No dia 13 de fevereiro, assinalou-se o 50.º aniversário do assassinato
do “General Sem Medo”.
É legítimo perguntar o que aconteceria se Humberto Delgado tivesse sido
eleito Presidente da República nas eleições de 1958, provavelmente um dos atos eleitorais
mais decisivos do Portugal do século XX.
Eis o relato imaginário de um Portugal alternativo, que começa com a campanha
eleitoral de um Delgado que não só foi eleito, como cumpriu dois mandatos no
Palácio de Belém, desempenhando as responsabilidades de Chefe de Estado até
1972.
Maio de 1958. Numa conferência de imprensa realizada no café lisboeta
Chave D’Ouro, a 10 de Maio de 1958, em resposta a um
jornalista da agência noticiosa France Press que lhe pergunta qual o destino
que daria a Salazar no caso de ganhar as eleições, Humberto Delgado responde de
forma direta: "Obviamente
demito-o"
A vasta mobilização popular que se seguiu permitiu criar pela primeira vez em três décadas a perspetiva de uma transformação politica do Pais no sentido da sua democratização.
O carisma do
"General sem medo" surgiu como um fenómeno inesperado, bem como a
erupção de massas no processo eleitoral. O candidato da oposição anunciou o
então facto inédito de não desistir da ida às urnas.
O povo do norte de
Portugal concentrou-se numa enorme manifestação no Porto, com mais de 100 mil pessoas, a fim de o receber poucos
dias após a sua declaração contra o ditador. Esta jornada a 14 de maio de 1958
revitalizou um velha tradição democrática e liberal que a ditadura do Estado
Novo não conseguira extinguir após mais de trinta anos de vigência. Receando
que a popularidade de Delgado se espalhasse de Norte a Sul do país, Salazar
proibiu a deslocação deste a Braga - um baluarte do catolicismo e berço da
revolução do 28 de Maio de 1926, que derrubara a 1.ª República. A cidade foi
ocupada por 5 mil membros da Legião Portuguesa - medida preventiva de
intimidação e de exibição do poder que todavia não impediu vastas concentrações
de pessoas pelas cidades e vilas do Norte do País de aclamarem o candidato da oposição
democrática.
Apanhado de
surpresa pelo levantamento espontâneo do entusiasmo popular por todo o país, o
regime tomou medidas de emergência destinadas a evitar mais demonstrações em
Lisboa. Assim, após a chegada de Delgado à estação de Santa Apolónia a 16 de
Maio de 1958 as forças da Guarda Nacional Republicana e os agentes da PIDE
exerceram repressão sobre a população de Lisboa que acorrera em massa para acolher
Delgado. É aqui que começa a versão contrafatual da História.
Descontrolado, o Ministro da
Defesa Nacional, o General Fernando da Santos Costa, uma das principais figuras dala
mais conservadora e direitista do regime, ordena a detenção de Delgado e
determina que as forças
da Guarda Nacional Republicana, da PIDE e da Legião Portuguesa que abram fogo diretamente contra a
população que se manifestava pacificamente. O resultado é um verdadeiro
massacre. Meia centena de mortos e várias centenas de feridos, muitos deles em
estado grave.
Ao ter conhecimento
do massacre, o Presidente da República, General Craveiro Lopes, cujas
divergências com Salazar eram já conhecidas, ao ponto de ter sido preterido como
candidato presidencial da União Nacional a favor do quase desconhecido
Contra-Almirante Américo Tomás, exige ao velho ditador a libertação de Delgado,
a demissão imediata de Santos Costa, a abertura de um inquérito judicial independente
aos trágicos incidentes e garantias de um processo eleitoral justo e
transparente.
Simultaneamente, contacta secretamente com o Chefe
de Estado-Maior General das Forças Armadas, General Jorge Botelho Moniz, sobre
a lealdade das Forças Armadas no caso de tomar “as medidas excecionais
necessárias para a salvaguarda da dignidade da Nação e dos seus cidadãos”.
As noticias do massacre
são rapidamente noticiadas pelos meios de comunicação a nível mundial, A
censura salazarista não consegue vencer a globalização da comunicação. A
condenação internacional é unânime, incluindo nos países aliados membros da
Aliança Atlântica.
No meio da turbiçhão, Salazar procura ganhar tempo. Perante a ausência
de resposta conclusiva de Salazar, que alega que as forças de segurança atuaram
na “legítima defesa da ordem pública contra a subversão”. Craveiro Lopes reside
agir.
Na madrugada de dia
21 de maio, forças do Exército ligadas ao Estado-Maior General das Forças Armadas assumem o controlo dos principais pontos
estratégicos de Lisboa e do País. A Força Aérea sobrevoa Lisboa e Porto. As instalações das principais instituições
repressivas, nomeadamente da PIDE e da Legião Portuguesa, são cercadas.
Ao meio dia, os
portugueses e o mundo são confrontados com a aparição pública do General
Craveiro Lopes na rádio e na televisão.
O Presidente da
República anuncia a destituição de Salazar e do seu Governo, a nomeação de um Governo
de salvação nacional presidido pelo General Jorge Botelho Moniz e o cumprimento
da Constituição Política da República de 1933, nomeadamente do célebre artigo 8.º, tantas vezes ignorado e desprezado, que garante a
todos os cidadãos portugueses os direitos fundamentais.
Cercado na sua residência do Palácio de Sâo Bento, Salazar contacta com chefias dos três ramos das Forças Armadas, mas estes estão do lado do movimento mlitar ou preferem a via da neutralidade, como é o caso da Armada. Exasperado, Salazar ordena à PIDE, à Legião Portuguesa e à GNR para que contra-ataquem, mas os seus dirigentes preferem negociar com Craveiro Lopes e os chefes militares que lhe estão próximos uma solução de compromisso. No final da tarde, Salazar, Santos Costa e outros membros do Governo são detidos. Posteriormente, Salazar será enviado para o exílio no Brasil de avião. Ironicamente, Salazar detestava a aviação.
Cercado na sua residência do Palácio de Sâo Bento, Salazar contacta com chefias dos três ramos das Forças Armadas, mas estes estão do lado do movimento mlitar ou preferem a via da neutralidade, como é o caso da Armada. Exasperado, Salazar ordena à PIDE, à Legião Portuguesa e à GNR para que contra-ataquem, mas os seus dirigentes preferem negociar com Craveiro Lopes e os chefes militares que lhe estão próximos uma solução de compromisso. No final da tarde, Salazar, Santos Costa e outros membros do Governo são detidos. Posteriormente, Salazar será enviado para o exílio no Brasil de avião. Ironicamente, Salazar detestava a aviação.
No dia 22 de maio,
no Palácio de Belém, Jorge Botelho Moniz toma posse como novo Presidente do
Conselho de Ministros.
O novo Governo anuncia
a libertação de Humberto Delgado e dos presos por “atividades políticas não
violentas e não extremistas”, a supressão da censura à imprensa, a abertura de
um inquérito judicial independente ao massacre de Lisboa e a garantia de um
processo eleitoral justo e transparente.
Contudo, apesar das
novas medidas, a Legião Portuguesa e a PIDE mantém-se. Os seus dirigentes ordenam aos
seus subordinados para que não atuem e permaneçam aquartelados nas instalações,
que são protegidas por forças militares. A União Nacional implode, dividindo-se entre os
que atacam o golpe militar e os que o consideram um “mal menor", como são os casos de Marcelo Caetano e Albino dos Reis.
O Contra-Almirante
Américo Tomás renuncia à sua candidatura presidencial, sendo indigitado em sua
substituição, um civil, Mário de Figueiredo, membro do Conselho de Estado, deputado
da Assembleia Nacional e um dos proeminentes dirigentes do Estado Novo.
Ironicamente, o novo candidato presidencial é conhecido pelas suas simpatias monárquicas. Em 1951, após o falecimento do Presidente Óscar Carmona, foi um dos principais defensores da restauração da Monarquia, uma tentativa que falhou devido à atuação da ala liberalizante liderada por Marcelo Caetano e à preocupação de Salazar em manter os equilíbrios entre as diversas fações políticas que suportavam o Estado Novo.
Libertado da
prisão, Humberto Delgado é recebido por Craveiro Lopes. Ao sair do Palácio de
Belém, o General Sem Medo apela à “pacificação da grande família portuguesa” e “reconciliação
genuinamente patriótica entre todos os portugueses de boa vontade”.
Delgado tem
presente de que a situação política é especialmente delicada. Se Salazar foi
destituído, o Estado Novo permanece.
A sua prioridade é vencer
as eleições presidenciais de 8 de junho, para depois empreender a transformação
do regime político.
Percorrendo o Pais
de lés a lés, Delgado apela à paz e à reconciliação como condições fundamentais
para a subsequente democratização. A adesão da população aumenta a cada dia que
passa.
Entretanto, o
advogado Arlindo Vicente, apoiado pelo Movimento Nacional Democrático,
movimento unitário ligado ao ilegalizado Partido Comunista Português, desiste a
favor de Delgado, em prol da “unidade nacional e democrática”.
No dia 8 de junho, realizam-se
as aguardadas eleições. Humberto Delgado obtém um resultado triunfante. 62,5%
dos eleitores votam no General Sem Medo. Ao tomar conhecimento dos resultados,
o povo português sai à rua para festejar, tendo sido acompanhado pelas populações
dos territórios ultramarinos.
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