quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

A Internet: nova fronteira espiritual



É praticamente impossível imaginar o mundo do século XXI sem Internet. Estamos na era da comunicação virtual, onde a pessoa pode conhecer o mundo através das novas tecnologias. Em tempo real, as pessoas podem partilhar conteúdos diversos à escala planetária.
Um dos primeiros pensadores a antecipar o impacto do desenvolvimento das tecnologias na comunicação humana à escala global foi o filósofo e teólogo francês Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955), que, na década de 1930, previu a integração do pensamento humano numa rede inteligente que acrescentará mais uma camada em torno do planeta, a Noosfera, que recobrirá a biosfera terrestre.
Basta fazer uma simples pesquisa em qualquer motor de busca e encontra-se uma diversidade enorme de opções religiosas no ciberespaço, desde as religiões mais tradicionais e estruturadas aos novos movimentos religiosos, passando por pessoas e grupos com convicções agnósticas e ateias.
Pode-se afirmar que a Internet é a nova fronteira religiosa. Aliás, o desenvolvimento do fenómeno religioso na Internet mostra uma das principais tendências das sociedades contemporâneas, mais concretamente o crescimento de uma espiritualidade não institucionalizada.
Com efeito, assiste-se a um crescimento da religiosidade, cada vez mais diversificada e plural, e a diminuição do interesse pelas instituições religiosas. Há o aumento dos temas religiosos na esfera pública, mas uma redução de interesse pelos dogmas e pelos conteúdos tradicionalmente fundamentais na doutrina das religiões institucionalizadas.
O despertar religioso do século XXI é ambíguo, ambivalente e múltiplo. A religiosidade do século XXI engloba práticas neo-orientais, neomisticismos e neoesoterismos, com aspetos ecológicos e terapêuticos, mas também conceções de cariz integrista e fundamentalista.
Como é sabido, o ciberespaço está em crescimento exponencial e está a ser utlizada por um crescente número de pessoas afastadas das instituições religiosas, mas que continuam a acreditar no Divino e cultivam uma espiritualidade não institucionalizada, o que não deixa de ter profundas repercussões na vida das sociedades.
Para manifestar a sua religiosidade, os cibernautas não precisam de ter vínculo com alguma comunidade ou instituição religiosa específica, nem deslocar-se no espaço físico para encontrar a comunidade de fé e realizar os seus ritos.
Historicamente, as instituições religiosas eram as principais responsáveis por estabelecer a mediação entre o indivíduo e o transcendente.
Na contemporaneidade, a relação do individuo com o Divino acontece, independentemente da presença da instituição.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

O ecumenismo: novos desafios


No dia 25 de janeiro do presente ano, foi formalizada, em Lisboa, a declaração de reconhecimento mútuo do batismo entre a Igreja Católica Romana, a Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica, a Igreja Evangélica Metodista Portuguesa, a Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal e Igreja Ortodoxa do Patriarcado Ecuménico de Constantinopla.
Trata-se de um passo significativo, mas que implica novos passos, mais firmes e sólidos.
De facto, desde que o Batismo seja realizado dentro das condições normais e básicas do seguimento de Jesus, à luz da tradição do Evangelho, o reconhecimento não deveria ser alvo de qualquer problema ou discussão. Há aqui algo mais de simbólico do que de grande acontecimento.
A unidade é um dom ligado ao agir salvífico de Deus, que quer construir uma Humanidade nova baseada no amor, na paz e na justiça.
Segundo as Escrituras, os crentes são chamados a promover a unidade do Espirito de Deus. Na carta de aulo à comunidade cristã de Éfeso, este apelo à unidade é expresso da seguinte forma: “Há um só Corpo e um só Espírito, assim como a vossa vocação vos chamou a uma só esperança; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, que reina sobre todos, age por todos e permanece em todos”. Na carta à comunidade cristã de Corinto, Paulo escreve: “Há diversidade de dons, mas um só Espírito. Os ministérios são diversos, mas um só é o Senhor. Há também diversas operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. A cada um é dada a manifestação do Espírito para proveito comum”.
Desde o início, a história do Cristianismo, modelada por pessoas em busca de fidelidade a Deus, mas sempre também sujeitas a falhas e erros, apresenta-se marcada por tensões e divisões, muitas delas dolorosas e que desfiguraram o seu rosto.
Com efeito, o Evangelho de Jesus não nos é transmitido no mundo de hoje por cristãos que professam em comum o essencial da mesma fé, mas por cristãos divididos entre si, separados e afastados uns dos outros.
Diferenças na compreensão da fé, sobretudo conceções diversas acerca da Igreja e da sua unidade, dos sacramentos e dos ministérios, continuam a impedir a realização de uma unidade visível, prejudicando o testemunho credível da mensagem de libertação e de amor contida no Evangelho a favor da Humanidade.
Portanto, cada cristão, cada um a seu modo e dentro do seu âmbito de responsabilidade, deve contribuir para a unidade da Igreja de Jesus Cristo na história
Unidade não significa uniformidade. O ecumenismo deve valorizar a unidade na diversidade, tendo em conta a realidade e as aspirações da Humanidade do século XXI.
As Igrejas cristãs devem promover o reconhecimento mútuo dos sacramentos e dos ministérios. A promoção de uma visão eclesiológica plural é um contributo fundamental para desbloquear tensões, superar mal entendidos, abrir os horizontes e ajudar a perceber melhor a riqueza de um horizonte comum futuro.
Deve-se promover a elaboração de uma nova Profissão de Fé comum a todas as Igrejas cristãs, adaptada ao tempo e que tome como ponto de referência a mensagem cristã original. Não raras vezes, a linguagem utlizada pelas Igrejas é aborrecida, obsoleta, anacrónica, repetitiva e desadaptada à nossa época. Não se trata em absoluto de acomodar-se nem de fazer demagogia, pois a mensagem do Evangelho deve ser apresentada em toda a sua exigência ética. Uma nova evangelização não consiste em repetir a antiga, que já não diz mais nada, mas em inovar, criar uma nova linguagem que expresse a fé de modo apropriado e que tenha significado para a Humanidade de hoje.
Deve-se promover uma renovação em profundidade da teologia e da catequese, que apele mais à dimensão mística e profética e que tenha em conta a totalidade do Homem como ser físico, psíquico e espiritual.
Por fim, sugere-se a convocação de um concílio ou assembleia geral ao nível da Igreja universal, do qual deverão estar representados todos os cristãos, para examinar com toda a franqueza e clareza os assuntos assinalados anteriormente e os que forem propostos. Para este concílio, deverão ser convidadas, na qualidade de observadores, as religiões não cristãs da Terra, tendo em conta o grande ensinamento de que Deus ama toda a Humanidade, sem exceção.
Uma espécie de 2.º Concílio de Jerusalém II, em memória do Concílio de Jerusalém, realizado em 48 EC, sob a liderança de Tiago, irmão de Jesus, que abordou o relacionamento do Cristianismo primitivo com o Judaísmo e o mundo gentio de então.   
A convicção ecuménica brota radicalmente da esperança cristã, não se baseia na simples confiança nas nossas forças, mas sim na fé esclarecida e lúcida no Espirito de Deus que nos interpela, todos os dias, a cultivar um amor profundo por todos os seres que fazem parte do nosso Universo.
 

A religião e a espiritualidade no século XXI


Nas sociedades regidas pelo paradigma da modernidade, a racionalidade, a ciência, o individualismo e o materialismo promoveram o desencantamento do mundo, mas não esvaziam a necessidade genuinamente humana de encontrar um sentido para o Universo e para a existência.
Após o “desencantamento” do mundo", característico da modernidade, que foi analisado por Max Weber e outros pensadores das ciências sociais e humanas, constata-se atualmente um processo de "reencantamento do mundo", conforme assinala o sociólogo e teólogo austro-americano Peter Berger e o sociólogo francês Marcel Gauchet, marcado pela relação entre racionalidade e aspiração à espiritualidade.
O filósofo francês Martin Legros apresenta quatro cenários sobre a evolução da religião e a espiritualidade no nosso século XXI.
O primeiro cenário é o do retorno das religiões tradicionais renovadas. Existem razões para o sucesso das religiões ditas tradicionais. Face ao desenraizamento das sociedades contemporâneas, descobre-se que é essencial o laço comunitário e social das religiões. Com a oferta de um quadro de narrativas, símbolos e ritos, elas estruturam a relação do ser humano com o transcendente. 
O segundo cenário é o da aceleração do processo de secularização, através da convergência das nanotecnologias, das biotecnologias, das ciências cognitivas e das tecnologias de informação. A ciência e a técnica poderão substituir a religião na resposta aos enigmas da Humanidade.
O terceiro cenário é o que se pode chamar "a era das espiritualidades". Não se acredita no Deus pessoal dos monoteísmos, mas também se não aceita que o Universo a Vida e a Humanidade se reduzam a partículas atómicas, células e neurónios. Talvez não se aceite a vida após a morte, mas também se recusa a afirmação ateísta segundo a qual "não há nada". O sentimento de fusão na Natureza como um todo animado, a abertura ao infinito e ao absoluto, uma espiritualidade pós-teísta poderá ser a grande tendência do século XXI, que verá cada vez mais os crentes afastarem-se das religiões institucionalizadas e os não crentes espiritualizarem-se.
O quarto cenário é o do confronto entre os fanatismos religiosos, agravado pela dinâmica do capitalismo global, segundo o pensador alemão H. M. Enzensberger. Na sua perspetiva, com o atual modelo de globalização o número de populações perdedoras aumenta constantemente, o que pode levar ao agravamento dos conflitos, nos quais a religião pode ser utlizada como instrumento de poder e de dominação. O antropólogo francês René Girard é ainda mais pessimista: "A 'guerra justa' de George W. Bush reativou a de Maomé, mais poderosa porque essencialmente religiosa. Duas guerras mundiais, a invenção da bomba atómica, vários genocídios, uma catástrofe ecológica iminente não terão bastado para convencer a Humanidade, e os cristãos em primeiro lugar, de que os textos apocalípticos, mesmo se não tinham qualquer valor de predição, diziam respeito ao desastre em curso".
Os dados estão ai, quando se analisa a geografia do fenómeno religioso. Há o progresso fulgurante do Islão, com 1.300 milhões de crentes, em Africa, no Médio Oriente e na Ásia, e do neo-protestantismo cristão, sobretudo do evangelismo pentecostal, com milhões de adesões na África, na Ásia e nas Américas.
Pessoalmente, tenho esperanças de que o diálogo inter-religioso e inter-espiritual, envolvendo as pessoas das diversas confissões religiosas, bem como os agnósticos e os ateus, possa contribuir para o desenvolvimento de uma civilização universal baseada no amor e na compaixão.
Conforme está enunciado na Carta pela Compaixão, elaborada com a participação global de pessoas de diversas nacionalidades, origens e convicções:"É urgente que façamos da compaixão uma força clara, luminosa e dinâmica no nosso mundo polarizado. Com raízes numa determinação de princípios de transcender o egoísmo, a compaixão pode quebrar barreiras políticas, dogmáticas, ideológicas e religiosas. Nascida da nossa profunda interdependência, a compaixão é essencial para os relacionamentos humanos e para uma humanidade realizada. É o caminho para a iluminação e é indispensável para a criação de uma economia justa e de uma comunidade global pacífica.”