No
primeiro trimestre de 2014, foi estreado o filme The Son of God, dirigido pelo realizador norte-americano Christopher
Spencer, que conta com a interpretação do ator português Diogo Morgado como
Jesus.
Enquanto
o filme está a ser apresentado nas salas de cinema, vale a pena analisar outros
filmes sobre Jesus, que tem sido uma tema privilegiado na história da Sétima
Arte.
Um
dos filmes mais brilhantes sobre a figura de Jesus foi o filme O Evangelho Segundo São
Mateus, dirigido pelo realizador
italiano Pier
Paolo Pasolini (1922-1975).
Pasolini
era assumidamente homossexual, ateu e marxista, sendo uma das personalidades mais
amadas e odiadas da Itália do seu tempo.
Influenciado pelo neo-realismo, Pasolini
escolheu o Evangelho de Mateus porque considera-lo o que mais transmitia um
testemunho mais autêntico da vida e da mensagem de Jesus. Na sua perspetiva, “o
Evangelho de João é demasiado místico, o de Marcos é muito vulgar e o de Lucas
demasiado sentimental”.
O
Jesus deste filme não é como os de muitos filmes norte-americanos e europeus
(representado sempre na figura de um homem loiro e com olhos azuis, como se na
Palestina de há dois mil anos fosse fácil encontrar alguém com tais
características). Pasolini escolheu um ator amador (ele gostava de trabalhar
com amadores), alto, moreno, com sobrancelhas grossas para fazer o papel de
protagonista.
Pasolini
tinha uma forte admiração pela figura de Jesus que era um mestre espiritual que
defendia uma mensagem de libertação integral da Humanidade, estava sempre ao
lado dos mais humildes e indefesos e enfrentava os poderes terrenos que
oprimiam a pessoa humana, até às últimas consequências.
Um dia, Pasolini afirmou: “Em palavras simples: eu não acredito que Cristo seja Filho de Deus, porque não sou crente – pelo menos conscientemente. Mas acredito que Cristo seja divino: isto é, creio que nele a humanidade é uma coisa tão elevada, tão rigorosa e ideal que ultrapassa os termos comuns da humanidade. Por isso falo em ‘poesia’: instrumento irracional para exprimir este meu sentimento irracional por Cristo”.
Provavelmente,
foi esta a razão que levou Pasolini a aceitar o convite de João XXIII, um papa
que promoveu o Concílio Vaticano II e a abertura da Igreja Católica em relação
ao mundo contemporâneo em diversas áreas, inclusive na área cultural e artística.
Filmado em algumas terras áridas da região de
Basilicata, no sul de Itália a fotografia é bela, com olhares que
expressam os mais
diversos sentimentos humanos,
o filme tem uma banda sonora que toca a alma, conjugando música clássica (Bach
e Mozart) e blues.
Pasolini
conseguiu transformar a vida de Jesus em poesia. O Jesus que ele retrata é profusamente
humano, dotado de doçura e serenidade, mas também de paixão e revolta. Um Jesus
com um olhar profundo. Um ser humano com um elevado sentido ético,
profundamente empenhado na concretização do projeto libertador do Reino de Deus,
a grande causa da sua vida.
Daí
a relevância que Pasolini dá aos grandes discursos de Jesus, e em particular o
Sermão da Montanha, que apresenta o ensinamento ético e religioso do grande
profeta da Palestina.
O
filme realizador italiano foi extremamente bem recebido pela crítica. Venceu
dois prémios no Festival
de Veneza, incluindo uma
menção especial do Júri, recebeu o prémio OCIC (Office Catholique International
du Cinema) e teve três indicações para os Óscares. Além disso, foi muito bem
acolhido pelo público, que continua a aclamá-lo ainda hoje.
Pasolini
legou uma obra importante para a História do Cinema, e que continua a ser
essencial para se compreender a vida e a mensagem de Jesus, que o cineasta tornou mais próximo
dos seres humanos e das suas aspirações mais nobres. Como disse o crítico de
cinema Roger Ebert (1942-2013): O filme de Pasolini diz-nos que Jesus foi um radical e cujos
ensinamentos, se levados a sério, contradizem os valores da maioria das
sociedades humanas desde então”.