Atualmente, porventura mais do que nunca, o diálogo entre as diversas espiritualidades assume uma relevância fundamental para o progresso ético e civilizacional da Humanidade
Não se trata de alcançar
uma religião única, nem de promover um cocktail de religiões, nem tão pouco de
substituir a religião por uma ética.
A meta de um
entendimento universal entre as religiões e as demais espiritualidades deve ser
uma ética comum da Humanidade, baseada em valores de verdade e de tolerância a
nível planetário e na responsabilização dos seres humanos relativamente ao seu
próprio presente e futuro e ao futuro do nosso planeta.
O diálogo entre as
diversas religiões e espiritualidades passa por um caminho racional de
tolerância e de diálogo empenhado, acompanhado de investigações aprofundadas no
domínio do estudo comparado das diversas correntes religiosas, espirituais e
filosóficas.
Um dos domínios
privilegiados para este diálogo é a ecologia, tendo em conta que é da maior
relevância enfatizar a
responsabilidade humana de preservar um ambiente sustentável para todos.
Com efeito, a
Humanidade de hoje, se conseguir conjugar as novas capacidades científicas e
tecnológicas com uma elevada dimensão ética, será certamente capaz de salvaguardar
o planeta Terra como lar comum da espécie humana no seu todo, respeitando os
direitos das gerações atuais e vindouras a uma vida livre, digna e feliz.
Neste âmbito, serão analisadas
sucintamente as perspetivas budista e cristã sobre a ecologia.
A
ecologia no budismo
O budismo considera
que o Universo e todas as criaturas que nele existem se encontram num estado de
sabedoria, amor e compaixão completos, atuando em reciprocidade e
interdependência.
Segundo os
ensinamentos budistas, há
uma interdependência
muito próxima entre o meio ambiente
natural e os seres humanos e os demais seres sencientes que nele habitam.
Considerando que que
os seres humanos são
basicamente gentis por natureza, o budismo preconiza que devem-se manter
relações gentis e pacíficas
com a comunidade de seres humanos, mas também que é da maior relevância muito importante estender a
mesma atitude gentil para com o meio ambiente natural.
A
ecologia no cristianismo
A Bíblia ensina que cada ser humano é criado por amor, feito à imagem e
semelhança de Deus. Não somos Deus. A Terra existe antes de nós e foi-nos dada,
O convite a dominar a Terra contido no livro do Génesis não significa
favorecer a exploração selvagem da natureza, mas cuidar da Terra como quem cuida de um jardim. Os ensinamentos das
Escrituras bíblicas apelam aos seres humanos a reconhecer que cada criatura é objeto da ternura do Divino que lhe
atribui um lugar no mundo.
Recentemente, em 18
de junho do presente ano, o papa Francisco anunciou a sua encíclica “Laudato si”, que tem como temática central a
ecologia.
A encíclica é o grau máximo das cartas que um Papa escreve e a expressão
'Laudato si' (Louvado seja) remete para o “Cântico das Criaturas”, de Francisco
de Assis, que mostrou na sua vida como são inseparáveis a preocupação pela natureza, a
justiça para com os mais pobres e vulneráveis, a participação na sociedade e a paz
interior.
É a primeira vez que um papa aborda o tema da
ecologia no sentido de uma ecologia
integral de forma tão completa. Além disso, aborda o tema dentro
do novo paradigma ecológico, coisa que nenhum documento oficial da Organização
das Nações Unidas até hoje fez.
Fundamental é seu discurso com os dados mais
seguros das ciências da vida e da Terra. Lê os dados com uma profunda intuição,
pois discerne que por detrás deles se escondem dramas humanos e ecológicos. Valoriza
a colegialidade, incluindo as contribuições de dezenas de conferências
episcopais do mundo inteiro. Acolhe as contribuições de outros pensadores como
os católicos Pierre Teilhard de Chardin, Romano Guardini, Dante Alighieri e Juan
Carlos Scannone, do protestante Paul Ricoeur e do muçulmano sufi Ali
Al-Khawwas. Por fim, os destinatários da encíclica são todos os seres humanos,
pois todos são habitantes da mesma casa comum.
A ética universal e a ecologia
Atualmente, é um imperativo ético cuidar da natureza, porque é criação, dom e
presente de Deus.
Nesta imensa missão, precisamos do contributo das sabedorias do Oriente
do Ocidente. Ambas estão contidas nos três aspetos fundamentais da via do
Dharma: sabedoria (prajna), meditação
(dhyna) e ética (sila).
Quando, a partir da espiritualidade cristã, se deixa impelir pela escuta
budista da voz do Dharma, enriquece-se o que significa para a consciência
cristã respirar no Espírito. A espiritualidade budista também é enriquecida.
Portanto, o diálogo entre as espiritualidades pode contribuir para o
encorajamento de um estilo de vida profético e contemplativo, capaz de gerar
felicidade e alegria. A ecologia integral implica passar
da exterioridade à interioridade, para descobrir a presença do Divino em todas
as coisas.
Baseando-se na sua
própria experiência, Ali Al-Khawwas, um dos principais mestres espirituais do sufismo
islâmico, enfatizava a importância de não separar demasiado as criaturas do
mundo e a experiência interior do Divino. Dizia ele: «Não é preciso criticar
preconceituosamente aqueles que procuram o êxtase na música ou na poesia. Há
um “segredo” subtil em cada um dos movimentos e dos sons deste mundo. Os
iniciados chegam a captar o que dizem o vento que sopra, as árvores que se
curvam, a água que corre, as moscas que zunem, as portas que rangem, o canto
dos pássaros, o dedilhar de cordas, o silvo da flauta, o suspiro dos enfermos,
o gemido dos aflitos… ».
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