O livro “O Último Segredo”, de José Rodrigues dos Santos, é uma obra cujo conteúdo está longe de ser consensual.
Quanto à discussão sobre a sua qualidade literária, deixo a apreciação à crítica especializada e aos leitores.
Mas como este romance tem a pretensão de desvendar a verdadeira identidade de Jesus, é da maior relevância esclarecer alguns aspetos de caráter histórico e teológico.
Jesus é uma presença fundamental na consciência coletiva do Ocidente e da Humanidade em geral. Cristãos e não cristãos, crentes e descrentes, não conseguem permanecer indiferentes ao fascínio exercido, se não pela sua pessoa ou pela sua mensagem, então pelo menos pelo lugar que ele ocupa na percurso histórico da Humanidade.
Com base dos conhecimentos históricos disponíveis e fundamentados (Jesus é a personalidade mais estudada da História), podemos afirmar que ele foi um profeta judeu, particularmente carismático, que impulsionou um forte movimento messiânico, um homem considerado perigoso para a ordem religiosa, social e política estabelecida, condenado pela alta hierarquia sacerdotal de Jerusalém e pelo governador romano Pôncio Pilatos, que ordenou a sua execução através da crucificação. Contido, após a sua morte, o seu movimento messiânico não apenas se manteve, como consolidou-se, com base na proclamação de que Jesus tinha ressuscitado e glorificado por Deus como o Messias anunciado pelos profetas do Antigo Testamento.
A respeito do Jesus histórico, vale a pena lembrar as palavras de Flávio Josefo, o principal historiador judeu do século I da nossa era.
Na sua obra “Antiguidades Judaicas”, Flávio Josefo refere-se a Jesus nos seguintes termos: “Nesse tempo havia um homem sábio chamado Jesus. O seu modo de vida era louvável e ele tornou-se célebre pela sua virtude; e muitos, dos judeus e de gentios, tornaram-se seus discípulos. Pilatos condenou-o à crucificação e à morte; porém, aqueles que se haviam tornado seus discípulos não renegaram o que tinham aprendido. Eles contavam que eles lhes tinha aparecido no terceiro dia depois da sua crucificação e que estava vivo. Em conformidade com isso, ele seria o Messias anunciado pelos profetas ”.
Flávio Josefo não reconhece Jesus como o Messias, apenas dizendo que assim o consideravam os seus discípulos e não apresenta a ressurreição como um facto, mas como um relato dos discípulos de Jesus.
Contudo, esse trecho de Flávio Josefo demonstra a historicidade de Jesus e a sua importância e do seu movimento de discípulos na sociedade judaica do século I da nossa era
Contrariamente ao que insinua José Rodrigues dos Santos, os pilares da essência do Cristianismo não são abalados.
Assim, não perturba nada a fé na santidade de Maria a questão da sua virgindade física. O Credo não é um tratado de biologia. Do mesmo modo, não agride a fé cristã que Jesus tenha tido ou não irmãos e irmãs ou que tenha sido casado ou não.
O que a teologia contemporânea diz sobre a Santíssima Trindade é que a unidade de Pai, Filho e Espírito Santo é uma unidade de revelação: "Deus mesmo manifesta-se através de Jesus Cristo no Espírito", escreveu várias vezes Hans Küng, um dos mais pensadores mais brilhantes e lúcidos do Cristianismo contemporâneo. No Novo Testamento, Jesus é confessado pelos crentes como o Cristo, isto é, Messias e Filho de Deus. Ele é a revelação definitiva do Deus único que foi revelado a Abraão, a Moisés e aos demais profetas do Povo de Israel.
Quanto à ressurreição, ela não deve ser interpretada como a reanimação de um cadáver. Pelo contrário, a ressurreição de Jesus foi uma passagem para uma outra dimensão, uma passagem para a realidade última e absoluta que é Deus e que, enquanto Criador, difere da criação. Por outro lado, a ressurreição não é meramente um fenómeno existencial ou comunitário, de que Jesus subsiste na fé da comunidade, mas sim um fenómeno real e objetivo. Deus agiu em prol de Jesus, de modo que ele se encontra vivo e glorificado como Messias.
No que diz respeito ao conteúdo da Bíblia e á possibilidade de existência de contradições e de alterações, a questão não se coloca apenas com a Bíblia, mas genericamente com toda a literatura antiga: não tendo sido conservados os manuscritos que saíram das mãos dos autores torna-se necessário partir da avaliação das diversas cópias e versões posteriores para reconstruir aquilo que se crê estar mais próximo do texto original. Este problema coloca-se igualmente para as obras primas da filosofia e da literatura da Antiguidade Clássica.
Há uma ciência que se chama Crítica Textual que avalia a fiabilidade dos manuscritos e estabelece os critérios objetivos que nos devem levar a preferir uma variante a outra. A Crítica Textual cria igualmente as chamadas “edições críticas”, isto é, a apresentação do texto reconstruído, mas com a indicação de todas as variantes existentes e a justificação para se ter escolhido uma em lugar de outra. O grau de fiabilidade em relação às escolhas é diversificado e as próprias dúvidas vêm também assinaladas.
Atualmente, existem excelentes edições críticas da Bíblia, elaboradas de forma rigorosíssima do ponto de vista científico, e é sobre essas edições que o trabalho da investigação bíblica se constrói.
Aí está, pois, um livro polémico, que tem a vantagem de exigir uma maior reflexão sobre Jesus, mas que ignora, contributos históricos e teológicos da maior relevância para o conhecimento da sua vida e da sua mensagem.
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