domingo, 23 de novembro de 2014

Valentim: o mistico esquecido


Uma das mais brilhantes figuras do Cristianismo primitivo  foi Valentim. Nasceu na província romana de África, provavelmente no território da antiga cidade de Cartago, por volta do ano 100. A sua formação foi feita em Alexandria, então a segunda maior cidade do Império Romano e uma das metrópoles mais avançadas do mundo, onde confluíam pessoas de todas as culturas e de todas as correntes religiosas e filosóficas do Oriente e do Ocidente. Quando alcançou a idade adulta, tomou a opção de residir em Roma. Dotado de uma capacidade espiritual e intelectual notável, rapidamente alcançou um elevado lugar de proeminência na comunidade cristã da capital imperial.
Quando faleceu o bispo de Roma, Higino, no ano 140, Valentim, já então com grande prestígio, foi um dos candidatos à sua sucessão, tendo perdido a eleição por uma escassa margem, tendo sido ultrapassado por Pio, que se tinha destacado na defesa do Cristianismo primitivo contra a prepotência das autoridades romanas. Uma vez eleito, Pio mostrou uma faceta autoritária e dogmática, que não foi bem acolhida por uma grande parte da comunidade cristã de Roma. Valentim faleceu em 161, tendo mantido o seu prestígio junto das comunidades cristãs primitivas. 
Diversos historiadores, entre os quais Gilles Quispel, Jacob Slavenburg, Elaine Pagels , Hans Kung e Marília Fiorello, veem neste acontecimento um ponto de viragem fundamental no percurso histórico do Cristianismo, com profundas repercussões na História da Humanidade em geral.
Será interessante fazer um exercício de História contrafactual. O que teria acontecido se Valentim tivesse sido eleito bispo de Roma? Provavelmente, teríamos um Cristianismo menos dogmático, mais plural, mais centrado na dimensão mística e interior da espiritualidade e consequentemente mais consentâneo com a mensagem de amor, paz e compaixão proclamada e praticada por Jesus. Por outras palavras, uma ortopraxia em vez de uma ortodoxia.
Como místico que era, Valentim enfatizava a centelha no interior de cada ser humano que se despertava pela ressurreição do ser de Cristo no próprio coração e assim abria o caminho para uma vida nova baseada no amor ao Divino e ao próximo.
Valentim pregava que o ser humano era imortal, porque estava a sua parte espiritual estava ligada ao Espirito de Deus.
Mas isto não era válido para todos os seres humanos, Ele dividia os indivíduos em três grandes categorias, de acordo com o seu grau de evolução espiritual. Havia os hílicos, indivíduos materialistas, demasiado focados nas coisas materiais. Em seguida, existiam os psíquicos, que procuravam sinceramente a revelação da fé e que procuravam viver de acordo com as prescrições das comunidades eclesiais. Apesar de buscar a fé de uma forma sincera, não tinham a gnose. Por fim, os pneumáticos, os homens e as mulheres que vivenciavam as verdades eternas através da gnose, e como tal, tinham alcançado a união com o Divino, que vibrava no seu próprio ser.
Contrariamente a alguns pensadores cristãos do seu tempo, inclusive gnósticos, Valentim defendia que o lugar do crente era estar presente no mundo, sem no entanto estar dependente das suas ilusões. 
A conceção de que o ser humano vive num mundo de ilusão, do qual somente o conhecimento da gnose ou autoconhecimento pode libertá-lo, tem fortes analogias com as ideias de duas grandes religiões do Oriente, o Hinduísmo e o Budismo. É importante ter em conta que no século II existiam importantes relações económicas, culturais e inclusive político-diplomáticas entre o Império Romano e o subcontinente indiano.  
Valentim era um indivíduo espiritualmente iluminado. É um dos pensadores cristãos que tinha uma compreensão fundamental da essência da relação entre Deus, o Universo e pessoa humana, bem como da própria natureza de Jesus. 
Seria completamente errado considerar que Valentim diminuiu a importância de Jesus nos seus ensinamentos. A grande devoção e reverência para com Jesus por Valentim são amplamente manifestadas com beleza poética e sublime no Evangelho da Verdade, que na sua forma original, foi escrito por Valentim. Segundo Valentim, Jesus realmente salvador, mas o termo deve ser entendido na aceção da palavra grega original. Esta palavra grega é "soter", que significa curador ou doador da saúde. 
O Cristianismo gnóstico considera que o mundo e a Humanidade tem como grande enfermidade a ignorância, mais concretamente a ignorância, mais concretamente a ignorância espiritual. 
O papel dos mensageiros espirituais, entre os Jesus tinha um lugar de destaque, era curar da Humanidade da sua ignorância, através da gnose ou conhecimento espiritual. 
Na sua mensagem e sobretudo na sua vida, Valentim manifesta uma espiritualidade que merece ser conhecida pelos homens e pelas mulheres dos nossos tempos. 

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