sexta-feira, 17 de outubro de 2014

A divinização da Humanidade e a mensagem de Jesus




A divinização da Humanidade é um tema que está presente na generalidade das correntes esotéricas, desde as mais antigas, nomeadamente as religiões mistéricas e as filosofias clássicas, às da modernidade, designadamente as diversas ordens iniciáticas.
Apesar de menosprezada no Cristianismo ocidental, tanto no Catolicismo como nos diversos ramos do Protestantismo, a doutrina da divinização da Humanidade desempenha igualmente um lugar fundamental no Cristianismo oriental. 
Com efeito, o Cristianismo oriental sempre enfatizou a grandeza da pessoa humana como condição do seu progresso em direção ao seu destino divino.  
A doutrina da divinização da Humanidade baseia-se nos textos das Escrituras bíblicas que constituem o fundamento basilar do Cristianismo.
No primeiro livro do Antigo Testamento, o Genésis, está escrito: “E disse Deus: Façamos o Homem à nossa imagem, à nossa semelhança".
Seguindo esta passagem bíblica, os cristãos primitivos, sobretudo os gnósticos, tiraram daí todas as consequências. Existe na Humanidade, apesar da Queda, uma parcela espiritual que provém do mundo superior e que aspira a ser purificada a fim de regressar à sua fonte primordial, que é Deus.  .
Na perspetiva dos cristãos gnósticos, a finalidade da salvação era a participação da pessoa humana na natureza divina. .
Seguindo esta perspetiva, é responsabilidade do Homem readquirir essa dignidade espiritual, que ele possuía na Origem e que perdeu com a Queda.
Segundo o gnosticismo cristão, diversos mediadores ou mensageiros desceram à Terra para transmitir a Gnose à Humanidade, de modo a assegurar a sua regeneração espirutual. O principal mediador é Jesus, o Cristo, que transmitiu a Gnose aos seus discípulos..
Para as correntes que valorizam a dimensão esotérica do Cristianismo, tanto aa antigas como as contemporâneas, a divinização da Humanidade é uma condição fundamental para a manifestação do Reino de Deus. 
Com efeito, há diversas coisas a dizer sobre o caminho que Jesus proclamou e praticou, uma vez que os seus ensinamentos nem sempre tem sido interpretados à luz de uma consciência espiritual mais elevada.  
Entrar no Reino de Deus não significa esperar pela morte e depois juntar-se a Deus. Pelo contrário, é um acontecimento interno vivido no momento que a natureza humana se transforma em algo mais elevado.
A mensagem de Jesus, centrada na proclamação do Reino de Deus, refere-se a um mundo transformado que depende de cada ser humano que busca a sua transformação interior, de acordo com a sua condição de filho de Deus.
Conforme Jesus refere no Evangelho de Tomé:“O Reino dentro de vós e fora de vós. Quando vos chegueis a conhecer a vós próprios, então sereis conhecidos e sabereis que vós sois os filhos do Pai vivente. Mas se vós não vos conhecerdes, então ficareis na pobreza e sereis a pobreza”. 
Em todas as grandes tradições de sabedoria humana, do Ocidente e do Oriente, a realidade é dividida em três niveis: o material, o espiritual e o divino.
O mundo material e o domínio das coisas físicas. Este nível de realidade é dominado pelas limitações do espaço e do tempo e pelo desejo dos bens materiais, o que nos coloca-nos ao serviço de ídolos ou falsas divindades, que Jesus simbolizou na figura de Mamona.
O mundo espiritual, onde tudo o que se aplica ao mundo material não é válido. Aí, os acontecimentos são governados por leis espirituais e as limitações do espaço e do tempo não existem. Nos Evangelhos, Jesus utliiliza a imagem do banquete para descrever esse mundo de felicidade, de amor e de alegria sem fim que Deus quer oferecer a todos os seus filhos.
Por último, Deus, ou o Absoluto, a origem, da qual nasceu a realidade. Transcende o mundo material, mas por ser infinito e ilimitado, também transcende o mundo espiritual.  
Estes três níveis interpenetram-se. O mundo material, o mundo espiritual e o próprio Deus estão todos presentes dentro de nos e fora de nos. 
Acreditar que só existimos no mundo material é urn enorme erro, um erro que os vários mestres espirituais e o próprio Jesus tem corrigido. Ele ofereceu a salvação, o que abre as portas as duas dimensões da vida que estão em falta, o mundo espiritual e o Absoluto Divino.
A menagem de salvação apresentada por Jesus tem uma vantagem pratica para a nossa vida. Como não somos perfeitos, mas somos portadores de uma centelha espiritual, a vida transforma-se num misto de bem e mal, prazer e sofrimento. Nós aspiramos à perfeição e ao bem, mas isso só pode acontecer se o Reino de Deus descer a Terra, que é precisamente o objetivo de Jesus.
Embora os três níveis de realidade estejam sempre presentes, o ser humano tem de se elevar a uma consciência espiritual superior para englo­bar os três mundos em simultâneo.
Quando Jesus disse: “Eu e o Pai somos um”, ele demonstrou que, para ele, era natural ver tudo, Deus e o Universo, ao mesmo tempo.
Analisando os evangelhos canónicos e os textos apócrifos mais importantes, como por exemplo o Evangelho de Tomé, constata-se que Jesus vê Deus como uma luz pura que emana em todos os recantos do Universo. 
Por isso, Jesus proclamou no Sermão da Montanha:“Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte, nem se acende a candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas sim em cima do candelabro, e assm alumia a todos os que estão em casa. Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu.” 
Tal como Buda e outros mestres que alcançaram a iluminação divina, Jesus queria que as seus seguidores e todos os seres humanos em geral se tornassem igualmente iluminados.
De facto, a forma por excelência de seguir os ensinamentos de Jesus é procurar atingir o estado de consciência dele. Alcançar a consciência de Cristo significa percorrer o mesmo caminho que ele percorreu para alcançar a iluminação e a união com Deus, a Fonte da Existência, da Vida e do Amor.


Prisciliano: um reformador do Cristianismo na Antiguidade Tardia


Prisciliano é uma das personalidades mais significativas da história religiosa da Península Ibérica,.Viveu na época denominada pela Antiguidade Tardia, assim designada por historiadores e outros eruditos para descrever o intervalo entre a Antiguidade clássica greco-romana e a Idade Média, na Europa e no mundo mediterrânico, geralmente entre o declínio do Império Romano cerca do ano 300 e o fim do Imperio Romano do Ocidente em 476, que marcou a consolidação dos reinos germânicos na Europa e do império Romano do Oriente, também designado como Império Bizantino. 
De acordo as fontes históricas existentes, nasceu na aldeia de Iria Flavia, que se encontra hoje ligada à vila de Padrón, numa Galiza que, na altura, pertencia à província romana da Galécia. cujo território incorporava o Norte de Portugal e partes atuais de Leão e Astúrias.
Liderou uma corrente do Cristianismo, com características reformadoras, ascéticas e inclusivamente gnósticas, tendo sido o primeiro heterodoxo a ser condenado à morte pela hierarquia eclesiástica, em articulação com o poder político então vigente.
Autores diversos como Agostinho da Silva, Jaime de Cortesão, Miguel de Unamuno e Teixeira de Pascoaes atribuem ao priscilianismo uma relevância fundamental na espiritualidade característica dos povos ibéricos.
De acordo com alguns autores, é Prisciliano quem se encontra sepultado em Compostela, e não São Tiago, que nunca saiu da Palestina, de acordo com as Escrituras.
Ele considerava-se como um asceta que renunciara às tentações mundanas e como tal, buscava a proximidade com o Divino através de uma ascese rigorosa. A principal atividade utlizada nesta ascese era a leitura e a interpretação das Escrituras, incluindo os documentos apócrifos, que ele considerava válidos, com o fundamento de que eram igualmente resultado de uma revelação divina. Na sua perspetiva, o cânone do Novo Testamento tinha sido uma decisão humana.
Defendia que a alma se encontrava aprisionada num cárcere material, o corpo, e que era imperiosa promover a sua libertação, de modo que pudesse regressar ao plano divino.
Enfatizando a unidade absoluta de Deus, mostrava reservas em relação à doutrina da Trindade, proclamada pelo Concílio de Niceia, em 325, que vê Deus uma unidade composta pelo Pai, Filho e Espírito Santo.
Prisciliano contestava o modelo hierarquizado de Igreja já vigente na sua época, que tinha o apoio ativo do poder político imperial, que pretendia deste modo instrumentalizar o Cristianismo. Com efeito, defendia um modelo de Igreja próximo daquele que tinha promovido pelos primeiros discípulos de Jesus, baseado na prática da ascese e na leitura e interpretação dos textos sagrados, tanto dos canónicos como dos apócrifos. Defendia a igualdade entre homens e mulheres. Questionava a exclusividade dos bispos e dos demais ministros ordenados na transmissão dos ensinamentos espirituais, considerando que Deus pode escolher crentes, sejam ordenados ou não, e conferir-lhes a capacidade de pregarem e interpretarem as Escrituras. Neste sentido, o Espírito de Deus pode conceder a qualquer crente a luz que o permite compreender a mensagem das Escrituras. Na interpretação das Escrituras, Prisciliano enfatizava a dimensão simbólica em detrimento do literalismo.
Proclamando uma doutrina que visava o conhecimento de Deus através do autoconhecimento de cada um, as propostas de Prisciliano defendiam igualmente a pobreza voluntária, a abstinência do álcool e da carne, o exercício da esmola, a abolição da escravatura e a igualdade entre homens e mulheres. Recomendando o celibato, Prisciliano não proibia, no entanto, o casamento de clérigos e monges, reconhecendo que a sexualidade consciente também era um valor que podia ser sacralizado. É nessa linha de pensamento que Prisciliano, escandalizando os seus contemporâneos, abre as portas dos templos às mulheres, como participantes integrais e ativas na liturgia e ousa afirmar que as almas humanas são, em essência, da mesma substância que Deus e podem transmigrar-se.
As reuniões das comunidades influenciadas pela mensagem de Prisciliano eram abertas à participação das pessoas que o desejassem, independentemente do sexo ou da condição social.
Essas reuniões eram frequentemente noturnas, tendo lugar nas montanhas, recordando os cultos estelares e de natureza, de origem celta. Nessas reuniões, a dança desempenhava um papel ritual importante.
Para além da Península Ibérica, a sua pregação teve um forte impacto no sul da atual França, lançando o germe de futuros movimentos heterodoxos, nomeadamente o Catarismo.
As deias de Prisciliano tiveram um forte influências em todos os estratos da sociedade, desde escravos à aristocracia, o que contribuiu para desencadear a reação dos setores mais conservadores da ortodoxia, que não hesitarem em aliar-se ao poder político, para promover a sua condenação à morte, um procedente de mau agoiro que iria marcar toda a história do Cristianismo e estabelecia os fundamentos daquilo que, séculos mais tarde, iria ser a Inquisição.
Como homem livre e cristão, Prisciliano valorizava acima de tudo o autoconhecimento como via privilegiada do encontro da pessoa humana com o Divino, apelando à experiência individual, que não podia ser substituída por nenhuma escritura, por mais sagrada que fosse, pois continuava a ser "letra" e o objetivo era a "consciência"; ou seja, seria essencial distinguir entre a letra que mata e o espírito que vivifica e renova.
Prisciliano foi o auto de diversas obras teológicas, mais concretamente as seguintes:
- Livro apologético (Liber Apologeticus), defesa do Sínodo de Saragoza;
- Livro ao Bispo Dámaso (liber ad Damasum Episcopum), carta ao Papa;
- Sobre a fé e os apócrifos (De fide et apocryphis);
- Tratado da páscoa (Tractatus paschalis);
- Tratado do êxodo (tractatus Exodi);
- Tratado dos primeiros salmos ( Tractatus Psalmi tertil);
- Tratado para o povo I – II (Tractatus ad populum – I – II);
- Bênção ao povo (Benedictio super populum).
Prisciliano compôs igualmente hinos para ajudar na difusão da sua mensagem. Um dos hinos mais belos cuja autoria é-lhe atribuída é o célebre "Hino a Jesus Cristo", que contém um apelo aos crentes para que não se fixassem nas palavras, mas que desenvolvessem a sua intuição espiritual.
“Quero desamarrar e quero ser desamarrado
Quero salvar e quero ser salvo
Quero ser engendrado
Quero cantar, cantai todos
Quero chorar, batei nos vossos peitos
Quero enfeitar e quero ser enfreitado
Sou lâmpada para ti, que me vês
Sou porta para ti, que chamas a ela
Tu vês o que faço. Não o menciones
A palavra enganou a todos, mas eu não fui totalmente enganado.”

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

A meditação e a descoberta do Divino



A meditação é um conjunto de práticas que visam a transformação interior da pessoa humana e a sua proximidade com Deus.
Demasiadas vezes, as nossas mentes e os nossos corações estão inquietos. As nossas mentes estão abarrotadas de sentimentos e pensamentos: memórias, projetos, medos, preocupações, desejos, angústias e frustrações.
Mesmo quando chegamos a ter um tempo de silêncio, o ruído e a atividade frenético da vida quotidiana não deixam de estar presentes. Pode existir silêncio externo, mas não o silêncio interior.
Não raras vezes, a ausência de silêncio e de paz interiores levam-nos a fazer coisas que realmente não queremos fazer e a dizer coisas que não devemos dizer.
A meditação é uma maneira privilegiada de promover a paz interior, esvaziando a nossa mente de todos os pensamentos e sentimentos.
A meditação, sobretudo associada às religiões orientais, nomeadamente o hinduísmo, o budismo e o jainismo, também desempenha um papel relevante nas correntes místicas do Cristianismo, que foram, não raras vezes, desvalorizadas e marginalizadas.
Os primeiros eremitas cristãos no Egito, na Palestina e na Síria retiraram-se para o deserto, seguindo o exemplo de Jesus, em busca de Deus.
Para eles, o primeiro passo foi a hesychia, ou o silêncio interior. Eles fizeram isso principalmente através da repetição da denominada Oração de Jesus: “Senhor Jesus, tem misericórdia de mim”. Às vezes, estava associada à prática de exercícios respiratórios, que visavam acalmar o coração e a mente.
Como um exercício espiritual, a hesychia tem sido praticada no Cristianismo ortodoxo até aos nossos dias.
Alguns místicos ocidentais adotaram e adaptaram a meditação. Existem monges que tem adotado formas de meditação através de mantras.
Um crescente numero de cristãos têm encontrado a paz interior através da prática conhecida como "oração centrante”.
As religiões orientais têm uma longa experiência na prática da meditação. Por exemplo, o Yoga envolve o foco em movimentos rítmicos  e no controlo da respiração, enquanto a mente está focada numa palavra, um objeto ou num som
O principal exercício religioso no Budismo, especialmente no Budismo Zen, é a meditação, no qual o foco é a respiração.
Os místicos do Islão, os sufis, têm a prática de repetição de palavras ou frases, por vezes combinados com exercícios respiratórios especiais.
O que eles têm em comum todas essas práticas é o foco no centro de atenção ou numa coisa: uma palavra, um som ou a respiração. O foco ajuda a esvaziar a mente de tudo o resto.
No âmbito de meditação, a pessoa, independentemente da sua filiação religiosa, espiritual ou filosófica, progride quando vai além do pensamento, dos conceitos, das imagens e do raciocínio, e entra num estado de consciência profundo ou e num modo de perceção forte, caracterizada por um profundo silêncio.
No Antigo Testamento, o profeta Elias afirmou ter descoberto que Deus não estava no vento, no terremoto ou no fogo, mas no silêncio de uma brisa suave.
O Mestre Eckhart, um dos principais místicos da Idade Média, afirmou um dia o seguinte: "nada é mais semelhante a Deus do que o silêncio."