Os quatro Evangelhos canónicos (Marcos, Mateus, Lucas e João) fazem referência à intervenção brusca de Jesus no Templo de Jerusalém, quando este promoveu a purificação do Átrio dos Gentios, que tinha sido transformado em local de comércio e de transações financeiras.
Este
comércio constituía uma mais valia para a cidade e sustentava a nobreza sacerdotal,
o clero e os empregados do Templo.
A
cena situa-se no Templo majestoso, construído pelo rei Herodes, o Grande, para
demonstrar as suas boas intenções para com o culto ao Deus de Israel e consequentemente
conquistar a simpatia do povo judeu.
A
construção do Templo iniciou-se em 19 A.E.C. e ficou essencialmente pronta no
ano 9 E.C., embora os trabalhos só tivessem sido dados por concluídos em 63. No
tempo de Jesus, efetivamente, o Templo estava a ser construído há 46 anos e
ainda não estava terminado, conforme a observação que os dirigentes judeus
fizeram ao jovem profeta.
A
purificação do Templo por Jesus foi um gesto profundamente audacioso. Atacar o
templo era atacar os fundamentos da vida religiosa, social, económica e
política de Israel.
A
magnificência do Templo, reconstruído após o exílio em Babilónia, contrastava
com a pobreza da maioria esmagadora do povo, documentada nos Evangelhos
canónicos e noutras fontes históricas alusivas àquela época.
Se
Jesus partilhava a prática de ir ao Templo, sobretudo nas principais festas do
calendário religioso do judaísmo, já o incomodava a sua instrumentalização por
uma religião que controlava o acesso a Deus, que sustentava a força dos poderes
instituídos, que marginalizava os mais pobres e excluía os mais vulneráveis.
Os
profetas de Israel, em diversas situações, tinham criticado o culto sacrificial
que Israel oferecia a Deus, considerando-o como um conjunto de ritos vazios e estéreis, dado que não expressavam verdadeiramente o amor a Deus;
tinham, inclusive, denunciado a relação do culto com a injustiça e a exploração
dos pobres.
As
considerações proféticas acabaram por consolidar a ideia de que a chegada dos
tempos messiânicos implicaria a purificação do culto prestado a Deus, Nesta
linha, o profeta Zacarias chegou a ligar explicitamente o “dia do Senhor” (o
dia em que Deus vai intervir na história e construir um mundo novo, através do
Messias) com a purificação do culto e a eliminação dos comerciantes que
desenvolviam a sua atividade comercial no Templo.
O
gesto que o Evangelho deste domingo nos relata deve entender-se neste
enquadramento. Quando Jesus pega no chicote de cordas, expulsa do Templo os
vendedores de ovelhas, de bois e de pombas, deita por terra os trocos dos
banqueiros e derruba as mesas dos cambistas, está a revelar-se como o Messias
anunciado pelos profetas e a anunciar que chegaram os novos tempos, os tempos
messiânicos.
No
entanto, Jesus vai bem mais longe do que os profetas do Antigo Testamento. Com
a sua mensagem e sobretudo a sua prática, Jesus proclama uma nova forma de
relação da pessoa humana com Deus, doravante encarado como Fonte da Vida e do
Amor.
Jesus
anuncia que “Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em
espírito e em verdade". Noutra passagem, afirma: “onde dois ou três estiverem reunidos
em meu nome, Eu estarei no meio deles”.
Construir
templos não é o objetivo principal do Reino de Deus. Claro que precisamos de
casas de encontro, de oração, de partilha, de comunhão e de acolhimento.
Mas
o mais importante são as pessoas animadas pelo amor de Deus e a vontade de construir
um mundo novo no qual as relações entre os seres humanos sejam enquadradas de
acordo com a regra de ouro presente
e preservada há milênios
em muitas tradições religiosas e éticas
da humanidade: não faz a outrem o que não queres que te façam a ti. Ou, formulada de modo positivo: faz aos outros o que queres que te façam também a
ti! Essa regra deveria
ser a norma fundamental para todos os campos da vida, para as famílias e as comunidades, para as etnias, nações e religiões.
Os
edifícios, mesmo os mais belos, não subsistirão à erosão do tempo. Mas o amor e
a fraternidade permanecerão.
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