Nem todas as pessoas têm a mesma imagem de Jesus. Cada um de nós vai elaborando uma imagem da sua pessoa e da sua mensagem, de acordo com a nossa própria psicologia, o ambiente social em que estamos inseridos e as nossas convicções.
Contudo, a imagem que temos acerca de Jesus tem uma relevância fundamental, na medida em que influencia o nosso modo de entender e viver a dimensão espiritual do nosso ser.
Daí a importância de conhecermos o rosto humano de Jesus, porventura a personagem mais importante da História da Humanidade.
Jesus está na base da maior religião do mundo. Cerca de um terço dos seres humanos espalhados pelo mundo reclamam-se hoje da fé nele e dizem-se cristãos. Existem pessoas de outras religiões e inclusive pessoas sem confissão religiosa que admiram a sua vida e mensagem, embora não se reconheçam no cristianismo. A sua figura foi de tal modo determinante que a História se dividiu em antes e depois de Cristo. Ninguém tem dúvidas de que sem ele a História seria diferente.
Estamos no Advento, o período de quatro semanas que antecede o Natal, a data na qual se assinala simbolicamente o nascimento de Jesus.
O objetivo deste trabalho é analisar, de forma sucinta, o rosto humano de Jesus, destacando alguns traços importantes. Não se trata duma descrição exaustiva, mas de algo que nos pode incentivar a seguir os seus passos, abrindo novos horizontes na construção de um mundo baseado num novo paradigma das relações do seres humanos entre si, com a natureza e com a Fonte originária de onde emana todo a existência.
Atualmente, temos de Jesus mais e melhor informação do que sobre a maioria das personagens do seu tempo.
Dispomos de tudo o que as testemunhas da sua vida e da sua época nos transmitiram. Para além dos escritos canónicos do Novo Testamento, dispomos dos escritos apócrifos, bem como de fontes documentais judaicas e pagãs que se referem a Jesus.
Consequentemente, a tese de que Jesus não existiu e foram os crentes que produziram um conjunto de mitos sobre a sua existência não tem fundamento nem credibilidade.
JUDEU DE ISRAEL
Jesus, ou melhor, Yeshua (o seu nome hebraico), nasceu entre os anos 6 e 4 antes da nossa era, em Israel, durante o reinado de Herodes, o Grande, rei da Judeia e vassalo de Roma, sendo imperador Otávio César Augusto.
Morreu provavelmente em 7 de abril do ano 30, executado por ordem do prefeito Pôncio Pilatos, que governava a Judeia em nome do imperador César Tibério.
Os seus pais terrenos eram Maria e José, ambos descendentes do rei David, o monarca que tinha unificado e engrandecido Israel, o que contribuiu para reforçar a aura messiânica em torno de Jesus.
Tudo indica Jesus sabia ler e escrever e tinha conhecimentos particularmente sólidos sobre as escrituras hebraicas.
Desenvolveu a sua fé em Deus no âmbito da sua família e nas reuniões religiosas de sábado. Não parece ter frequentado nenhuma escola de escribas. Na transmissão da sua mensagem, exprimiu a sua experiência pessoal de Deus, recorrendo a parábolas, símbolos e comparações extraídas da natureza e da vida quotidiana do mundo rural.
Na conversação corrente e na pregação nos espaços fora das sinagogas, Jesus falava habitualmente em aramaico, que era a língua de uso quotidiano entre os judeus de Israel.
No que diz refere ao grego, a língua franca do Mediterrâneo Oriental, é muito provável que Jesus tivesse conhecimentos desta língua, dado que muitos habitantes das zonas rurais de Israel conheciam esta língua; de modo a comunicar com os habitantes das cidades, que eram na sua maioria gentes de cultura helénica. Além disso, Nazaré era uma pequena povoação situada somente a cinco quilómetros de Séforis, a capital da Galileia, na qual coexistiam judeus e gentios de cultura helenística.
O hebraico era reservado para fins religiosos. As constates referências dos evangelhos à pregação de Jesus nas sinagogas e às suas conversas com fariseus e saduceus sobre os textos das Escrituras, evidenciam que Jesus conhecesse e empregasse a língua hebraica.
Não parece que Jesus tivesse conhecimentos de latim, língua usada somente pelos funcionários imperiais no contacto entre si e por algumas pessoas cultas.
Profissionalmente, Jesus não foi um carpinteiro ao estilo dos nossos dias. Foi um artesão cuja atividade abarcava diversos trabalhos relacionados com a madeira e a pedra.
PROFETA E MESTRE DA SABEDORIA DIVINA
Foi um profeta escatológico, que anunciava a instauração do Reino de Deus. Foi um grande mestre da Sabedoria Divina, inserido na tradição dos profetas de Israel, homens e mulheres, não raras vezes perseguidos e inclusive mortos devido ao seu papel de mensageiros da Sabedoria Divina. Foi alguém dotado de um carisma excecional e um curador da vida. Tinha uma enorme proximidade e atenção preferencial que cultivava em relação aos mais vulneráveis. Jesus anunciou e tornou presente a salvação de Deus, curando homens e mulheres incapazes de viver duma forma saudável, excluídos e marginalizados por serem suspeitos de pecado e impureza. Libertou-os da exclusão e do desespero; reconciliou-os com Deus e promoveu a sua dignificação como seres humanos. Promoveu a mesa comum e a pão partilhado como símbolos de uma nova ordem religiosa e social baseada no respeito pela dignidade de todos os seres humanos e na fraternidade universal.
A BOA NOVA DO REINO DE DEUS
Jesus surpreendeu Israel com a sua pregação: «O Reino de Deus já chegou» (Lc 11, 20). O Reino de Deus está ao vosso alcance: «Vede, o Reino de Deus já está entre vós» (Lc 17, 21). O Reino de Deus pode ser acolhido, sentido e vivido. «O Reino de Deus está dentro e fora de vós» (Evangelho de Tomé, 3). É chegada a altura de acolher Deus que surge como salvador e amigo da vida e da humanidade, na pregação e nos gestos libertadores de Jesus.
Não podia haver boa nova mais emancipadora para o povo de Israel e a humanidade em geral do que o anúncio da vinda do Reino de Deus, que é simultaneamente imanente e transcendente. Segundo Jesus, Deus não vem para destruir, mas para libertar. Não pretende o castigo dos pecadores. Jesus anuncia um Deus que «faz nascer o sol sobre bons e maus, e faz cair a chuva sobre justos e injusto» (Mt 5, 45). Deus não vem para punir ou controlar o mundo. Vem para destruir as forças do mal, com o seu poder criador, redentor e santificador. Deus não vem para reforçar a religião, nem para garantir a observância de uma determinada moral. Jesus não tomou posição a favor do povo eleito e contra os gentios. Não defendeu os justos e cumpridores da lei religiosa judaica, em oposição aos ímpios que a não cumprem. Deus é Pai de todos. Para todos os seres humanos, pretende uma vida mais digna, feliz e próspera.
Ao proclamar a exigência radical de Deus nestes termos: «Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso» (Lc 6, 36), Jesus provocou uma verdadeira revolução. O amor compassivo é o modo de ser de Deus, a sua primeira reação perante o ser humano. Por isso, a compaixão não é, apenas, mais uma virtude humana, mas o modo por excelência de ser, de sentir e de atuar como Deus. Entrar no Reino de Deus é viver focado no amor misericordioso de Deus.
Tudo o que Jesus fez foi inspirado pelo amor compassivo, e teve por objetivo a construção de uma nova sociedade fraterna, equitativa, solidária e acolhedora.
A proclamação de uma ética de amor incondicional é visível na célebre passagem da mulher pecadora (erroneamente identificada com Maria Madalena, uma das principais discípulas), que ungiu os pés de Jesus com perfumes. Respondendo às críticas dos presentes, Jesus disse, «Por isso, digo-te que lhes são perdoados os seus muitos pecados, porque muito amou, mas àquele a quem pouco se perdoa pouco ama. Depois, disse à mulher: os teus pecados estão perdoados» (Lc 7, 47.48). Consequentemente, estabeleceu um vínculo místico essencial entre o amor e o perdão, dois princípios fundamentais da sua mensagem:
O TRIUNFO DA VIDA SOBRE A MORTE
Jesus viu-se a si próprio como o Messias anunciado pelos profetas do Antigo Testamento, como um libertador que tinha como finalidade salvar o povo de Israel e a humanidade em geral das diversas formas de opressão que alienam o ser humano como sujeito criado à imagem e semelhança de Deus.
Jesus viu-se a si próprio como o Messias anunciado pelos profetas do Antigo Testamento, como um libertador que tinha como finalidade salvar o povo de Israel e a humanidade em geral das diversas formas de opressão que alienam o ser humano como sujeito criado à imagem e semelhança de Deus.
A sua popularidade no povo judeu, a sua interpretação inclusiva da lei religiosa judaica, a sua crítica à ordem social vigente e sobretudo a sua proclamação do Reino de Deus terão sido causas essenciais para o levar à morte, ordenada pelo prefeito Pôncio Pilatos, com a cumplicidade das altas autoridades religiosas judaicas.
Contudo, pouco tempos depois, os discípulos começaram a proclamar que Jesus estava vivo, fora ressuscitado e exaltado na glória com Deus.
A ressurreição de Jesus pode ser compreendida como uma passagem para uma outra dimensão, distinta da dimensão espácio-temporal na qual estamos inseridos, uma ascensão à esfera da realidade última e absoluta que é Deus.
À primeira vista, a crucificação de Jesus era o símbolo de esperança não apenas derrotada, mas esmagada e dizimada. A crucificação de Jesus causou desorientação e desânimo nos seus discípulos. Mas, passado pouco tempo, desenvolveu-se um movimento espiritual particularmente dinâmico que transformou radicalmente o percurso histórico da Humanidade. Este surto de energia humana desenvolveu-se porque Jesus havia ressuscitado, com base no princípio de que a sua ressurreição deve ser concebida como a declaração divina de que a sua vida é a revelação por excelência de Deus na história humana..
O movimento de Jesus, no qual de baseou o cristianismo primitivo, era um movimento que radicava nos ensinamentos do Mestre e na tradição judaica, embora existissem influências das filosofias estoica e cínica e da mitosofia mistérica helenística.
Jesus foi o inspirador de um movimento espiritual que se reuniam em seu nome para viver a experiência do Espírito de Deus. Neste movimento, os homens e as mulheres tinham de início papéis absolutamente equivalentes, um aspeto essencial que foi não raras vezes esquecido, e que importa revalorizar.
O Evangelho de Marcos diz-nos: «Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus» (Mc 15, 39). Esta frase do Novo Testamento expressa a relação íntima de Jesus com Deus, de modo que Jesus é a manifestação humana por excelência de Deus. Jesus revela Deus através das palavras e atos, na sua práxis libertadora, na sua opção pelos pobres e no movimento de homens e mulheres que tem compartilhado seu projeto de vida ao longo dos últimos dois milénios. A sua relação com Deus é tão estreita que tudo Jesus diz e faz é Deus que fala e age.
O movimento de Jesus, no qual de baseou o cristianismo primitivo, era um movimento que radicava nos ensinamentos do Mestre e na tradição judaica, embora existissem influências das filosofias estoica e cínica e da mitosofia mistérica helenística.
Jesus foi o inspirador de um movimento espiritual que se reuniam em seu nome para viver a experiência do Espírito de Deus. Neste movimento, os homens e as mulheres tinham de início papéis absolutamente equivalentes, um aspeto essencial que foi não raras vezes esquecido, e que importa revalorizar.
O Evangelho de Marcos diz-nos: «Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus» (Mc 15, 39). Esta frase do Novo Testamento expressa a relação íntima de Jesus com Deus, de modo que Jesus é a manifestação humana por excelência de Deus. Jesus revela Deus através das palavras e atos, na sua práxis libertadora, na sua opção pelos pobres e no movimento de homens e mulheres que tem compartilhado seu projeto de vida ao longo dos últimos dois milénios. A sua relação com Deus é tão estreita que tudo Jesus diz e faz é Deus que fala e age.
Na humanidade exemplar de Jesus, apreende-se o rosto do Pai (Abba) e o sentido glorioso da sua divindade. Como disse uma vez Leonardo Boff: «Quando mais humano se apresenta Jesus, mais Deus se manifesta. Quando mais Deus é Jesus, tanto se revela aí o ser humano».