domingo, 20 de novembro de 2011

Tiago, O Justo: o herói esquecido do Cristianismo



Outubro de 2010. Terminou um julgamento muito especial no Tribunal Distrital de Jerusalém. Durou cinco anos, com 116 sessões, 133 testemunhas e mais de 12 mil páginas de depoimentos. No tribunal, estiveram peritos científicos de diversas áreas, nomeadamente especialistas em testes de carbono-14 (que datam objetos históricos), em história bíblica, paleografia, geologia, biologia e microscopia.
O caso exigia todos os cuidados, uma vez que no banco dos réus estava algo muito invulgar: uma caixa de pedra calcária, destinada a guardar os ossos de um corpo, com 50 centímetros de comprimento e 25 quilos.
Os ossários foram muito utilizados em Jerusalém nos séculos I A.C. e I D.C., mas um pormenor tornava este objeto especial. No ossário, existia a seguinte inscrição em aramaico: Ya’akov bar Yosef achui d’Yeshua. Em português: “Tiago, filho de José, irmão de Jesus.”
A ideia de que aquela caixa podia conter os restos mortais de um irmão de Jesus agitou o mundo. Se fosse verdadeira, seria a primeira prova arqueológica da existência de Jesus. Além disso, provaria que Jesus teria uma família numerosa, com vários irmãos. Nos Evangelhos do Novo Testamento, não faltam referências aos irmãos de Jesus e até chega a enunciar-se o número dos mesmos. De acordo com os evangelistas Marcos, Mateus e Lucas, os irmãos chamavam-se Tiago, José, Simão e Judas e existiam pelo menos duas irmãs, cujos nomes não são mencionados. Segundo a tradição cristã primitiva, as irmãs chamavam-se Maria e Salomé.
Contudo, no presente artigo, vamos focar a nossa atenção em Tiago. Fazendo uma análise rigorosa do Novo Testamento, textos apócrifos, textos dos Padres da Igreja (a designação dada aos principais pensadores e mestres do Cristianismo até ao século VII) e dos primeiros historiadores do Cristianismo, pode-se deduzir que Tiago, muitas vezes referido com o cognome de O Justo, desempenhou um papel de liderança nas primeiras décadas após a morte e a ressurreição de Jesus.
Após algumas reservas iniciais em relação à missão do seu irmão, aliás profetizada nos Livro dos Salmos, um dos livros do Antigo Testamento, Tiago acabou por reconhecer Jesus como o Messias prometido por Deus ao povo de Israel e á Humanidade em geral.
Aquando do Pentecostes, os Atos dos Apóstolos referem claramente que tanto Maria, mãe de Jesus, como os seus irmãos faziam parte da comunidade júdeo-cristã primitiva de Jerusalém.
No Concílio de Jerusalém, que decorreu no ano 50 da nossa era, Tiago desempenhou um papel de primeiro plano na abertura da nova fé aos gentios, os não judeus. De acordo com o Concílio, que foi provavelmente presidido por Tiago, os cristãos gentios, oriundos do paganismo, foram dispensados da observação das leis rituais judaicas, mas para os cristãos de origem judaica manteve-se a observação estrita da Lei.
Foi Tiago quem propôs a resolução final: “Sou da opinião de que não se deve importunar os pagãos convertidos a Deus”. E propôs as regras que eles tinham de seguir: absterem-se de oferecerem comida aos ídolos, de comer animais que tivessem sido estrangulados, de comer sangue e evitarem relações sexuais imorais.
Segundo a perspetiva de Tiago, judeo-cristãos e cristãos de origem gentia deveriam conviver numa mesma comunidade eclesial, e os júdeo-cristãos podiam permanecer na sinagoga de onde provinham, na esperança da conversão de Israel no seu todo a Jesus como Messias de Deus.
Tiago, simultaneamente observador estrito da Lei e conciliador, pessoalmente irrepreensível, era o verdadeiro líder da Igreja de Jerusalém, cuja primazia era reconhecida por todas as comunidades cristãs primitivas que então surgiram em todo o Mediterrâneo Oriental e em Roma, a capital imperial.
Segundo Flávio Josefo, o principal historiador judeu do século I da nossa era, Tiago foi condenado entre a morte do governador romano Festo e a tomada de posse do novo governador, Albino.Isto passou-se provavelmente no ano 62, e o sumo sacerdote Anás II acusou-o de “violação da Lei”, condenando-o á morte por apedrejamento.
Flávio Josefo relata ainda que o ato de Anás II foi amplamente considerado como um assassinato judicial e teria ofendido muitos dos "que eram consideradas as pessoas mais justas da cidade, e estritas na observância da Lei", que apelaram à intervenção do governador romano Albano. Como resultado, o rei Herodes Agripa II, no qual o imperador romano tinha delegado a supervisão do Templo de Jerusalém, demitiu Anás II das suas funções.
A condenação à morte de Tiago por Anás II não foi por acaso. Anás II era o quinto filho do sumo sacerdote Anás e cunhado do sumo sacerdote Caifás, que tinham sido, juntamente com o governador romano Pòncio Pilatos, os principais responsáveis pela morte de Jesus.
A família de Anás, que dominava a élite sacerdotal judaica, e a família de Jesus eram como a água e o azeite. A família de Anás temia a popularidade do movimento fundado por Jesus e os efeitos desestabilizadores que a sua mensagem do Reino de Deus baseado no amor e na justiça poderia ter na esfera dos poderes político e religioso.
A morte de Tiago teve consequências fatais para as relações da jovem comunidade cristã com o judaísmo oficial, levando simultaneamente à exclusão dos cristãos da sinagoga judaica e à desvalorização progressiva da tradição judaica no âmbito do Cristianismo.
Nos tempos conturbados em que vivemos, a revalorização da vida e da obra de Tiago, irmão de Jesus, pode ser o elo perdido entre as três grandes religiões monoteístas (Judaismo, Cristianismo e Islamismo), contribuindo para desenvolver um verdadeiro diálogo inter-religioso que promova a paz e o progresso espirituial da Humanidade.

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