministérios, continuam a impedir a realização de uma unidade visível.
A divisão dos cristãos contrasta com um dos princípios fundamentais da fé cristã, enunciado no Credo. Com efeito, a fé cristã professa, como elemento essencial da sua identidade, a unidade da Igreja de Jesus Cristo: “Creio na Igreja una, santa, católica e apostólica”. Com esta formulação do Credo, proclamada pelos Concílios de Niceia (325) e de Constantinopla (381), afirmam as principais Confissões cristãs que a sua fé no Deus Uno e Trino se traduz na realidade da Igreja, comunidade visível de crentes que procuram viver o Evangelho de Jesus ao longo dos tempos.
A realidade de divisão contrasta com a confissão de fé, interpelando os cristãos a uma atitude ecuménica na busca da unidade, tendo como como finalidade um testemunho mais autêntico e da mensagem salvífica e libertadora do Evangelho a favor da Humanidade.
A proclamação do Evangelho junto dos homens e das mulheres do nosso tempo só será eficaz se promovermos os laços de comunhão entre os cristãos das diversas confissões.
Seria, por exemplo, uma contradição querermos estar unidos a Jesus e, ao mesmo tempo, estarmos divididos entre nós, comportando-nos de uma forma individualista, indo cada um por sua conta, julgando-nos ou até excluindo-nos uns aos outros. É preciso, portanto, uma renovada conversão a Deus que nos quer unidos.
Um dos resultados mais frutuosos do ecumenismo ao longo do último século, não obstante as vicissitudes do processo ecuménico e a diversidade de conceções e práticas das diversas Igrejas, foi ter-se alcançado um consenso relevante sobre dois princípios fundamentais: a unidade cristã deve ser uma unidade visível; a unidade a concretizar deve ser uma unidade na diversidade, assente naquilo que é verdadeiramente necessário e suficiente.
Por um lado, existe a consciencialização nas principais Confissões cristãs de que a unidade á concretizar é uma unidade visível, baseada em elementos doutrinais e institucionais comuns,
e não somente uma unidade de cariz espiritual, interior e afetiva. A unidade cristã deve exprimir-se como comunhão da mesma fé, no reconhecimento mútuo dos ministérios e dos sacramentos, na celebração comum da eucaristia e no desenvolvimento do serviço fraterno que emana do Evangelho.
Como segundo aspeto relevante, enfatiza-se que a unidade a construir deve ser uma unidade na diversidade, cuja visibilidade não implicaria uma instituição eclesial única e centralizada, nem numa uniformidade de expressões e linguagem, mas num consenso sobre o conteúdo da fé, dos sacramentos, dos ministérios, do testemunho e do serviço comum. Consequentemente, deve ser uma unidade que salvaguarde e respeite a pluralidade em diversos registos e níveis.
O desenvolvimento e o aprofundamento do ecumenismo exige a prossecução dos seguintes desafios: 1) Consolidar a receção dos resultados do diálogo entre as Igrejas e os organismos ecuménicos, tanto no nível da informação quanto da circulação, como um processo de assimilação vital, urgente e necessária; 2) Organizar a vida das comunidades num verdadeiro espírito e método ecuménicos, na pastoral, na espiritualidade, na catequese, nas instituições e estruturas; 3) Promover o diálogo, a partir do respeito das recíprocas identidades e tradições; 4) buscar com sinceridade a reconciliação, demonstrando sincera abertura para compreender a teologia e a prática das Igrejas irmãs; 5) Investir em estruturas ecuménicas, a nível local, regional e nacional 6) Apostar na formação ecuménica, tanto dos ministros ordenados quanto das comunidades dos fiéis; 7) Clarificar os horizontes do diálogo, estabelecendo metas a serem alcançadas, sobretudo nos horizontes doutrinal, pastoral e espiritual.
O diálogo ecuménico nunca foi fácil, mas devemos ter em conta que o ecumenismo emana radicalmente da esperança cristã, que não se baseia na simples confiança nas capacidades humanas.
O ccumenismo aparece como um dom ligado ao agir salvífico de Deus, que quer construir uma nova Humanidade na verdade, na justiça, no amor e na paz, e como missão a cumprir pelos crentes.