domingo, 1 de março de 2015

E se Humberto Delgado tivesse sido eleito Presidente da República? - Parte 1


No dia 13 de fevereiro, assinalou-se o 50.º aniversário do assassinato do “General Sem Medo”.
É legítimo perguntar o que aconteceria se Humberto Delgado tivesse sido eleito Presidente da República nas eleições de 1958, provavelmente um dos atos eleitorais mais decisivos do Portugal do século XX.
Eis o relato imaginário de um Portugal alternativo, que começa com a campanha eleitoral de um Delgado que não só foi eleito, como cumpriu dois mandatos no Palácio de Belém, desempenhando as responsabilidades de Chefe de Estado até 1972.
Maio de 1958. Numa conferência de imprensa realizada no café lisboeta Chave D’Ouro, a 10 de Maio de 1958, em resposta a um jornalista da agência noticiosa France Press que lhe pergunta qual o destino que daria a Salazar no caso de ganhar as eleições, Humberto Delgado responde de forma direta:  "Obviamente demito-o"
A vasta mobilização popular que se seguiu permitiu criar pela primeira vez em três décadas a perspetiva de uma transformação politica do Pais no sentido da sua democratização.  
O carisma do "General sem medo" surgiu como um fenómeno inesperado, bem como a erupção de massas no processo eleitoral. O candidato da oposição anunciou o então facto inédito de não desistir da ida às urnas.
O povo do norte de Portugal concentrou-se numa enorme manifestação no Porto, com mais de 100 mil pessoas, a fim de o receber poucos dias após a sua declaração contra o ditador. Esta jornada a 14 de maio de 1958 revitalizou um velha tradição democrática e liberal que a ditadura do Estado Novo não conseguira extinguir após mais de trinta anos de vigência. Receando que a popularidade de Delgado se espalhasse de Norte a Sul do país, Salazar proibiu a deslocação deste a Braga - um baluarte do catolicismo e berço da revolução do 28 de Maio de 1926, que derrubara a 1.ª República. A cidade foi ocupada por 5 mil membros da Legião Portuguesa - medida preventiva de intimidação e de exibição do poder que todavia não impediu vastas concentrações de pessoas pelas cidades e vilas do Norte do País de aclamarem o candidato da oposição democrática.
Apanhado de surpresa pelo levantamento espontâneo do entusiasmo popular por todo o país, o regime tomou medidas de emergência destinadas a evitar mais demonstrações em Lisboa. Assim, após a chegada de Delgado à estação de Santa Apolónia a 16 de Maio de 1958 as forças da Guarda Nacional Republicana e os agentes da PIDE exerceram repressão sobre a população de Lisboa que acorrera em massa para acolher Delgado. É aqui que começa a versão contrafatual da História.
Descontrolado, o Ministro da Defesa Nacional, o General Fernando da Santos Costa, uma das principais figuras dala mais conservadora e direitista do regime, ordena a detenção de Delgado e determina que  as forças da Guarda Nacional Republicana, da PIDE e da Legião Portuguesa que abram fogo diretamente contra a população que se manifestava pacificamente. O resultado é um verdadeiro massacre. Meia centena de mortos e várias centenas de feridos, muitos deles em estado grave.
Ao ter conhecimento do massacre, o Presidente da República, General Craveiro Lopes, cujas divergências com Salazar eram já conhecidas, ao ponto de ter sido preterido como candidato presidencial da União Nacional a favor do quase desconhecido Contra-Almirante Américo Tomás, exige ao velho ditador a libertação de Delgado, a demissão imediata de Santos Costa, a abertura de um inquérito judicial independente aos trágicos incidentes e garantias de um processo eleitoral justo e transparente.
Simultaneamente, contacta secretamente com o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, General Jorge Botelho Moniz, sobre a lealdade das Forças Armadas no caso de tomar “as medidas excecionais necessárias para a salvaguarda da dignidade da Nação e dos seus cidadãos”.
As noticias do massacre são rapidamente noticiadas pelos meios de comunicação a nível mundial, A censura salazarista não consegue vencer a globalização da comunicação. A condenação internacional é unânime, incluindo nos países aliados membros da Aliança Atlântica.
No meio da turbiçhão, Salazar procura ganhar tempo. Perante a ausência de resposta conclusiva de Salazar, que alega que as forças de segurança atuaram na “legítima defesa da ordem pública contra a subversão”. Craveiro Lopes reside agir.
Na madrugada de dia 21 de maio, forças do Exército ligadas ao Estado-Maior General das Forças Armadas assumem o controlo dos principais pontos estratégicos de Lisboa e do País. A Força Aérea sobrevoa Lisboa e Porto. As instalações das principais instituições repressivas, nomeadamente da PIDE e da Legião Portuguesa, são cercadas.
Ao meio dia, os portugueses e o mundo são confrontados com a aparição pública do General Craveiro Lopes na rádio e na televisão.
O Presidente da República anuncia a destituição de Salazar e do seu Governo, a nomeação de um Governo de salvação nacional presidido pelo General Jorge Botelho Moniz e o cumprimento da Constituição Política da República de 1933, nomeadamente do célebre artigo 8.º, tantas vezes ignorado e desprezado, que garante a todos os cidadãos portugueses os direitos fundamentais. 
Cercado na sua residência do Palácio de Sâo Bento, Salazar contacta com chefias dos três ramos das Forças Armadas, mas estes estão do lado do movimento mlitar ou preferem a via da neutralidade, como é o caso da Armada.  Exasperado, Salazar ordena à PIDE, à Legião Portuguesa e à GNR para que contra-ataquem, mas os seus dirigentes preferem negociar com Craveiro Lopes e os chefes militares que lhe estão próximos uma solução de compromisso. No final da tarde, Salazar, Santos Costa e outros membros do Governo são detidos. Posteriormente, Salazar será enviado para o exílio no Brasil de avião. Ironicamente, Salazar detestava a aviação.
No dia 22 de maio, no Palácio de Belém, Jorge Botelho Moniz toma posse como novo Presidente do Conselho de Ministros.
O novo Governo anuncia a libertação de Humberto Delgado e dos presos por “atividades políticas não violentas e não extremistas”, a supressão da censura à imprensa, a abertura de um inquérito judicial independente ao massacre de Lisboa e a garantia de um processo eleitoral justo e transparente.  
Contudo, apesar das novas medidas, a Legião Portuguesa e a PIDE mantém-se. Os seus dirigentes ordenam aos seus subordinados para que não atuem e permaneçam aquartelados nas instalações, que são protegidas por forças militares. A União Nacional implode, dividindo-se entre os que atacam o golpe militar e os que o consideram um “mal menor", como são os casos de Marcelo Caetano e Albino dos Reis. 
O Contra-Almirante Américo Tomás renuncia à sua candidatura presidencial, sendo indigitado em sua substituição, um civil, Mário de Figueiredo, membro do Conselho de Estado, deputado da Assembleia Nacional e um dos proeminentes dirigentes do Estado Novo. Ironicamente, o novo candidato presidencial é conhecido pelas suas simpatias monárquicas. Em 1951, após o falecimento do Presidente Óscar Carmona, foi um dos principais defensores da restauração da Monarquia, uma tentativa que falhou devido à atuação da ala liberalizante liderada por Marcelo Caetano e à preocupação de Salazar em manter os equilíbrios entre as diversas fações políticas que suportavam o Estado Novo.     
Libertado da prisão, Humberto Delgado é recebido por Craveiro Lopes. Ao sair do Palácio de Belém, o General Sem Medo apela à “pacificação da grande família portuguesa” e “reconciliação genuinamente patriótica entre todos os portugueses de boa vontade”.
Delgado tem presente de que a situação política é especialmente delicada. Se Salazar foi destituído, o Estado Novo permanece.
A sua prioridade é vencer as eleições presidenciais de 8 de junho, para depois empreender a transformação do regime político.
Percorrendo o Pais de lés a lés, Delgado apela à paz e à reconciliação como condições fundamentais para a subsequente democratização. A adesão da população aumenta a cada dia que passa.
Entretanto, o advogado Arlindo Vicente, apoiado pelo Movimento Nacional Democrático, movimento unitário ligado ao ilegalizado Partido Comunista Português, desiste a favor de Delgado, em prol da “unidade nacional e democrática”.
No dia 8 de junho, realizam-se as aguardadas eleições. Humberto Delgado obtém um resultado triunfante. 62,5% dos eleitores votam no General Sem Medo. Ao tomar conhecimento dos resultados, o povo português sai à rua para festejar, tendo sido acompanhado pelas populações dos territórios ultramarinos.

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