domingo, 13 de abril de 2014

Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?


Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”. Constitui uma das declarações mais conhecidas e aparentemente mais desconcertantes de Jesus.
Com efeito, os Evangelhos de Marcos e de Mateus referem este grito de Jesus na cruz, pouco antes de morrer.
Mutos teólogos interpretam este grito no sentido literal. De acordo com esta interpretação, Jesus, identificado com os pecadores, aceita o castigo que Deus lhes destinou e assume o silêncio dos condenados.
Tal como em diversas passagens das Escrituras bíblicas, as interpretações demasiado literais não são aceitáveis.
A frase acima mencionada indica que Jesus estava a recitar o Salmo 22, que se refere à lamentação do justo perseguido. Jesus identifica-se com o inocente torturado e maltratado, abandonado por todos. Jesus identifica-se como o Servo Sofredor, referido no livro do profeta Isaías.
Ao longo da sua existência terrena, Jesus revela-nos um Deus como a Fonte da Vida e do Amor. Pelo perdão e pela misericórdia, que sempre praticou, Jesus revela um Deus de ternura radical e de amor infinito.
Os gestos, as palavras e a vida de Jesus fazem vislumbrar um Deus totalmente incapaz de abandonar o seu Filho no momento mais angustiante e dolorosa da sua vida. Poderá o Deus de Jesus rejeitar o seu Filho no trágico momento em que este não passa de um agonizante mergulhado nas trevas mais densas? E uma perspetiva que se não pode aceitar.
Por meio de Jesus, Deus intervém na História da Humanidade, de forma radical e transformadora.
Parta-se do princípio que Deus não podia abandonar Jesus, o Messias anunciado pelos profetas do Antigo Testamento e que proclamou o Reino de Deus a Israel e à Humanidade em geral. Então, porquê este silêncio?
Um Deus que interrompesse o silêncio do Calvário, deixaria de ser o Deus que Cristo  manifestou. É que Deus manifesta-se gratuitamente, sem condições e sem nada exigir em troca. Não o faz para que a sua justiça ou a sua honra seja salvaguardada.
Nada há mais desarmado que o amor, porque o amor não pode deixar de se expor à liberdade daquele que se ama.
De facto, Jesus, agonizante na cruz, é a testemunha por excelência do amor gratuito e infinito de Deus.
Se Deus guardou silêncio no Calvário, fê-lo, para não contradizer o testemunho de Jesus, o qual revela um Deus que ama infinitamente a Humanidade, mas que respeita a sua liberdade.
Com efeito, esta aparente fraqueza de Deus remete para a liberdade e a responsabilidade do homem. Um teólogo cristão protestante, Dietrich Bonhoeffer, uma das principais personalidades da Resistência alemã contra a tirania nacional-socialista e executado em 9 de abril de 1945, pouco antes do final da Segunda Guerra Mundial, escreveu o seguinte:  “Perante Deus e com Deus vivemos sem Deus, Deus deixa que o expulsem do mundo e que o cravem numa cruz. Deus é impotente e fraco no mundo e só assim está connosco e nos ajuda… Cristo não nos ajuda pela Sua omnipotência, mas  pela Sua fraqueza e pelos Seus sofrimentos”.
Estar diante de Deus e com Deus e viver sem Deus significa aceitar a nossa condição humana e não esperar que Deus ocupe o nosso  lugar.
Bonhoeffer revela um Deus que tem uma predileção especial pelas vítimas deste mundo, pelos que são atormentados pelas diversas formas de violência e de exclusão.
As vítimas e os pobres são o sinal dos tempos, a realidade dramática, diante da qual é preciso ter olhos novos para ver a verdade da realidade e reagir com um coração cheio de misericórdia, de amor e de justiça.
Mas a cruz não é o fim de tudo. Depois da morte na cruz, renasce a esperança, iluminada pela luz da ressurreição de Jesus, que expressa não só o poder de Deus sobre a morte, mas também sobre as diversas formas de injustiça que produzem as vítimas.
Se Deus ressuscitou um crucificado, há esperança para os crucificados da História
Portanto, a cruz é o lugar em que Deus proclama o seu verdadeiro nome, que em nada se confunde com os ídolos que criamos e adoramos demasiados vezes. O seu nome é Amor, um Amor que se faz próximo. Deus connosco, até no abandono mais absoluto.
 


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