quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A religião e a espiritualidade no século XXI


Nas sociedades regidas pelo paradigma da modernidade, a racionalidade, a ciência, o individualismo e o materialismo promoveram o desencantamento do mundo, mas não esvaziam a necessidade genuinamente humana de encontrar um sentido para o Universo e para a existência.
Após o “desencantamento” do mundo", característico da modernidade, que foi analisado por Max Weber e outros pensadores das ciências sociais e humanas, constata-se atualmente um processo de "reencantamento do mundo", conforme assinala o sociólogo e teólogo austro-americano Peter Berger e o sociólogo francês Marcel Gauchet, marcado pela relação entre racionalidade e aspiração à espiritualidade.
O filósofo francês Martin Legros apresenta quatro cenários sobre a evolução da religião e a espiritualidade no nosso século XXI.
O primeiro cenário é o do retorno das religiões tradicionais renovadas. Existem razões para o sucesso das religiões ditas tradicionais. Face ao desenraizamento das sociedades contemporâneas, descobre-se que é essencial o laço comunitário e social das religiões. Com a oferta de um quadro de narrativas, símbolos e ritos, elas estruturam a relação do ser humano com o transcendente. 
O segundo cenário é o da aceleração do processo de secularização, através da convergência das nanotecnologias, das biotecnologias, das ciências cognitivas e das tecnologias de informação. A ciência e a técnica poderão substituir a religião na resposta aos enigmas da Humanidade.
O terceiro cenário é o que se pode chamar "a era das espiritualidades". Não se acredita no Deus pessoal dos monoteísmos, mas também se não aceita que o Universo a Vida e a Humanidade se reduzam a partículas atómicas, células e neurónios. Talvez não se aceite a vida após a morte, mas também se recusa a afirmação ateísta segundo a qual "não há nada". O sentimento de fusão na Natureza como um todo animado, a abertura ao infinito e ao absoluto, uma espiritualidade pós-teísta poderá ser a grande tendência do século XXI, que verá cada vez mais os crentes afastarem-se das religiões institucionalizadas e os não crentes espiritualizarem-se.
O quarto cenário é o do confronto entre os fanatismos religiosos, agravado pela dinâmica do capitalismo global, segundo o pensador alemão H. M. Enzensberger. Na sua perspetiva, com o atual modelo de globalização o número de populações perdedoras aumenta constantemente, o que pode levar ao agravamento dos conflitos, nos quais a religião pode ser utlizada como instrumento de poder e de dominação. O antropólogo francês René Girard é ainda mais pessimista: "A 'guerra justa' de George W. Bush reativou a de Maomé, mais poderosa porque essencialmente religiosa. Duas guerras mundiais, a invenção da bomba atómica, vários genocídios, uma catástrofe ecológica iminente não terão bastado para convencer a Humanidade, e os cristãos em primeiro lugar, de que os textos apocalípticos, mesmo se não tinham qualquer valor de predição, diziam respeito ao desastre em curso".
Os dados estão ai, quando se analisa a geografia do fenómeno religioso. Há o progresso fulgurante do Islão, com 1.300 milhões de crentes, em Africa, no Médio Oriente e na Ásia, e do neo-protestantismo cristão, sobretudo do evangelismo pentecostal, com milhões de adesões na África, na Ásia e nas Américas.
Pessoalmente, tenho esperanças de que o diálogo inter-religioso e inter-espiritual, envolvendo as pessoas das diversas confissões religiosas, bem como os agnósticos e os ateus, possa contribuir para o desenvolvimento de uma civilização universal baseada no amor e na compaixão.
Conforme está enunciado na Carta pela Compaixão, elaborada com a participação global de pessoas de diversas nacionalidades, origens e convicções:"É urgente que façamos da compaixão uma força clara, luminosa e dinâmica no nosso mundo polarizado. Com raízes numa determinação de princípios de transcender o egoísmo, a compaixão pode quebrar barreiras políticas, dogmáticas, ideológicas e religiosas. Nascida da nossa profunda interdependência, a compaixão é essencial para os relacionamentos humanos e para uma humanidade realizada. É o caminho para a iluminação e é indispensável para a criação de uma economia justa e de uma comunidade global pacífica.”

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